O NEGRO NA MÍDIA IMPRESSA: UMA IMAGEM AINDA INDESEJADA

Por Oubí Inaê Kibuko*

O racismo que existe,

O racismo que não existe.

O sim que é não,

O não que é sim.

É assim o Brasil

ou não?

Oliveira Silveira

"Nossas crianças perdem a auto-estima ao aprender a sonhar em ser, mesmo que cirurgicamente, iguais à rainha dos baixinhos", afirma Joel Zito Araújo. Estudar e Pensar a Comunicação tem sido nosso propósito nos últimos anos, com olhares críticos e auto-críticos. Principalmente, quando influenciados pelo Observatório da Imprensa temos nos exercitado e aprendido cotidianamente a “nunca mais ler jornal do mesmo jeito”. Ação semelhante temos aplicado à Publicidade, alertados pela indagação de Carlos Hasenbalg: “se anunciado para brancos o negro também compra, por que arriscar-se a ‘denegrir’ a imagem do produto?” Liberdade de Expressão Comercial, tema controverso na pauta do Congresso de Publicidade, ocorrido este mês em São Paulo, defendeu teses, abriu discussões, elaborou encaminhamentos, tais como: "O IV Congresso Brasileiro de Publicidade terminou nesta quarta-feira (16) em São Paulo criticando todas as iniciativas de censura à liberdade de expressão comercial. A categoria também decidiu apoiar oficialmente a Frente Parlamentar da Comunicação Social, um grupo de mais de 150 deputados e senadores que será porta-voz dos interesses da comunicação no país", ações estas que nos impeliram a reflexões.

O Estatuto da Igualdade Racial, Projeto de Lei nº 6.264/2005, mais conhecido como Lei Paim, em trâmite na Camara para aprovação, no capítulo IX sobre os meios de comunicação: publicidade, filmes e programas de TV que deverão inserir no mínimo 20% de pessoas negras em seu elenco, não contempla literalmente e permite subjetiva interpretação visual e textual, no que se refere a presença percentual de negros e negras na mídia gráfica, também conhecida por mídia impressa. (Grifo nosso). Segundo o Wiki: "Também conhecida como mídia offline, a mídia impressa é um meio de comunicação, o qual refere-se particulamente aos materiais, de caráter publicitário ou jornalístico, que são impressos em gráficas, birôs de impressão, ou em locais específicos. O meio impresso pode ser veiculado em veículos de comunicação, como jornais; revistas; tablóides; informativos; anuários; etc, ou em peças avulsas, como folhetos; mala-diretas; folders; flyers; panfletos; cartazes; encartes; etc. Estes materiais ainda podem ser feitos em diversos papéis, plásticos, adevisos, variando-se em tamanho, cor, acabamento, e efeito". Acrescente-se: banner, busdoor, outdoor, prancha, etc.

Adriana Bernardes enfatiza: "Está mais que comprovado que a mídia impressa é fundamental na comunicação de produtos e serviços quando se quer agilidade, eficiência e, principalmente, fixar na mente do consumidor a imagem que se deseja".

De acordo com Joel Zito Araújo "Não é possível ignorar as cotas como um movimento natural e necessário, apesar das imperfeições no processo". Porém esta lacuna, se nos basearmos no Código de Auto-Regulamentação Publicitária pode não somente dificultar tramites processuais como também ser mais um inimigo do que propriamente um aliado. Exemplo para reflexão pode comparado na Representação nº 094/86:

Denunciante: CONSELHO SUPERIOR DO CONAR, mediante ofício do Governo do Estado de São Paulo.

Denunciado: anúncio "SE A FAMÍLIA ESTÁ SENTINDO FALTA DO QUE ELAS FAZEM..."

Anunciante: GTV IMÓVEIS GRUPO TÉCNICA DE VENDAS S/C LTDA.

Agência: MBA PROPAGANDA LTDA.

Relator: Cons.º MANFREDO BOARINI

O Anúncio

O anúncio de mídia impressa mostrava uma senhora negra, com uniforme de empregada doméstica, seguido do texto: "Se sua família também está sentindo a falta que elas fazem, procure nas páginas n e n..."

E nessas páginas inteiras, o anúncio do lançamento de edifício de apartamentos, na Vila Nova Conceição, também ilustrado com a mesma senhora negra, agora com o seguinte título: "Um apartamento onde não faltam bons serviços para sua família viver tranqüila."

A Representação

Originou-se no ofício de um Conselho ligado à Secretaria do Governo do Estado dirigido à Proteção e Defesa dos Negros, presidida pelo Sr. Ivair Augusto Alves dos Santos. Nesse expediente foi dito que o anúncio colocou a imagem do negro sob o prisma de uma visão euro-etnocêntrica, segundo a qual "os negros só servem para serviços domésticos e ou não-qualificados."

A Denúncia

Perfilhada pelo Conselho Superior do Conar, fundamentou-se nos artigos 1º, 2º, 20 e 22 do CBARP.

A Defesa

Foi apresentada pela agência de publicidade, que procurou mudar o pólo da discussão, alegou que "o grande preconceito está partindo dos próprios denunciantes, que classificam a digna profissão de empregada doméstica como uma profissão desqualificada e não merecedora do mínimo respeito, enquanto que o próprio título do anúncio eleva essa profissão à sua devida importância, deixando bem claro que os prestadores que realizam este tipo de serviço têm a sua falta cada vez mais sentida por todos."

Alega, enfim, não ter o anúncio infringido qualquer dispositivo ético que norteia a publicidade.

O Relator

O relator aceitou a argumentação da defesa, entendendo que:

"Não se pode considerar preconceituosa e muito menos desairosa a mensagem que objetiva simplesmente vender imóvel e prestação de serviço, utilizando um modelo de cor negra, por acreditar-se que em princípio todo trabalho é honesto e dignificante e que pelo fato de não serem utilizados modelos de outras raças e cores deva ser considerado racista ou tendente a estereotipar a raça negra." Propôs, assim, o arquivamento do feito.

A Decisão

Acolhendo esse parecer, recomendou, por unanimidade, o arquivamento do processo.

Decerto, atenta Hasenbalg que “a publicidade não é alheia à dinâmica que rege as relações raciais no Brasil. Por ação e omissão, ela é instrumento eficaz de perpetuação de uma estética branca carregada de implicações racistas”, e o tema em tela exige estudos aprofundados e troca exaustiva de impressões sobre teoria da comunicação, semiótica, questão de identidade na pós-modernidade segundo Stuart Hall, etnocentrismo, nicho de mercado, legislação publicitária, dentre outros fatores para que o recorte e debate racial seja feito com embasamento conceitual. Caso contrário o tiro, segundo a expressão popular, pode sair pela culatra. “Não temos a cultura de fazer reinvindicações com fundamento jurídico em discriminação racial, que é uma dificuldade, resultado da falta de formação já lá na faculdade”, reflete o Carlos Alberto, ministro do Supremo Tribunal do Trabalho.

Apesar de não termos tido contato com a peça denunciada pelo Sr. Ivair Augusto Alves dos Santos, colocamos essas questões em cheque, por conta da observação e coleta de material ilustrativo para a monografia que estamos realizando como tese de conclusão de curso, sobre a representação do negro na publicidade, cuja presença em peças institucionais tem se revelado ambígua e a ausência em peças comerciais tem se mostrado questionável, segmentada, e porque não dizer em nosso modesto entendimento: indesejada.

Fontes:

Conceição, Jônatas. Barbosa, Lindalva. Organizadores. Quilombo de Palavras, a literatura dos afro-descendentes. Salvador: CEAO/UFBA, 2000. Ser e não ser, Oliveira Silveira, pg. 155.

Hasenbalg, Carlos. Gonzales, Lélia. Lugar de negro. Coleção 2 pontos. Editora Marco Zero. Rio de Janeiro, 1982, O negro na publicidade, pg. 108/112

Congresso de Publicidade critica censura à liberdade de expressão comercial.

Disponível em:

http://www.congressodepublicidade.com.br/abap/techEngine?sid=abap&command=mainSite

Acesso em: 22/07/2008

Estatuto garante representação do negro na mídia.

Disponível em: http://www.irohin.org.br/

Acesso em: 22/07/2008

Mídia impressa

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdia_impressa

Acesso em: 23/07/2008

Mídia que traz boa impressão - por Adriana Bernardes

Disponível em: http://www.revistameioemidia.com.br/revistamm.qps/Ref/RHSR-6Q6R3L

Acesso em: 23/07/2008

Representação nº 094/86 - CASOS - CADERNO 5 - DISCRIMINAÇÃO - CASO 9

Disponível em: <http://www.conar.org.br/> Busca. Palavra-chave: negros.

Acesso em: 22/07/2008

Joel Zito Araújo. Eu sou neguinho.

Disponível em: <http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2008/06/12/eu_sou_neguinho-546775749.asp>

Acesso em: 20/07/2008

Carlos Alberto Reis de Paula. Revista Raça Brasil, número 123. Editora Escala. São Paulo, 2008, pg. 8

Indicação de leitura:

A identidade cultural na pós-modernidade. Stuart Hall. DP & A, 2006, 11ª edição 106 páginas.

Da Diáspora - Identidades e mediações culturais. Stuart Hall - Organização Liv Sovik. Editora UFMG, Belo Horizonte, e Representação da UNESCO no Brasil, Brasília; 2003. 434 páginas.

Stuart Hall: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stuart_Hall

Stuart Hall - A Identidade em Questão.

Disponível em: http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/hall1.html

Pensando raça e cor com Stuart Hall: algumas reflexões a partir do significado de negro.

Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/036/36rpraxedes.htm

Everardo, P. Guimarães Rocha. O que é etnocentrismo Coleção primeiros passos, ed. Brailiense.

Etnocentrismo na mídia.

Disponível em: http://tryck.vilabol.uol.com.br/etno.htm

Cidade Tiradentes para o mundo, julho 2008.

(*) Graduando em Publicidade e Propaganda, com ênfase em Gestão Empresarial, FECAP/SP e Audiovisual, ELCV (Escola Livre de Cinema e Vídeo), Santo André/SP, fotógrafo, escrevinhador. Contatos: oubitelapreta@gmail.com