Espelhos chamados amigos
A preocupação da maioria dos pais com as amizades dos filhos está longe de ser uma implicância infundada. Existe uma linha de atuação na Psicologia que defende que os amigos chegam a influenciar a personalidade de uma criança e de um adolescente mais até do que a herança genética, a educação familiar e a educação formal obtida na escola.
A tese, construída inicialmente pela psicóloga norte-americana Judith Rich Harris, causou uma revolução nas teorias da personalidade. Seus fundamentos foram expostos no livro “Diga-me com quem anda...”, cujo título já remete a um conceito antigo, repetido por pais de várias gerações.
Segundo Judith Harris, o convívio com os pais é somente um dos fatores – e um dos menos importantes – que influenciam a personalidade dos filhos. Ela ressalta que “ao se identificar com uma turma, a criança ou o adolescente tende a agir conforme as regras internas das pessoas que a compõem, tentando encontrar um papel que lhe renda uma boa posição entre os membros”.
Na concepção da psicóloga, “é a identificação com um grupo e a aceitação ou rejeição por parte dele que deixam marcas permanentes na personalidade”. Daí o surgimento das chamadas panelinhas em escolas ou em guetos de bairros, onde turmas são formadas. Nestes grupos quase sempre surgem hierarquias e uma certa relação de poder em aceitar ou excluir possíveis candidatos a fazerem parte deles.
O que traz de tão especial esta teoria? No mínimo uma explicação consistente para o fato de pessoas nascidas do mesmo pai e da mesma mãe (muitas delas gêmeos idênticos), criadas da mesma maneira, serem tão diferentes. Dá ainda a alguns pais certo conforto naqueles momentos em que eles, diante das atitudes reprováveis dos filhos, sentem-se culpados e se questionam no que erraram.
Assim que li um pouco sobre essa corrente psicológica encontrei respaldo para o que já intuía sobre o assunto. A minha própria trajetória de vida foi marcada, felizmente, por grandes influências dos amigos. O felizmente tem a ver, é claro, com a constatação de que tais influências foram bastante benéficas, uma vez que meus melhores amigos se tornaram família quando deixei a casa dos meus pais para estudar e para “correr mundo”. Não substituí minha família pelos amigos, e sim a ampliei. O resultado disso foi a conquista do que costumo chamar de “amiguirmãos” – pessoas especiais com as quais mantenho amizade há duas, três décadas, estendendo os laços aos seus filhos.
Alguns pais erram ao subestimar a influência dos amigos na vida dos filhos. Ou fazem pré-julgamentos superficiais destes amigos, condenando-os de cara, ou demonstram pouco interesse em, de fato, conhecê-los. Conhecer e se aproximar dos amigos dos filhos talvez sejam as principais prerrogativas dos pais para entenderem melhor tamanha influência daqueles na personalidade de suas crias.
Muitas tragédias familiares poderiam ser evitadas se houvesse mais atenção para o que acontece fora de casa nos círculos de amizade de crianças e adolescentes. Não se trata daquela idéia errônea dos pais em “serem amigos” dos filhos (no sentido de ocuparem o lugar dos amigos da mesma faixa etária). É abrir as portas de casa para os integrantes de suas turmas; conhecê-los de perto, ouvir o que eles têm a dizer, o que pensam, como manifestam seus sentimentos, de que famílias vêm... É bisbilhotar, sim, as amizades dos filhos, mas no dia-a-dia e com muito respeito; nunca de um jeito agressivo e preconceituoso.