Mulher-objeto

Para desespero dos que ainda acreditam no romantismo, existe nos Estados Unidos uma espécie de clube dos milionários, onde mulheres se inscrevem para ser avaliadas por ricaços que pagam até 20 mil dólares apenas para entrar e escolher alguma possível namorada. Algumas destas mulheres fazem questão de declarar que vale mais a segurança financeira de um homem, mesmo que ele esteja longe dos padrões estéticos de beleza masculina, do que quaisquer outras qualidades que possam apresentar. Em outras palavras, para elas é melhor estar casada com um Quasímodo rico do que com um Tom Cruise pobretão.

O conceito de mulher-objeto, no entanto, não está ligado somente aos interesses financeiros. Em um baile funk na periferia do Rio de Janeiro os encontros entre homens e mulheres estão ligados a um outro nível de entendimento bem mais simples e direto. O homem chega perto de uma mulher e pergunta: “já é ou já era?” Se a resposta for “já é”, no segundo seguinte o casal engata um beijo na boca e se prepara para o que der e vier...

Felizmente, tamanha banalização feminina (e masculina também!) é combatida por mulheres (e homens) que acreditam nas relações que se erguem sobre alicerces sólidos. Não quero aqui fazer qualquer apologia a modelos de relacionamentos considerados machistas ou ultrapassados. Penso apenas que nunca ficará ultrapassado um namoro ou um casamento que se construa com base em sentimentos nobres como o amor, o carinho, a amizade, o respeito e a admiração.

Num de seus artigos, Arnaldo Jabor toca nesse assunto seríssimo com o seu habitual bom humor. Intitulado “Os homens desejam as mulheres que não existem”, o texto menciona as peripécias que muitas mulheres têm feito para conquistar os homens, e exclusivamente para isso. Num dos trechos o autor escreve: “(...) talvez este artigo seja moralista, talvez as uvas da inveja estejam verdes, mas eu olho as revistas de mulher nua e só vejo paisagens; não vejo pessoas com defeitos, medos. Só vejo meninas oferecendo a doçura total, todas competindo no mercado, em contorções eróticas desesperadas porque não têm mais o que mostrar. Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil; já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus. O que falta? Órgãos internos? Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável?(...)”.

Cineasta irreverente e articulista meticuloso, Jabor tem como uma de suas características a fala direta, quase crua, dando alfinetadas para chamar a atenção do leitor para questões cruciais. Não dá para virarmos as costas para a intensa propaganda voltada para a transformação das mulheres em símbolos sexuais. Garotas de 12, 13 anos costumam acalentar o sonho de ser modelos, e para isso procuram e aceitam todas as chaves que possam abrir as possíveis portas para esta profissão.

Na era virtual o universo das mulheres-objetos – assumidas e declaradas – ganha contornos de irrealidade, de inatingível. É como se as mulheres se esforçassem bem mais para seduzir do que para conquistar um homem real com quem possam construir uma relação concreta, possível. E os homens, por sua vez, se vêem cada vez mais impotentes diante deste modelo inatingível de mulher.

Fecho com um outro trecho do artigo de Arnaldo Jabor que consegue pôr o dedo exatamente nessa ferida aberta: “(...) tanta oferta sexual me angustia, me dá a certeza de que nosso sexo é programado por outros, por indústrias masturbatórias, nos provocando desejo para me vender satisfação. É pela dificuldade de realizar esse sonho masculino que essas moças existem, realmente. Elas existem, para além do limbo gráfico das revistas. O contato com elas revela meninas inseguras ou doces, espertas ou bobas. Mas se elas pudessem expressar seus reais desejos, não estariam nas revistas sexy, pois não há mercado para mulheres amando maridos, cozinhando felizes, aspirando por namoros ternos. Nas revistas, são tão perfeitas que parecem dispensar parceiros, estão tão nuas que parecem namoradas de si mesmas. Mas, na verdade, elas querem amar e ser amadas, embora tenham de ralar nos haréns virtuais inventados pelos machos (...)”.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 03/08/2008
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