No litoral norte da ilha das Flores, há uma aldeia por onde nunca circulou um veículo motorizado e que se mantém fiel ao traço da arquitetura rural da ilha. São quinze casas de pedra nua reabilitadas num cenário único de montanha e mar. Visita à unidade de turismo rural Aldeia da Cuada. Não é exagero algum: a aldeia da Cuada fica numa das zonas mais remotas da Europa, no meio do Atlântico, a meia caminho das Américas. Na ilha das Flores, uma das nove ínsulas do arquipélago dos Açores, a cerca de trezentas milhas marítimas de São Miguel, o pedaço de terra habitado mais ocidental do continente europeu. A aldeia está situada no litoral norte das Flores, entre as povoações da Fajã Grande e da Fajãzinha, e conheceu o abandono e a decadência originados pela emigração nos anos 60 do século passado, essencialmente com destino ao continente americano. A partir dos anos 70, a Cuada estava praticamente despovoada, o casario rodeado de silvas e com a garantia de um destino incerto. Mas vinte anos depois, na última década do século, apareceu um visitante interessado em adquirir uma casa para recuperar para servir de residência de férias. Carlos Silva, um florentino, estava decidido: e se bem o pensou melhor o fez. Uns anos depois, embalado pelo sossego do lugar e pela atmosfera singular da aldeia, já andava pela dezena o número de casas que foi adquirindo, a maioria em declarada ruína. A léguas do turismo de massas, o viajante pode ali colher a flor de uma aprazível solidão e deixar-se imergir nos imponderáveis caprichos dos elementos: o vento, a chuva, as névoas que abraçam as lagoas, ou o sol que irrompe ternas carícias em súbitas manhãs primaveris. Quem ali vai parar sabe ao que vai e o que busca. Uma intimidade sem par com a natureza, com o vento, as neblinas, os bramidos dos cagarros durante a noite, os coelhos a rondarem os prados à volta das casas. Nas ruelas estreitas, cobertas por grandes lajes, caminha-se sem outra música que a do vento, e assim se adormece. Por vezes umas bátegas fortes, a assobiada das ventanias, e logo, umas horas depois ou no dia seguinte, a surpresa de uma manhã luminosa, mesmo que breve, porque nos Açores as quatro estações desfilam no mesmo dia ao sabor do acaso, como por lá se diz. A aldeia, sobranceira ao mar, é vizinha de um aparatoso cenário de falésias e está ligada ao litoral, nomeadamente à Fajã Grande e à Fajãzinha, por trilhos pedestres que eram, antigamente, calcorreados pelos antigos habitantes e que se mantêm transitáveis. A costa norte das Flores oferece várias alternativas para caminhadas. O percurso de quase uma dezena de quilómetros entre a Fajã Grande e o Farol de Albernaz, perto da povoação de Ponta Delgada, ao longo de um trilho debruçado sobre impressionantes falésias, é a menina dos olhos das caminhadas açorianas. Ao longo do caminho, avista-se sempre o ilhéu de Monchique, o pedaço de terra mais ocidental da Europa. A localização, o envolvimento natural da aldeia e o (relativo) isolamento são, sem sombra de dúvida, na sua feliz junção, os grandes méritos da Cuada. Não haverá hoje na Europa, em abono da verdade, muitos lugares onde se possa experimentar a sensação real de se estar tão radicalmente afastado da crescente agitação do mundo moderno.