Ah, o Amor! II
Não, na verdade não é bem um artigo. Não sei escrever artigos, e o tempo que eu gastaria pesquisando a respeito eu não tenho. Assim sendo, isso que vai se construindo pode formar qualquer coisa, inclusive algo que não se encaixe em padrão nenhum. Não me importa. Importa-me que eu assistia mais cedo a uma entrevista do Pedro Cardoso ao Bob Fernandes em que ele dizia que chorava todos os dias ao pensar sobre a situação do país. Eu não choro todos os dias porque aprendi que não posso dar tanta vazão às emoções - é sempre difícil para mim o retorno, depois. Mas, invariavelmente, meus olhos se enchem de água e uma angústia me envolve, sem que eu possa evitar.
Como chegamos aqui? Recordo-me de alguns episódios do programa de rádio "O É da Coisa" em que o jornalista Reinaldo Azevedo dizia não ser correto chamarmos o governo atual de "fascista". Ele optou, à época, pelo termo "fascistoide". De algum tempo para cá, porém, ele mudou a sua percepção, e já fala das tentativas de avanço da "extrema direita" no mundo, sobre os perigos que seus adeptos representam, e, claro, como foram se articulando e adentrando países como o nosso!
É óbvio que muitos desses adeptos sabem exatamente o que querem, assumem abertamente o caráter higienista do propósito. Já outros, e esta é a motivação principal desse texto, jamais assumirão quem são, possivelmente porque não têm essa clareza. Como algo que se joga para o porão, talvez. Mas revoltam-se quando têm seus movimentos comparados ao de manadas, quando chamados de manipuláveis, afirmando que sabem exatamente o que defendem. O que defendem? Algo que definem como liberdade. Liberdade de expressão. De serem preconceituosos, aporofóbicos, xenófobos, misóginos, homofóbicos, terraplanistas, e até de querer impor a fé cristã a uma nação composta também por outras crenças, assim como por ateus e agnósticos. Porque, principalmente, "está na Bíblia". Ainda que a Bíblia contradiga, em essência, o que seu mestre maior, aquele enviado pelo Criador, ensinou.
A interpretação corre solta. E é assim que corremos o risco de retorno à Idade Média. Ou talvez, até, a tempos anteriores, porque essas pessoas acreditam deter a "verdade", a definitiva "revelação".
Os primeiros, aqueles claramente defensores de coisas como a supremacia branca, e promotores da desvalorização do trabalhador, eles não me arrancam lágrimas, só piedade. Essas outras gentes, porém, que se propagam "amantes do Cristo", enquanto o crucificam novamente dia após dia, quando defendem que se invada as comunidades e se atire para matar, quando fazem que acreditam que a liberação de venda de armas tem o objetivo de dar à população o "direito de defesa", quando mentem ou repassam mentiras, quando ameaçam, defendem tortura, golpe, perseguição a religiões que diferem das suas... esses me revelam o meu país. Não é tanto a ignorância que me desestabiliza. É a autoenganação. Mais que isso; a insensibilidade de passarem por cima de tantas dores para defenderem o indefensável. Negam o sofrimento dos povos originários; inventam, resgatam ou compram teorias esdrúxulas sobre Comunismo e planos de dominação mundial; deturpam questões sobre aborto e sexualidade; arvoram-se "soldados do bem" enquanto enquadram seus iguais como inferiores ou "do mal". Como assim? Como assim os falsos profetas estão sempre do lado oposto, do lado que os confronta, quando sequer chamam para si essa ordem?!
Não sei aonde iremos com esses caminhos. Algumas vezes, consigo me estabilizar no "deixa estar" que a vida ensina, educa, "conserta"... Mas acontece que não é tão simples. Somos todos parte desse espaço, nesse tempo, por essa escola, e o preço que muitos poderão pagar devido ao autoengano de parte da população não é pouco e não é justo.