Viver devagar
É muito alentador saber que existem pessoas no mundo buscando saídas para os problemas que a própria humanidade criou nas últimas décadas. Enquanto grande parte dos habitantes do planeta parece abraçar cada vez mais os vícios oriundos da modernidade veloz, a exemplo das refeições rápidas, outros tentam resgatar costumes já esquecidos.
O primeiro sinal das mudanças surgiu há alguns anos com um movimento mundial chamado "slowfood" (comida lenta), numa contraposição ao “fast-food”, em que se busca comer o mais rapidamente possível, seja em casa ou na rua. No rastro do “time is money” (tempo é dinheiro), tão preconizado pela cultura norte-americana na segunda metade do século 20, há quem faça suas principais refeições do dia em pé em trailers, andando pelas ruas, no escritório, assistindo à TV, usando o computador ou jogando videogame.
Os adeptos do “slowfood”, ao contrário, propõem às pessoas que elas consigam um tempo razoável não apenas para as refeições saudáveis, degustadas à mesa, mas que isto aconteça, sempre que possível, ao lado da família, de amigos ou mesmo de colegas de trabalho. Pode parecer impossível para muitos, mas se no passado nossos pais e avós conseguiram, o problema está na opção de vida que fizemos.
Esse comer devagar tem dado tão certo que já surgiu um outro movimento com proposta ainda mais ousada e abragente. Trata-se do "cittaslow" (cidade lenta), que envolve uma rede internacional de cidades oficialmente comprometidas com o aprimoramento da qualidade de vida de seus cidadãos através da valorização de sua cultura, do seu ambiente e, em especial, da sua gastronomia.
Existem algumas regras a serem seguidas para que uma cidade ganhe o título de “slow”. A primeira delas é não ter mais de 50 mil habitantes e dever cumprir vários pré-requisitos,¬ a exemplo de manter políticas ambientais para preservar e desenvolver as características da região; encorajar a produção e o consumo de alimentos a partir de técnicas naturais, enfocando principalmente os produtos típicos regionais; proteger as produções baseadas na cultura e na tradição, que contribuam para a identificação da região; promover a qualidade da hospitalidade como elo entre o visitante e a comunidade local; e promover a conscientização de todos os cidadãos de que eles vivem numa "cittaslow", especialmente as crianças e os jovens.
Em várias cidades da Europa, principalmente na Itália, esse movimento ganha força e se torna um diferencial turístico. Torço para que esta idéia também pegue no Brasil. Já que temos o costume de copiar tudo o que vem de fora, que sejamos inteligentes em copiar este bom exemplo.
Nosso país, em menos de um século, deu uma guinada violenta em termos de migração. Se na década de 1920 cerca de 80% da população viviam no campo e nas pequenas cidades, os dados deste início de milênio mostram que houve uma inversão nos mesmos patamares. Nas capitais e nas grandes e médias cidades há um inchaço insuportável de pessoas, construções e automóveis. Do caos criado a partir disso surge a maior parte da miséria e da violência que a mídia registra todos os dias.
Quiçá um dia, com uma ampla política de valorização do homem do campo e das pequenas cidades, seja possível muitas pessoas voltarem a suas regiões de origem para construir uma vida mais digna, mais tranqüila, com valores mais nobres.