EM VOLTA DA FOGUEIRA PARA QUE O FOGO NUNCA SE APAGUE!
O REENCONTRO trata-se de um evento construído pelos moradores oriundos da FAVELA DO PARQUE PROLETÁRIO DA GÁVEA, que localizava-se em frente a Rua Marques de São Vicente, 147. Próxima à Escola Municipal Arthur Ramos... na lateral da Universidade PUC e ao longo do saudoso prédio "minhocão". Ressalto que o processo de remoção dessa comunidade se baseou no uso da força arbitrária, que inaugurou um doloroso processo de "desterro" dos favelizados, a partir de 1965 - nos primeiros anos do golpe contra democracia e instalação da ditadura militar.
Os favelados - como assim eram denominados à época - foram expulsos de seus barracos/casas e removidos para os diversos e longínquos bairros dos subúrbios da Central do Brasil. Porque a finalidade dos governantes era “limpar”, “higienizar” os territórios da Zona Sul carioca. E assim o fez... “Deportou” os favelados para Zona Norte!
Os primeiros moradores removidos do Parque Proletário da Gávea foram alojados em Bangu e suas novas residências - dentro da Política Habitacional vigente - passaram ser denominadas de conjunto habitacionai. Vila Kennedy - o primeiro - mantinha a horizontalidade das favelas do Rio de Janeiro: continha somente casas. Entretanto, aos removidos para Padre Miguel couberam-lhes apartamentos. Impondo, assim, uma nova estrutrutura nas relações sociais: a vertical.
Não muito depois, chegou a vez dos “enjeitados” irem pra Cidade de Deus - talvez, a lógica dos governantes fosse aquela dita no filme "Cidade de Deus": "...pega tudo que não presta e joga na Cidade de Deus..." - e lá se alojou populções de diversas áreas favelizadas, em casas e apartamentos. A seguir, "esconderam" outros no bairro de Cascadura – um conjunto habitacional somente com apartamentos.
Ainda, não satisfeitos os “sandristas ” - pessoas do Governo Estadual ligados à política de remoção da Secretária de Ação Social - foram responsabilizados pelo ateamento do fogo na Favela da Praia do Pinto. Em época, os moradores indignados diziam que aquele incêndio era criminoso e fora forjado com o propósito de acelerar o processo de remoção daquela comunidade do Leblon, que resistia a sua expulsão. E, que se viu foi uma “remoção doméstica” – ou seja, uma parcela da população da Praia do Pinto - desabrigada pelo incêndio, migrou para os barracos do Parque Proletário da Gávea e em 1969, nós fomos removidos, às pressas, para o Conjunto Habitacional Cidade Alta, em Cordovil... No início da década de 70, o pouco que sobrou dos moradores ocupou os Conjuntos Habitacionais da Rua Crato e da Rua Bento Cardoso, na Penha Circular.
Nesse contexto perverso, parecia que toda a história de vida e a memória social dos moradores do Parque Proletário da Gávea seriam soterradas. Pois, as remoções e a tentativa de "embraquecimento" dos territórios da Zona Sul sustentavam o desaparecimento desse legado.
No Parque Proletário da Gávea, as moradias eram 90% construídas de madeiras, daí serem denominadas de barracos... Em sua maioria, lá moravam negros e nordestinos. Pessoas trabalhadoras, ordeiras e de bem! O respeito e o culto aos mais velhos eram passados de geração pra geração... Mas, isso só não bastava para o Governo e os parceiros da especulação imobiliária! Que imbuídos da lógica capitalista pregavam que os moradores da favela não possuiam padrão... Perfil pra morarem na Zona Sul... (sic). Na "Marquês" - denominação, carinhosamente, da Rua Marquês de São Vicente, por aqueles que lá residiam há mais de 5o anos. A minha avó Maria Izabel era uma desses moradores. Veio, ainda, jovem de Barbacena - MG e ali trabalhou e construiu sua família... sua vida! E, agora, enxotada sem direito a nada!
O trabalho sujo da remoção ficava ao encargo dos caminhões do Departamento de Limpeza Urbana – DLU, que jogavam – isso mesmo - e misturavam os pertences de várias famílias em um único caminhão, sem o menor respeito... sem a menor compaixão... sem a menor dignidade! Ninguém, no Brasil, podia "abrir o bico" porque quem mandava e desmandava era a ditadura militar -Governo que obrigava todo o povo ficar com a "matraca fechada".
Neste contexto sociopolitico, os moradores foram empurrados para Vila Kennedy, Cidade de Deus, Cidade Alta, Padre Miguel, Cascadura e
Penha... Apenas, um ínfimo grupo de moradores da "Marquês" conseguiu se transferir para os apartamentos do "Minhocão".
As remoções, geralmente, destinavam os removidos a regiões sem a mínima infraestrutura sociocultural: sem escolas, sem áreas de lazer, posto de saúde, transporte urbano e serviço social... Enfim, na visão preconceituosa dos governantes, lugares para os pobres e faveladosl...
O REENCONTRO nasce da resistência desses antigos moradores do Parque Proletário da Gávea... Do pessoal da "Marquês" em manter vivos os seus laços de amizade. Um sentimento de cumplicidade que surgiu espontaneamente, ou melhor, visceralmente. Porque as adversidades conspiraram em favor dessa gente-boa! E por ironia do destino o sentimento de pertencimento veio à tona. Pois, sem nenhuma intenção prévia ou qualquer planejamento, os antigos moradores do Parque Proletário da Gávea começaram a se reunir e a se festejar nos períodos eleitorais.
A verdade foi que a maioria dos antigos moradores permaneceu com o seu domicílio eleitoral, ainda, na Gávea. Daí, a cada ano eleitoral a festa “comia a torto e a direito” na rua, nos bares da Marquês, na Pça Santos Dumont... Olha, que naquela época era proibido beber pinga ou cerveja enquanto durassem o processo eleitoral, né?. Mas, mesmo assim a rapaziada do "Parque" se encontrava e promovia churrascos, festas, batucadas e pagodes... Meu pai - Tatá, conta que tinha ano que at o “Viramundo ” desfilava pela Marquês de São Vicente! Imagina, o Viramundo saindo e os bares e botécos arriando as pantográficas... Papai me dizia que quando o Bloco desfilava saía arrastando tudo!
Esse era o espaço temporal – sem qualquer planejamento - de cada “REENCONTRO”, ou para cada novo encontro das velhas e antigas amizades, namoros, bochinchos, disse-me-disse, arengas, causos, risos... Coisas em comum, ou melhor, coisas da comunidade do Parque Proletário da Gávea!
Hoje, nós estamos apenas não deixando que essa “chama” lançada pelos “mais velhos” caia na escuridão do esquecimento e fique sem memória! Por tudo isso, é hora de botar lenha na fogueira!