Farinha pouca, meu pirão primeiro
Quem nasceu em alguma cidade pequena deste país, principalmente em tempos que antecedem a década de 1990, sabe bem a importância que tinham os provérbios populares. Não sei exatamente porque eles estavam tão presentes na educação familiar, mas presumo que tenha algo a ver com o limitado grau de instrução dos adultos, que os levava a usar recursos bastante informais (mas não menos sábios) para educar as crianças.
Alguns desses ditados são bem pouco familiares para quem não é nordestino, o que me leva a crer que o regionalismo no Brasil também se reforça neste aspecto. Lembro-me bem de um deles, bastante usual pela mãe de um grande amigo ao se referir, por exemplo, a alguém que tivesse passado por algum duro golpe da vida. O provérbio era repetido após a notícia dada, sempre no intuito de resumir a situação: “além de queda, coice”.
O que dá título a esta crônica é um dos que eu mais gosto (e uso). Ele expressa bem a natureza egoísta do ser humano. Apesar de haver muitas pessoas que caminham na contramão desta visão de mundo egocêntrica, o que continua a prevalecer nas ações e aspirações das pessoas é a busca incessante por todo e qualquer benefício que se possa obter para si.
Nem mesmo dá para se apoiar no ditado “cada um por si e Deus por todos”, já que o tipo de egoísmo que vem sendo cultivado sequer pode ser atribuído ao amor próprio que leva um indivíduo a crescer profissionalmente, emocionalmente e espiritualmente. O mundo vem sendo construído e reconstruído com base na velha “Lei de Gerson” (a que, em meados da década de 70, reforçava numa propaganda de cigarro a máxima do “levar vantagem pessoal em tudo”).
Teria a Lei de Gerson reforçado a prática da corrupção no seio da sociedade, como um espelho do que já ocorria no universo da política e da administração pública? Em ambas as instâncias tudo gira em torno de muito poder, dinheiro e troca de influência. Triste é constatar que o novo milênio não só não deixou para trás estas práticas nefastas, como as enfatizou nas relações sociais, profissionais, familiares e afetivas. Aí também prevalece o eu em detrimento do outro.
Aceitar naturalmente o ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro” é ressaltar o egoísmo como filosofia de vida. Um dos resultados dele é a desconfiança irrestrita. Aquela que faz uma pessoa dizer que não confia na própria sombra.
No âmbito mundial os conflitos entre nações e mesmo o terrorismo são apenas algumas das conseqüências desse mesmo mal. Afinal, como confiar totalmente no outro sem medo de que ele seja um possível causador de sua ruína? Uma desconfiança como esta é como um vírus que infecta e detona alguém, levando-o até a sua derrocada.
O processo de se fechar numa concha às vezes é lento; as pessoas vão se retraindo e se escondendo até chegar ao estágio de se armarem à espera do primeiro ataque. Exemplo disso são os norte-americanos, que, depois do 11 de setembro de 2001, não se sentem mais seguros nem em sua própria casa.
“O egoísta, amando só a si, por ninguém é amado; é, pois, o egoísmo um suicídio moral”. Este já é um daqueles ditados mais sofisticados, quase frase filosófica. Perfeito para fechar este texto.