Sinceramente

Em meio à imensa crise ética que há décadas toma de assalto o cenário político brasileiro, o que devem responder os eleitores aos candidatos que os procuram para pedir voto? Taí uma cena que adoraria ter visto interpretada por Luís Fernando Guimarães naquele programa “O Super Sincero”, que demorou pouco como quadro do Fantástico.

Esse ótimo ator deu vida a Salgado Franco, um sujeito que paga o preço do isolamento por não ter papas na língua. Sua sinceridade é tanta que não sobra espaço para qualquer manifestação de diplomacia e polidez.

Por ser uma obra cômica e de ficção, “O Super Sincero” praticamente não tem paralelo no mundo real. Dificilmente alguém com o perfil de Salgado Franco sobreviveria em qualquer tipo de sociedade. Seja por diplomacia, seja por hipocrisia, o certo é que pensar antes de falar continua sendo uma prerrogativa para quem não deseja mergulhar numa situação vexatória e incorrigível.

Afinal, nem todos conseguem ter um raciocínio tão rápido a ponto de consertar, a tempo, uma gafe oriunda do excesso de sinceridade. Somente um cidadão lá da minha terra natal que, em visita à casa de um compadre, não resistiu ao seguinte comentário sobre um quadro que viu na parede da sala: “que coisa mais feia é essa!!!” Mal terminou de falar, o seu compadre respondeu: “é o retrato da minha mãe”. Sem perder um segundo sequer, o indivíduo emendou: “pois é, uma senhora tão distinta merecia estar num quadro com moldura mais altiva”.

Normalmente adepto da temperança – como já sugeriam os grandes filósofos da Antiguidade, eu sou a favor da sinceridade e da diplomacia ao mesmo tempo. Defendo que devemos perseguir a verdade em todos os aspectos de nossas vidas, por mais que este pareça ser um ato demasiadamente heróico para um ser tão distante da perfeição.

Vale ressaltar, no entanto, que me refiro às verdades espirituais; aquelas que antecedem os valores morais e éticos que servem de norte para quaisquer sociedades. Tais convicções, por mais que residam no campo da teoria, terminam encontrando formas de se concretizar em palavras e atitudes. Aí reside a prática da sinceridade.

Externar nossos pensamentos e julgamentos – nem sempre livres das mais diversas contaminações – pode até ter um quê de sinceridade, mas quase sempre culmina em grosserias e inimizades. Ninguém precisa sair dizendo o que pensa das pessoas, até porque os supostos defeitos que possam ser apontados nelas talvez nem mesmo sejam defeitos; ou talvez os defeitos do sincero sejam iguais ou até piores.

Claro que em certas ocasiões, como aquela sugerida no início deste texto, vale a pena exercer a prerrogativa da sinceridade. Um político suspeito ou apontado como protagonista de escândalos de corrupção merece encontrar um eleitor nos moldes de Salgado Franco: franco o bastante para deixar claro o seu repúdio e salgado em excesso na hora do voto.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 02/06/2008
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