RELAÇÕES DE VIZINHANÇA

As relações de vizinhança são mediadas ao longo da história humana por um conjunto de princípios éticos, jurídicos e normativos que implicam no convívio social sobre bases culturais, que se modificam e se transformam no processo das sociedades humanas. Estas relações dizem respeito aos indivíduos e comunidades, cidades e campo, estados e nações.

No tocante as relações de vizinhança comunitária, faz-se oportuno reflexionar o quanto as comunidades humanas, em sua natureza local, no que concerne ao ambiente, território, cidade, bairro, rua ou condomínio sofreram as influências, para o bem e para o mal, da “natureza global”, os impactos culturais, éticos e morais que o sistema de “aldeia global”, virtualmente gerado no útero da revolução tecnológica trouxe para dentro dos lares, modificando o comportamento e os valores da família e das relações entre vizinhos e comunidades.

 

É relevante acentuar que o processo de urbanização desenfreada e acelerada ao longo das ultimas décadas obliterou um modelo de relação de vizinhança que era mais compartilhado, mais marcado pelo afeto e pela gentileza, considerando a profundidade epistemológica dessas duas palavras.

Sem querer ser saudosista, é relevante pontuar, que num tempo não muito longínquo os vizinhos se afetavam mais, havia mais camaradagem e mais amizade. Era saudável sentar nas calçadas, nos alpendres, nas varandas para prosear. Era um modelo de vizinhança em que as famílias se encontravam, os compadres e comadres partilhavam seus valores e sonhos, seus cotidianos e sentidos.

 

Nas cidades e no campo, sob o som de uma viola, de uma sanfona ou mesmo de uma “vitrola” (é o novo!) a vizinhança se aconchegava uns nos outros. Havia mais solidariedade, troca, mais confiança e sinceridade. Era um tempo em que os vizinhos e famílias tinham tempo para se aconchegarem mais uns nos outros... E não se encontrarem apenas nas ocasiões indesejáveis como os velórios e doenças de um ente querido.

E hoje? O que dizer das relações de vizinhança? Faltam horizontalidade e princípio de comunidade entre os vizinhos. Nos prédios e apartamentos existe proximidade, mas não existe vizinhança. As pessoas, via de regra, se cumprimentam e se comprimem no elevador. No salão de festas nem sempre festejam entre vizinhos.

 

Não existe também relação de vizinhança nas áreas nobres das cidades, muito menos sentido de comunidade, guardadas as devidas proporções. Nas comunidades populares, ainda existe espírito de vizinhança, modos e modelos comunitários que superam a força do individualismo avassalador. Mas são pequenos sinais, grupos, famílias... As comunidades de bases religiosas mais tradicionais conservam os valores comunitários; já as comunidades religiosas mais carismáticas no sentido do louvor e não da essência, que se colocam mais na perspectiva da cura, dos milagres e dos dízimos, elas estabelecem um tipo de relação que consegue juntar multidões em torno de um show, de um padre ou artista religioso (católico ou evangélico) emergente, mas não consegue constituir-se por valores comunitários que perpassem a prática do “eu e Deus”. Predomina um conceito equivocado e fundamentalista da salvação individual impregnada de ideias e formulas que encaminham para a cultura do individualismo.

 

Trazendo esta reflexão para o plano pessoal, guardo com muito carinho esse sentimento do princípio e valor das relações de vizinhança. Sempre acreditei que a vizinhança é uma extensão do cuidado e da amizade em família. Amorosidade! Esta pode ser a palavra que mais se aproxima da conexão que acredito deveria haver entre vizinhos. O cuidado e o zelo para com a família remetem para o cuidado e o zelo para com as relações entre vizinhos. Infelizmente, não é o que se observa. Perdeu-se muito desses valores! Há um faz de conta que se é vizinho, que se é amigo, que se quer e se deseja o bem do outro... Infelizmente!

 

Diante de uma realidade de falsas relações, de muita hipocrisia, onde cada vez mais as pessoas se fecham em si mesmas e até as famílias perderam os elos e vínculos que afetam mais, trago o desafio, nesta reflexão, do quanto é importante as pessoas que moram numa rua, num quarteirão, ou mesmo em um condomínio pararem e pensarem: QUE TIPO DE RELAÇÃO DE VIZINHANÇA É ESTA MESMO QUE ESTAMOS CONSTRUINDO? COM QUE AFETO E COM QUE AMOROSIDADE ESTAMOS PAUTANDO O NOSSO ENCONTRO COM O OUTRO? MOVIDOS PELA INSEGURANÇA ESTAMOS PERTO, DISTANTES? COMO SUPERAR O NOSSO INDIVIDUALISMO E O NOSSO EGOISMO PARA IRMOS AO ENCONTRO DA BOA VIZINHANÇA? QUE VÍNCULOS COMUNITÁRIOS NOS CERCAM E NOS APROXIMAM? COMO NÃO SER UMA FAMÍLIA ILHADA ENTRE NÃO VIZINHOS? QUAL A DIFERENÇA ENTRE SER VIZINHO E SER PORCOS ESPINHOS? COMO NÃO PERDER O ELO ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE, DE MODO QUE A AMIZADE E A SOLIDARIEDADE CONSTITUAM AS RELAÇÕES DE VIZINHANÇA?

 

Para concluir, trago a lembrança do Poeta, Escritor e Jornalista Jáder de Carvalho, que dizia: “Se o homem é bom, morro por ele”. E o parafraseio em parte: Se o vizinho é bom, sou capaz de ver nele uma extensão da minha família, no sentido comunitário. Mas se no seu comportamento individualista e arrogante, ignorante e intolerante achar de me humilhar... Só me dá subsídios para não ser igual a ele, não menosprezar o valor que tem uma comunidade organizada e uma vizinhança que se respeita e se admira. O mau vizinho não me afasta das convicções que forjei como educador popular e como pessoa simples, que sempre busca valorizar o ser humano, independente da sua condição ou status político e social. Afasto-me do mau vizinho, por considerar que as energias negativas fazem adoecer, mas não me afasto dos valores que acredito serem perenes.