Amor e perdão
“Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou”. Nesta frase, atribuída a Jesus durante o apedrejamento imposto a Maria Madalena, sob a acusação de ser prostituta, temos a visão de um sábio diante de uma atitude típica dos arrogantes e dos ignorantes. Também foi de Jesus o “amai-vos uns aos outros” – outra de suas frases que atravessaram os séculos e se tornaram máximas do Cristianismo.
Nesta última está o que se pode chamar de pilar ideal para qualquer sociedade que busque chegar a algum estágio harmonioso de convivência. Como desde o alvorecer da humanidade não foi possível ver isso na prática, o amar continua sendo um gesto isolado, muitas vezes marcado pelo egocentrismo e até por atos de plena loucura em seu nome.
A frase inicial, por sua vez, é uma lembrança ao ser humano de que ele deve julgar a si mesmo antes de pretender fazer o mesmo com o outro. É também uma pausa para que avaliemos nossos defeitos, mergulhando a fundo neles com a sincera intenção de superá-los. O problema é que muitos aproveitam desse recurso usado por Jesus para proteger Maria Madalena da fúria popular como uma espécie de álibe para justificar quaisquer erros e, mais até, para continuarem insistindo neles.
Se a justiça divina é sempre invocada para aplacar a dor de pessoas que não conseguem superar os traumas que as colocaram na condição de vítimas, o que se espera da justiça humana é que ela consiga tornar possível a solução de conflitos extremos. Quando a instituição Justiça não consegue isso as peças enfileiradas do dominó da insegurança caem em seqüência, anunciando o caos.
Quem se recorda do assassinato da atriz Daniela Perez, ocorrido em 28 de dezembro de 1992, sabe que os assassinos confessos – o ex-ator Guilherme de Pádua e sua ex-esposa Paula Thomaz – não passaram mais do que seis anos na prisão. Uma pena considerada branda diante do crime hediondo e da expectativa de justiça de sua família e da sociedade, em geral. Ainda mais grave: o assassino conseguiu na Justiça o perdão para o seu crime, ou seja, ele vive agora com a “ficha limpa” na Polícia, como se nunca tivesse praticado um crime.
A mãe da atriz assassinada – a escritora Glória Perez – declarou publicamente que Guilherme de Pádua era um psicopata e que jamais o perdoaria. Pádua chegou a dizer que iria processá-la por tal acusação. Não é à toa que a perfeição é uma meta impossível para o ser humano. Como julgar uma pessoa que vivenciou uma dor tão profunda como Glória Perez e sugerir que ela ame e perdoe o assassino de sua filha? Como pedir para que ela não atire a primeira e todas as pedras que tiver quando viu a Justiça premiar com o perdão absoluto quem tirou a vida daquela a quem deu à luz?
Os lobos em pele de cordeiros, como Guilherme de Pádua, são as maiores feridas aos que imaginam ser possível se viver bem. Eles são termômetros para se medir até que ponto a bondade humana pode ir, até onde a palavra justiça pode ser sinônimo de limpeza moral, de paz. Pessoas como aqueles jovens de classe alta, em Brasília, que atearam fogo no índio Galdino, ou como o médico Rodrigo Villaça – assumidamente adepto da pedofilia e do abuso de crianças, desafiam os que defendem incondicionalmente os conceitos de amor e perdão.
O maior desafio da humanidade não é inventar o inimaginável em termos de tecnologias científicas. Foi, é e sempre será a contínua necessidade de lapidar o espírito. Acertou em cheio o filósofo Thomas Hobbes quando disse que a sociedade nunca terá harmonia porque o “homem é o lobo do homem”. Jesus conseguiu amar e perdoar em último grau porque estava a anos-luz da condição humana e da sua pequenez característica.