Livre-Arbítrio: uma falácia religiosa e filosófica

Ontem ao comparecer a UPA por conta de dores intensas na coluna a atendente que a princípio não conheci, talvez por conta da máscara que usava, me disse: “esse aí é um homem polêmico, a pessoa mais polêmica que já conheci, seus posts suscitam grandes debates”. Me vejo como um ser crítico e racional, nem tanto como polêmico.

Lembrei desse episódio porque creio que muitos irão achar esse texto polêmico, mas ele só é crítico e espero que esteja bem embasado racionalmente. Sempre quis escrever sobre o tema acima, mas meu amigo Moisés ao me marcar agora na sua postagem por demais filosófica, me senti compungido a escrever.

Desde meus 14 anos de idade travo uma briga intensa com dois temas antagônicos e muito caro aos filósofos, teólogos e a história da igreja: o “livre-arbítrio” e a “predestinação”. Isso porque, com essa idade me tornei protestante presbiteriano, religião calvinista e defensora da predestinação incondicional. Quem defende a predestinação seja ela paulina ou calvinista necessariamente será contra o livre-arbítrio e quem defende a liberdade de escolha humana será contrário a doutrina da predestinação.

Filosoficamente e teologicamente chamamos essa contradição de “antinomia” contradição entre duas proposições filosóficas igualmente críveis, lógicas ou coerentes, mas que chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites cognitivos ou as contradições inerentes ao intelecto humano.

Todavia, no meu ponto de vista nenhuma das duas doutrinas e teorias são críveis, verdadeiras e factuais, mas nesse texto eu só irei examinar o livre arbítrio, pois a predestinação é uma questão meramente de fé em um deus que predestinou os seres humanos antes da fundação do mundo a salvação eterna e/ou a perdição eterna, por depender da crença pessoal e ser meramente religiosa, vou tratar da liberdade de escolha humana, que é encarada por filósofos, juristas e pelo senso comum (não somente teologicamente) defensável e verossímil.

Mas o que é livre-arbítrio? O que se entende por liberdade de escolha humana? Livre-arbítrio ou livre-alvedrio são expressões que denotam a vontade livre de escolha, as decisões livres. O livre-arbítrio é a capacidade de escolha autônoma realizada pela vontade humana. Muito teólogos e filósofos a definem como “liberdade total de escolhas”.

Bem, numa primeira impressão, parece muito factual a todos que de fato os homens possuem livre-arbítrio, quem são livres para escolherem o que bem entenderem e, obviamente, são responsáveis por suas escolhas.

Mas quando nós olhamos para a história humana, para as condições sociológicas de bilhões de seres humanos, para as nossas determinações biológicas que trabalham além da nossa vontade e escolhas, como ir ao banheiro, sentir fome, prazer sexual, sono e etc.; que são meramente instintivo, percebemos que existem decisões que vão muito além da nossa vontade e querer, muitas vezes contra elas.

Segundo Hume, a ação está condicionada por causas naturais, de tal modo que a vontade instiga o agente a praticar uma ação com base na sensação de prazer e de dor.

Por isso, eu defendo que ter algumas vontades e volições livres é totalmente diferente da crença no livre-arbítrio, que é essa suposta liberdade total de escolhas humanas. Nós seres humanos, apesar das nossas condicionantes biológicas, como bem disse David Hume, temos sim, vontade livre em relação a muitas coisas. Mas isso é muito diferente da crença do livre-arbítrio. Vou exemplificar: os escravos tinham a vontade livre, desejavam muitas coisas, especialmente sua liberdade, muitos viveram para alcança-la, mas eles não eram livres, não tinham liberdade de escolhas mesmo possuindo vontade própria.

Portanto, ao olhar para a história mundial de povos do presente e do passado, das condições de vida de bilhões de pessoas hoje, percebe-se que o livre-arbítrio é mera falácia.

Não acredito em livre-arbítrio num mundo que caminhou milênios com a escravidão, que ainda existe e é legalizada em alguns países africanos e perdurou no Brasil até 1888.

Não acredito em livre-arbítrio olhando as histórias de opressão que sempre viveram as mulheres e que milhões delas ainda vivem. Em muitas culturas ainda são circuncidadas, arrancam seu clítoris para que as mesmas não tenham prazer sexual e sejam objetos de seus homens, donos. Será que uma mulher que vive totalmente tapada, usando burka ou “hijab” que cobrem até seus olhos possuí livre-arbítrio?

Será que os bilhões de jovens e “crianças” que se casam obrigadas por suas famílias sem mesmo conhecer seu esposo e esposa antes do casamento, num contrato entre famílias, possuem livre-arbítrio?

Será que os indianos, que vivem no desgraçado sistema de castas, que as pessoas tem lugar na sociedade a partir de seus nascimentos, não havendo possibilidade de mobilidade social, são livres e possuem o livre-arbítrio?

Quem viveu na antiguidade súdito de um rei ou imperador despótico, que comandava a nação com mãos de ferro e com o “aval dos deuses” tinha livre-arbítrio? Se nem existia a ideia de cidadania, pessoas com direitos e deveres, mas que só lhe cabia obediência para não morrer.

E quem viveu durante a Idade Média e Moderna, com o sistema estamental, com uma sociedade também dividida em classes, com base em seu nascimento, possuíam livre-arbítrio? Como ter livre-arbítrio sem mobilidade social e sem poder mudar a sua condição de nascimento?

Por último, pessoas que vivem em ditaduras militares, em áreas dominadas por milícias, tráfico de entorpecentes, gangues e máfias possuem livre-arbítrio? Podem não obedecer às ordens dadas? O toque de recolher? E, não utilizar produtos que tais líderes obrigam a comprar ou usar?

O livre-arbítrio só existe na cabeça de quem não é capaz de pensar a sociedade e a condição humana através dos séculos e as condições de opressões atualmente. O propalado livre-arbítrio é só uma grande estupidez inventada pelos homens, que mesmo vivendo “preso”, “acorrentado socialmente”, sem poder fazer tudo que sua vontade quer e em estado de abuso constante acredita possuir.

O homem nunca foi totalmente livre. Ele é dominado por pulsões biológicas, por leis, por convenções sociais, pela cultura, por governos e organizações criminosas e por diversos outros fatores.

Com bem informava Baruch Spinoza: “Liberdade é saber quais são os liames que nos prendem”. Eu te garanto, são muitos!

Acioli Junior
Enviado por Acioli Junior em 21/08/2020
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