“Miguxês” não é língua
Para quem nunca se aventurou no território virtual do Orkut, o título desta crônica soará, no mínimo, estranho. “Miguxês” é o nome que se deu para o tipo de comunicação escrita dos adolescentes via Internet – mais especificamente nos “scraps” (recados) que circulam no site de relacionamentos mais frequentado do Brasil. O “miguxa” (ou “miguxo”) foi escolhido para designar essa grafia esquisita da língua portuguesa por ser uma das formas mais triviais de tratamento entre os internautas teens.
Minhas sobrinhas e minha afilhada, que são “orkuteiras” assumidas, também foram fisgadas pelo “miguxês” ("internetês para alguns), mesmo sendo leitoras conscientes e tendo fortes inclinações para escrever bem. Claro que acho mais importante ter com elas um canal aberto de comunicação – aceitando o atentado à gramática que promovem – do que recriminá-las pela adesão a este modismo. No entanto, quando tenho oportunidade eu faço questão de chamar a atenção delas para os aspectos negativos desta escolha. Afinal, chega a ser sem sentido a substituição do “não” pelo “naum”; do “beijo” pelo “bju”, do “quero” pelo “keru”, etc.
A comunicação é realmente o sentido maior de qualquer tipo de linguagem – incluindo aí as gírias e as subversões das línguas formais. O que não significa optar por uma linguagem em detrimento de outras. Bom comunicador é aquele que se propõe a sempre ampliar seu repertório de signos, sabendo usá-lo nas mais diversas circunstâncias e com os mais variados tipos de interlocutores. Não é porque se entende (e se aceita) uma pessoa de pouco estudo quando ela diz “nóis vai” ou “prumode” que se vai repetir em casa e na escola o mesmo.
Isso também vale para aquele adolescente que resume seu vocabulário a meia dúzia de gírias (“tipo assim”, “muito bruto”, “nó, véi”...) e acha que pode se comunicar assim com todas as pessoas. As gírias estão presentes nas mais diferentes gerações e mudam de acordo com a época (um dia “gata” já foi “broto”, “gato” foi “pão” e por aí vai). Elas são saudáveis e aproximam os jovens. O que não dá para aguentar é que seus usuários não saibam falar e escrever corretamente a própria língua.
Num daqueles textos sem autoria (infelizmente, neste caso!) que circulam pela internet, este assunto é tratado de forma séria, mas com muito bom humor. Com o título “A Nova Ortografia”, seu autor propõe um programa de cinco anos para resolver o problema da falta de autoconfiança do brasileiro na sua capacidade gramatical e ortográfica. “Em vez de melhorar o ensino, vamos facilitar as coisas; afinal, o português é difícil demais mesmo”, satiriza.
Na sua proposta a cada ano aconteceria uma nova mudança, chegando ao ponto, inclusive, de extinguir qualquer acentuação e pontuação. Didático, o autor vai explicando as mudanças já fazendo uso delas. O fechamento do texto é um parágrafo escrito exatamente assim (por favor, prezado leitor, faça um esforço e vá até o fim): “naum vai te mais problema ningem vai te mais eça barera pra çua açençaum çoçiau e çegurança pçikolojika todu mundu vai iskreve sempri çertu i çi intende muitu melio i di forma mais façiu e finaumenti todu mundu no Braziu vai çabe iskreve direitu ate us jornalista us publiçitario us blogeru us adivogado us iskrito i ate us pulitiko i u prezidenti olia ço ki maravilia”.
Se vocês, pais e professores, acharam incompreensível, saibam que este é o rumo que seus filhos e alunos estão dando para a língua portuguesa. Se vocês também não entenderam, caros internautas adeptos do “miguxês”, lembrem-se de que a falta de comunicação distancia as pessoas. Pior até: a pobreza de linguagem fecha portas.