Um outro padrinho
Numa época marcada por valores mais próximos do egocentrismo do que da solidariedade, alguém aceitar o convite para ser padrinho ou madrinha de uma criança é sinal de otimismo e de esperança. Claro que estou falando daqueles que aceitam o convite sabendo exatamente as dimensões real e simbólica dos pais “reservas”. Utilizo aqui a palavra reserva no mesmo sentido daquele dado ao jogador de futebol que está no banco; não está jogando, mas está no jogo.
Se for feita uma pesquisa com pessoas acima dos 30 anos, batizados na Igreja Católica, para saber o que significam para elas os seus padrinhos, muito provavelmente uma maioria esmagadora dirá que nada ou quase nada. É que, noutras épocas, para a escolha dos chamados "segundos pais" normalmente se seguiam critérios sociopolíticos (procuravam-se vereadores, prefeitos ou outras pessoas de destaque na sociedade e pedia-se para que fossem padrinhos dos filhos) ou de parentesco (procurava-se aquele parente mais bem sucedido social ou financeiramente, mesmo que pouca aproximação se tivesse com ele). Como, pelos mais diversos motivos, não era de bom tom recusar, o tempo terminou se incumbindo de tornar verdadeiros estranhos inúmeros afilhados e padrinhos.
Apesar desse tipo de relação ter se transformado em uma instituição de pouca credibilidade, ainda hoje é motivo de honra e confiança receber um convite para ser padrinho ou madrinha de uma criança, mesmo para quem não tem mais qualquer relação com a religião católica ou outras que adotem este ritual. Tanto é que muitos pais têm procurado escolher pessoas do círculo íntimo de relações, incluindo aí familiares e amigos. E só mesmo alguém muito próximo para ajudar na difícil tarefa de educar, de conduzir um garoto ou uma garota do mundo infantil à árdua realidade adulta, na qual vão precisar ser fortes e íntegros para não sucumbirem diante de tantos obstáculos.
Incluo-me nesse grupo e me sinto honrado e orgulhoso dos convites que recebi para esta missão que considero Divina. Até o momento três deles se concretizaram e levam os nomes de Júlia (16 anos), Hanna (7 anos) e Enzo (6 anos). Mesmo estando longe dos três, esforço-me para ser (um) presente em suas vidas.
Se já é uma tarefa nobre poder ajudar na educação dos filhos dos amigos, o que dizer daqueles que se oferecem para apadrinhar desconhecidos? É um gesto tão altruísta que chega perto do que se pode chamar de amor universal. É querer o bem do outro por querer o bem da própria humanidade.
Felizmente há no mundo inteiro pessoas assim, que adotam crianças em orfanatos, que apadrinham alunos carentes na escola ou mesmo que dedicam tempo e conhecimento para ensinar o que sabem a quem não sabe. Na Itália, por exemplo, um professor universitário dá para seus alunos a cada ano letivo a tarefa (como trabalho acadêmico) de procurar analfabetos que queiram aprender a ler e a escrever. Eles devem, individualmente, “adotar” alguém com este perfil e acompanhá-lo durante todo o ano, alfabetizando-o em seus aspectos básicos.
É até compreensível que se tenha receio de uma adoção infantil integral, uma vez que ela envolve uma série de condições e responsabilidades que nem todos estão preparados para assumir. Talvez seja este um dos atos mais iluminados que o ser humano pode ter e que, realmente, requer uma decisão que tenha sido exaustivamente pensada e ponderada. No entanto, querer ser padrinho ou madrinha de crianças que precisam, de verdade, de segundos pais e mães é uma decisão muito mais simples e que requer tão-somente condições financeiras para tanto e uma ampla compreensão do que isso representa.