Redes Sociais e a inversão de valores
Hoje uma amiga enviou-me um link de vídeo do YOUTUBE para eu assistir. Era um vídeo de três importantes pesquisadores acadêmicos falando da importância do bioma de restinga. Assisti-o, e percebi que aquele vídeo tinha 5 meses na plataforma; eu fui a décima-sexta pessoa a assisti-lo e o terceiro a dar-lhe um “like”.
Isso me fez pensar mais uma vez naquilo que as pessoas dão valor na sua vida particular e o que elas valorizam nas redes sociais.
Eu também tenho um canal no YOUTUBE. Há mais de dois anos não posto conteúdo nele; sei que deveria fazê-lo com mais frequência. Os conteúdos dos meus vídeos versam sobre educação patrimonial, aulas de História, sobre o patrimônio cultural da minha cidade, Cabo Frio, e sobre História das Religiões.
Eu, como muitos, gosto de postar conteúdos de qualidade e valor educativo nas minhas redes sociais. Mas há anos percebi que as pessoas, de modo geral, não se interessam por esse tipo de conteúdo, elas até assistem ao vídeo quando a pessoa responsável pelo mesmo é famosa, uma celebridade, mas o que as motiva a vê-los é o estrelato de quem postou, não o teor dos vídeos em si.
Só para exemplificar: um grande amigo, com o qual tenho vídeos em parceria no YOUTUBE, sempre produzira vídeos educacionais de altíssima qualidade, especialmente sobre racismo e análise da religião evangélica - nunca teve sucesso com esses – até que um dia resolveu comentar músicas do gênero rap; por conta disso ele, que não tinha 50 seguidores no tempo de conteúdos educativos, hoje tem mais de 100 mil conquistados reagindo a raps, e o seu canal cresce vertiginosamente a cada dia.
Ao ver os principais líderes das redes sociais em números de “likes” e de seguidores, fico perplexo. Filipe Neto nessa semana junto com Jair Bolsonaro entraram na lista da badalada Revista Time, ambos entre os 100 maiores influenciadores do mundo. E ele, Felipe, é o maior Youtuber do mundo, com 39,1 milhões de inscritos em seu canal, com mais de 10,2 bilhões de visualizações de seus vídeos.
Nada contra o Felipe Neto, tampouco a seu grande sucesso, mas o conteúdo que ele produz está muito longe de ser de extrema importância e de grande relevância para o mesmo chegar aonde chegou. Na verdade, ele pouco tem a ver com isso, o problema não está nele, muito menos no teor daquilo que produz, mas nas pessoas que pouco se interessam com aquilo que de fato tenha relevo social, espiritual, político e educacional.
Nas redes sociais parece que a lógica é: quanto pior, melhor; quanto menos relevância social, mais “likes”, mais frenesi, mais exaltação, mais histeria e seguidores.
E quanto mais importante for o conteúdo, mais crítico e capaz de suscitar grandes debates e fomentar o pensamento autônomo dos que assistem, menos esses vídeos serão assistidos, menos “gostei” possuirão e menos alcance terão.
No Brasil, talvez no mundo, a lógica é da inversão de valores. Aqui, o principal escritor e com maior vendagem de livros, Paulo Coelho, escreve sobre misticismo; outro famoso, Augusto Cury, escreve livros de autoajuda extremamente repetitivos.
Na música, há anos assistimos à exaltação do que há de pior, em termos de letra, com apelo à pornografia no ritmo, na melodia e no conteúdo. Esses são os líderes absolutos de visualização nas redes sociais. Parece que esquecemos que criamos a bossa nova, a MPB, o samba e legamos inúmeros grandes artistas e grandes intérpretes ao mundo.
Na área religiosa, os principais pastores e padres da mídia e dos canais de YOUTUBE são os mercenários da fé, pessoas de caráter duvidoso e prática inescrupulosa no trato com o dinheiro de seus seguidores. Silas Malafaia, Edir Macedo, Valdemiro Santiago e o padre Robinson são expoentes dessa tendência, esse último desviando quase 1 bilhão de reais dos fiéis católicos. Os muitos pastores e padres sérios não têm vez. Não têm público. Não possuem tantos seguidores ou “likes”.
Essa é a nossa triste realidade como sociedade. Valorizamos o que é vil e desonroso e desvalorizamos o que é virtuoso e empresta significado à existência humana.