“Butecoterapia”

Segundo o psicanalista Adam Phillips, “a ex­periência de falar e ser ouvido é muito poderosa e tem definitivamente efeito benéfico”. Considerado um dos profissionais mais influentes da Inglaterra e res­ponsável pela segunda tradução do alemão para o inglês da obra de Freud, ele já chegou a declarar – para desespero de boa parte de seus colegas – que “num mundo ideal ninguém pre­cisaria de analista; o diálogo com os amigos daria conta do recado”.

Para não causar desespero aos psicanalistas dos quatro cantos do mundo, Phillips completa seu raciocínio, dizendo que o problema do diálogo com os amigos é que normalmente as pessoas não têm a coragem de contar cer­tas coisas a eles. Sua fala, na verdade, é parte da defesa de uma proposta de tirar o “pai da psica­nálise” do domínio restrito dos profissionais e iniciados da área.

Certa vez numa entrevista Adam Phillips chegou a dizer que ninguém deveria escolher a pro­fissão de psicanalista para enri­quecer, e que os preços das ses­sões deveriam ser baixos e o ser­viço, acessível. “Deve-se des­confiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser me­dida pelo padrão consumista, do tipo ‘se um produto é caro, então é bom’. Todos precisam de um espaço para falar e re­fletir sobre sua vida”, ressaltou.

Concordando com suas colocações, posso afirmar – pelo menos com base em minha própria experiência – que uma boa conversa com amigos numa mesa de bar tem forte poder terapêutico. Não que a mesa de bar seja uma prerrogativa para esse tipo de conversa, mas se o ambiente for saudável, assim como o consumo de bebida alcoólica, a ambientação informal e impessoal pode ajudar bastante no “jogo” do falar e do ouvir.

Sinto-me privilegiado de fazer parte de um círculo de amizade cujos membros (a maioria, hoje, morando distante) tinham uma grande empatia em se ajudar, falando e ouvindo. Tenho plena convicção de que as centenas de horas gastas em bares (muitos deles butecos muito simples), durante o final da minha adolescência e início da vida adulta, foram fundamentais para uma certa faxina mental cotidiana e para a sanidade psicológica e espiritual que acredito ter hoje. Amigos próximos já me disseram o mesmo sobre o que este tipo de terapia informal provocou/provoca em suas vidas.

Vale lembrar que na adoles­cência, em Salvador, eu e esse grupo de amigos tínhamos pouco espaço em nossas casas para as longas e li­vres conversas que achávamos tão necessárias nesta fase. Então, marcávamos presença nos nossos bares preferidos e ficá­vamos horas e horas conversando. Os temas eram os mais diversos, mas tínhamos uma pre­ferência em falar de nos­sas vidas, dos nossos problemas, dos projetos para o futuro.

Nessas circunstâncias as cervejas, as caipi­rinhas e os tira-gostos nada mais eram do que parte do cenário que compõe qualquer buteco, assim como os garçons que se tornam quase cúmplices daqueles momentos ou os desconhecidos nas mesas ao redor, dos quais nunca consegui­mos decifrar os segredos.

Claro que a psicanálise não é tão simples como uma conversa de bar. No entanto, não dá para negar que esta pode ser bastante terapêutica, principalmente quando vivencia­da com propósito, com a verda­de de quem deseja se abrir para falar também das angústias, dos recalques, dos fantasmas do passado.

Não quero aqui desconsiderar a necessidade das terapias convencionais (que podem ser cruciais para muitos!) ou mesmo lançar alguma espécie de “butecoterapia”. Lembro apenas da força que tem uma boa conversa, construída a partir dos espíritos desarmados e da vontade de falar e ouvir com o coração.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 24/05/2008
Código do texto: T1003719