Sala de Justiça tupiniquim
Já passou da hora de termos aqui no Brasil uma filial da legendária Sala de Justiça, que em nada se parece com qualquer sala destinada ao Judiciário nacional. Quando criança, em plena vigência da fase ingênua de vida, lia os gibis e assistia aos desenhos animados que contavam as sagas daquela legião de super-heróis, responsável por defender o universo das forças do Mal.
Eram tantos os nomes dos emissários do Bem que nem sempre se fazia necessária uma ação conjunta de todos eles. Super-Homem, Mulher Maravilha, Batman, Robin, Lanterna Verde, Super-Gêmeos, Aquaman, Flash, Vulcão Negro... A Sala de Justiça, se existisse de verdade e pudesse combater o crime como na ficção, teria trabalho no Brasil para as 24 horas do dia.
A sensação que temos diante dos assaltos, sequestros, assassinatos, atos terroristas, redes de corrupção, etc., é que somente os velhos e bons super-heróis das histórias em quadrinhos teriam como dar jeito neste caos social. Qualquer um deles, por menos poderoso que fosse, serviria.
Pode até ser um chavão ingênuo e ultrapassado imaginar que realmente haja uma luta do Bem contra o Mal, de Deus contra o diabo. Mas se não há, com certeza existe uma confusão completa de valores entre um grande número de pessoas – aquelas que acreditam adquirir algum poder, passando por cima de tudo e de todos, conquistando o que querem através da força e do medo alheio.
Se não há o Mal, então como pode ser chamado alguém que planeja um atentado para matar milhares de inocentes? Como classificar um seqüestrador que mantém um refém em cativeiro em troca de dinheiro? Como entender quem usa a miséria do povo como trampolim para suas aspirações políticas? A impotência que nos invade diante da maldade e da injustiça vem da falta de sentido das escolhas feitas por muitos.
A infindável lista de super-heróis imortalizados nos gibis e nas telas de cinema e de TV carrega uma informação básica sobre os seres humanos: que sua evolução é desigual. Os super-heróis (enquanto seres que carregam projeções de características almejadas pelos homens) são essencialmente diferentes dos super-vilões e das muitas figuras de carne e osso que lhes servem de inspiração.
Em essência, há os que alcançaram um grau maior de evolução espiritual – e por isso entendem melhor que o Bem é a escolha mais inteligente, e aqueles que ainda engatinham espiritualmente – e por isso agem movidos apenas por um instinto bruto. Qualquer habitante do planeta neste novo milênio é autor ou vítima dos maiores problemas que afetam a todos, começando pelas ações do crime organizado, pela fome, pela miséria e pela devastação de nossos recursos naturais.
Ser autor e ser vítima pode dar na mesma em certos casos (como no desrespeito à natureza ou na responsabilidade por certos problemas sociais), mas em outros é uma questão de escolha. Escolhe-se viver corretamente, respeitando limites e, principalmente, o bem estar comum; assim como se escolhe o submundo da corrupção, da desonestidade, da ganância, da sede de poder e da crueldade. Estes dois lados são, de fato, antagônicos e quase não há como encontrar um meio termo entre eles. Ou se torce para Superman ou para Lex Luthor; para Batman ou para Curinga. Eles são arquétipos do que acreditamos e do que abominamos.
Quanto aos habitantes decentes deste Brasil, vítimas de corjas de vilões de todos os calibres, só mesmo pedindo à Sala de Justiça uma filial tupiniquim.