“O mal de Lucia”: Tempo Tempo Tempo Tempo.

“O mal de Lucia”: Tempo Tempo Tempo Tempo.

Luiz Roberto Zanotti

Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos

Tempo tempo tempo tempo

Entro num acordo contigo

Tempo tempo tempo tempo

(Oração ao Tempo – Caetano Veloso)

Este artigo tem origem em um único atendimento que prestei para Lucia, uma jovem com aproximadamente 19 anos que encontrei sentada numa cadeira na porta de um dos casebres pertencente ao Complexo de Favelas do Parolin. A jovem tinha um nenê no seu colo, uma criança que não deveria ter mais que um ano e por apresentar sintomas de resfriado (ou gripe) apresentava uma coriza escorrendo pelo seu nariz, sem que a mãe tomasse qualquer atitude. Lucia parecia com os olhos muito além daquele ambiente constituído de pequenas casas de madeira, com lixo jogado pelas estreitas ruelas de terra, um verdadeiro esgoto em céu aberto.

Na única conversa que tive com Lucia a sua pouca fala girava ao redor do que lhe faltava, e que perante esta falta ela não poderia fazer nada. Ela me contou que queria trabalhar, mas não tinha com quem deixar a criança, que não tinha fogão para esquentar a mamadeira do nenê, e que usava o fogão da sogra para esta atividade, mas que a sogra brigava muito com ela, por isto, muitas vezes servia o leite frio mesmo. Finalizada a conversa, apontamos um novo encontro, que acabou não acontecendo, pois Lucia não mais apareceu.

Desta forma, a partir dos traços característicos apresentados, tais como, o desânimo profundo, a falta de interesse no mundo, que de uma maneira geral estão ligados ao fator “perda”, num primeiro momento, busquei a relação do “mal de Lucia” com o conceito de luto preconizado por Freud :

O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Também vale a pena notar que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos que seja superado após certo lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele.

Nesse parágrafo, o autor esclarece que o luto, por mais intenso que seja, é uma condição normal da vida, assim não é algo patológico e não deve ser submetido a um tratamento médico. O luto deve ser superado com o tempo, por mais difícil que isso possa ser. Para Freud, o trabalho do luto se realiza quando o sujeito se depara frente ao teste da realidade que revela que o objeto amado não mais existe, e passa a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Essa exigência irá provocar uma oposição compreensível, pois as pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo, na realidade, quando um substituto já se lhes acena. Estas “ordens” geralmente são obedecidas pouco a pouco, com grande dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-se psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido.

Cada uma das lembranças e expectativas isoladas, através das quais a libido está vinculada ao objeto, é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas. Por que essa transigência, pela qual o domínio da realidade se faz fragmentariamente, deve ser não extraordinariamente penosa, de forma alguma é coisa fácil de explicar em termos de economia. É notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo natural. Contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido .

A partir destas colocações não podemos vincular o “mal” de Lucia a uma situação de luto, pois não tivemos tempo para ouvir a sua história, pois a princípio não foi relatado nenhum fato em relação a uma perda , ou seja, a morte de algum ente querido, ou se existiu uma perda ligada a alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido.

Uma segunda possibilidade de tratar este “mal” de Lucia poderia estar na melancolia, que segundo Freud, possui as mesmas características do luto, a não ser o fato que a perturbação da auto-estima está ausente no luto. O que acontece no processo da melancolia é que o sujeito não tem consciência do que foi “perdido". O melancólico perdeu um objeto e junto com ele perdeu parte de seu narcisismo. Ele se sente empobrecido, pois parte do seu ego foi perdida. É exatamente esse fator que determina o rebaixamento da auto-estima, no melancólico.

Assim, na seqüência de nossa análise, deparamos com a melancolia como outra possibilidade para este “estado de inércia”, que observamos. Para Freud, esta “reação” se encontra próxima ao luto, em sua oposição entre o princípio da realidade e a libido investida no objeto, porém, na melancolia, ela se dá de forma tão intensa que dá lugar a um desvio da realidade e a um apego ao objeto por intermédio de uma psicose alucinatória carregada de desejo. Assim, retornando às premissas freudianas no texto Luto e Melancolia, vamos verificar que ele apresenta a possibilidade de uma pessoa a partir de uma perda, desenvolver uma reação diferente à do luto, que Freud chama de melancolia. Em ambas as reações o princípio da dor pela perda é comum, uma vez que tanto em um como em outro se processa uma tentativa de desvio de libido do objeto amado e isto sempre representa uma grande penalidade. No entanto a diferença reside no fato que o luto tem claramente definido o objeto de sua perda, enquanto que na melancolia o objeto da perda permanece retirado da consciência. Ou ainda, na melancolia pode-se saber que a morte de alguém tenha originado o estado doloroso, mas não se pode saber o que de si se perdeu neste alguém. Deste modo, ao contrário do luto que pode, ao fim do processo, separar-se do objeto da perda, a melancolia permanece atrelada à perda uma vez que o objeto da perda e seu próprio ego estão fundidos no mesmo processo, não permitindo que o desvio de libido se complete, pois uma vez concluído, significaria a morte do próprio ego.

No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível, ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e o que é psicologicamente notável por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida .

Desta forma, o processo dinâmico da melancolia atesta igualmente recurso possível comparado ao luto, a impossibilidade para o sujeito de separar-se do objeto perdido e de reinventar sua energia assim liberada num substituto. Mas ao passo que o luto termina após um tempo mais ou menos longo, a melancolia se instala, ao contrário, sob a forma da incorporação do objeto perdido no seio do próprio sujeito, de tal maneira que este retoma por sua própria conta a ambivalência dos sentimentos que tinha anteriormente pelo objeto amado.

Ao avaliarmos esta hipótese da “perda” melancólica em Lucia, ainda que o objeto “perdido” não esteja de fato morto, nunca saberemos claramente, como observa Freud, o que o doente realmente perdeu, da mesma forma que ele tampouco pode entender conscientemente o que crê ter perdido. “Aliás, poderia ainda ser o caso quando a perda que ocasiona a melancolia é conhecida do doente, este sem dúvida sabendo quem ele perdeu, mas não o que ele perdeu naquela pessoa” .

Assim, mais uma vez, ao não termos pontos de referencia, não podemos relacionar o “mal” de Lucia a um diagnóstico de luto ou melancolia, sendo que mais uma vez nos defrontamos com o fator “tempo”, ou seja não houve “tempo” necessário para entender melhor o “mal de Lucia”. Dada esta “falta” do tempo necessário o único elemento que nos restou para analisar esta posição de inércia foi exatamente o elemento “falta”, e a partir desta constatação fenomenológica da inércia. Num primeiro momento, buscando uma forma de racionalizar o problema, pensei que essa inércia poderia estar relacionada às condições de vida de Lucia, mas imediatamente lembrei que como na modernidade é comum que encontremos pessoas tipo “Lucia” nas mais variadas camadas sociais da população, o que nos impede de relacionar diretamente esta inércia com o nível social da pessoa.

Para Bauman, o mundo pós-moderno é o mundo da incerteza onde a liberdade individual reina soberana numa sociedade que trocou a ordem e a segurança pela busca do prazer e da liberdade individuais. A flexibilidade do capitalismo moderno, seu consumo ávido, permanente e nunca satisfeito coloca os indivíduos em constante ansiedade e a mais dolorosa, é a ausência de pontos de referência duradouros o que causa o grande mal-estar da instabilidade da própria identidade. A modernidade acarretou, conforme Stuart Hall, uma “perda do sentido de si estável”.

Em Identidade Cultural na Pós-modernidade, Hall , afirma que as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim a chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. Para ele, as identidades modernas estão sendo "descentradas", isto é, deslocadas ou fragmentadas.

Este colapso das identidades modernas são devidos à uma mudança estrutural que está transformando as sociedades modernas no final do século XX, com a fragmentação das paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.

Resumindo, podemos dizer, que para Hall há uma espécie de perda de um sentido de si - que abalam as referências que davam aos indivíduos uma certa estabilidade e segurança - devida ao descentramento do sujeito nas sociedades modernas que apareceu favorecido por grandes avanços na teoria social, entre eles, a teoria do materialismo dialético da Karl Marx, a descoberta do inconsciente por Freud, a lingüística estrutural Ferdinand de Saussure, o trabalho sobre o poder disciplinador de Foucault, e por fim, o movimento feminista, tanto como uma crítica teórica, quanto como um movimento social.

Essa situação é paradoxal, pois, por um lado mostra um sujeito dotado de um rosto que não reconhece e de um corpo aguçado pelo vazio, dando a impressão de dissociar-se, como se sua intimidade obedecesse a forças estranhas e para ele permanecesse, por conseguinte, inacessível e pelo outro, mostra mais uma vez, a impossibilidade de trabalharmos a longa história individual do sujeito, o advento das primeiras marcas existenciais que, longe de outorgarem ao sujeito a plenitude de um estatuto, lhe designam simplesmente o seu lugar disponível.

Quanto mais o intuito de acomodar o corpo à felicidade ganha lugar, mais a vida parece potencialmente romper o equilíbrio, logo, o “stress”, o sofrimento, as inquietações, que, no passado, pareciam engrandecer o sujeito, hoje são vistas como passiveis de quebrar a “adequação”. O passo seguinte é o de ter de sedar o que pode trazer um tipo de pane ou falência do sujeito; enfraquecido, é claro, por aquilo mesmo que quer combater. (...) A promessa advinda do Outro de encontro com as alturas cobra um preço: o de não saber lidar mais com o próprio desejo, com suas nuances entre baixo e alto, com sua expressão singular. Com dificuldade de desejar o sujeito está ainda mais só .

Dentro deste quadro, é que buscaremos localizar a inércia e o discurso deprimido de Lucia, a partir do conceito de “estado deprimido” que para Pierre Fédida , é tão familiar na humanidade cotidiana atual e pode ser considerado como o estado do desumano, pois ele não se resume a um isolamento com relação aos outros ou, ainda o retraimento com respeito à mais simples comunicação. É a própria aparência humana que se apaga – simples gesto ou rosto, tonalidade da voz nas palavras, simples expressão de sentimento ou de lembrança. A depressão toma o aspecto violento do aniquilamento do vivente humano.

Este aniquilamento parece estar no âmago do “mal estar da modernidade” e a “perda de si estável”, uma vez que, segundo Hall :

uma de suas características principais da modernidade é a “compressão espaço –tempo”, com a aceleração dos processos globais, de forma que se sente que o mundo é menor e as distancias mais curtas, que os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre as pessoas e lugares situados a uma grande distância.

Ma se para Hall, o tempo ao ser comprimido traz um sentimento que passa mais rápido, para Hans Ulrich Gumbrecht , a forma de apreensão do tempo na contemporaneidade aparece como algo estagnado, com o futuro aparecendo como algo bloqueado, ao invés de estar aberto para um leque de opções, ocasionando um certo temor por ele, fazendo com que o presente se torne onipresente, e cada vez mais domine o cenário contemporâneo. Seja o tempo, estagnado ou comprimido, a verdade é que o ele traz consigo toda uma imbricação histórica pois conforme Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo chama a atenção:

O homem, “o ser negativo que é apenas na medida em que suprime o Ser”, é idêntico ao tempo. A apropriação pelo homem de sua própria natureza é também sua apropriação do desenrolar do universo. “A própria história é urna parte real da história natural, da transformação da natureza em homem” (Marx). Inversamente, essa “história natural” só tem existência efetiva através do processo de uma história humana, da única parte que encontra esse todo histórico, como o telescópio moderno cujo alcance recupera no tempo a fuga das galáxias para a periferia do universo. A história sempre existiu, mas nem sempre sob forma histórica. A temporalização do homem, tal como se efetua pela mediação de uma sociedade, é igual a urna humanização do tempo. O movimento inconsciente do tempo se manifesta e se torna verdadeiro na consciência histórica

Ainda para Fedida (2002, p. 21-22), uma das mais importantes características do fenômeno da depressão se encontra no “pedido de tempo” pelo paciente deprimido, pois a partir das “perdas” (brutalizações) sofridas em sua vida, ele acaba por perder a percepção interna do tempo (e portanto da sua história)..Este pedido de tempo ainda pode ser relacionado à posição que Anna Arendt tem em relação à história:

(...) nossa herança foi deixada sem testamento algum. O testamento, dizendo ao herdeiro o que será seu de direito, lega posses do passado para um futuro. Sem testamento ou, resolvendo a metáfora, sem tradição – que selecione e nomeie, que transmita e preserve, que indique onde se encontram os tesouros e qual o seu valor – parece não haver nenhuma continuidade consciente no tempo, e portanto, humanamente falando, nem passado, nem futuro.

Viver no presente, apenas no presente e não em função do passado e do futuro, ou seja, essa “perda do sentido da continuidade histórica”, essa erosão do sentimento de pertença a uma “sucessão de gerações enraizadas no passado e prolongando-se no futuro”, é o que, conforme também Lasch caracteriza e engendra a sociedade narcísica (contemporânea). Nossa sociedade baseia-se na produção em massa e no consumo em massa, estimulando uma incrível atenção às imagens e impressões superficiais e tornando as pessoas frágeis e dependentes do olhar do outro.

Todas estas perdas acabam por acarretarem na depressão a própria perda da aparência de humano. “Sinto-me desfeita em minha aparência humana”. Assim, além do estado e de isolamento, existe uma perda da imagem de si, sendo que “Nenhum espelho pode devolver a sua própria imagem e, no limite, não há mais espelho”

As metáforas produzidas para imaginar a depressão inevitavelmente remetem ao frio, ao silencio gelado, ao desaparecimento de qualquer vida. E embora freqüentemente faltem metáforas na queixa depressiva, devido a uma espécie de exaustão da linguagem, não é raro escutar os pacientes deprimidos descreverem uma solidão absoluta, onde teriam desaparecido emoções, desejos e sentimentos, como se a vida tivesse parado. Esta desumanização à qual o estado deprimido conduz é aterrorizante .

Nos casos depressivos encontramos sempre uma experiência de um vinculo particularmente doloroso com o objeto (perda, abandono, mas também fusão aniquiladora, identificação primitiva ao psiquismo da mãe, etc), ela deve ser diferenciada da melancolia no sentido que o estado depressivo aparece como ultima defesa vital contra o desabamento melancólico e a hemorragia da culpabilidade e da vergonha. Podemos então diferenciar a depressão da melancolia, no sentido que a depressão proporciona uma imortalidade que nega a representação do si- cadáver que pode ser encontrada no coração da crueldade melancólica , sendo que na maioria dos estados deprimidos o trabalho analítico com o paciente está em descobrir o forte recalcamento referente a uma morte desapercebida (perda) ou admitida mas logo esquecida ou subestimada, acarretando conseqüências para a economia psíquica. Além disso, enquanto a melancolia revela a prova trágica do destino humano, a depressão é obsedante ao ocupar o vazio do pensamento.

A banalização comum de uma vivencia de perda é de primeira importância. Não perceber a morte significa negligenciar a percepção de mudanças e encobrir os aspectos dolorosos antes que apareçam. Desta forma, a depressão como reação a uma perda adquire um sentido verdadeiro, porém complexo a partir da negligencia do aparelho psíquico. Assim, apesar dos pontos importantes, em que Lucia fala da sua sensação de abandono, tanto pela sogra, como pelo marido, e mesmo pelo Estado, o que se aproximaria da observação de Fedida a respeito daquela fala com característica de falta ou de perda, sobre aquele que foi incapaz de prestar socorro e que abandonou - “Só ele poderia me ajudar, se voltasse. Mas o senhor não tem nenhum poder contra a minha depressão” - mais uma vez, por falta de acesso a subjetividade, não podemos caminhar no sentido em que ele nos aponta para a cura da depressão que passaria por um resgate da capacidade depressiva (a subjetividade dos tempos, a interioridade, a regulação das excitações, etc), o que é muito difícil numa cultura onde a força da abstração quase sempre acarreta no “esquecer”.

A depressão, antes do que uma doença amplificada pelas transformações trazidas pela Modernidade, onde está inserida a “perda de si”, é sem duvida uma afecção humana e quando qualquer vinculo parece se desfazer e nenhum horizonte de fala o substitui, ela pode aparecer. Assim, a depressão não pode ser considerada uma doença, a não ser que afirmemos ao modo de Nietzsche que ela é uma “doença humana” .

Assim, o “mal de Lucia” apesar de parecer estar fortemente ligado não só ao sentido da “perda de um si estável” e ao “mal estar da civilização”, na maioria das vezes é diagnosticado, na impossibilidade de ter “tempo” para uma análise de sua história, como um “simples” estado deprimido (a partir de uma semiologia também bastante simples tal como: lentificação, inibição, desinteresse, sensação de cansaço, tristeza, ausência de gosto ou desejo, perda da capacidade de prazer). No entanto, esta forma de tratar este “mal” como se fosse uma subjetividade empobrecida da queixa interior, como Fédida adverte, acaba por promover uma inevitável banalização provocada por esta generalização que ao classificá-la como uma afecção psíquica do registro de humor, faz com que a medicina em geral, tome uma atitude sumariamente prescritiva, abandonando a necessidade do tempo e da atenção.

“Se a depressão pode ser curada por moléculas apropriadas, então isso significa que ela seria apenas uma afecção simples e que o recurso à psicoterapia não se justifica!”. As ocorrências do termo depressão na obra de Freud não conduzem a uma metapsicologia da depressão, ao passo que a melancolia, especialmente em sua relação com o luto e a perda de objeto, constitui um dos maiores modelos de uma psicopatologia e de uma metapsicologia. O que pode nos levar à pergunta se a noção de depressão não seria realmente um operador ideológico .

Finalmente, podemos dizer, seguindo as palavras de Jorge de Campos Valadares que "Somos filhos da memória e do convívio", e que o “mal de Lucia” é independente de sua condição social, e encontra-se fortemente ligado às características da forma como percebemos o tempo na Modernidade, e que a depressão é um fenômeno ligado a esta “falta” de tempo. Esta “falta” de tempo que impossibilita a organização da sua história, da sua subjetividade. O “mal da Lucia” é o mal estar da modernidade, que em Lucia se manifestou através desta inércia e nessa condição de “não tenho” para qual ela diz que nada pode fazer.. Não tem tempo, não tem história, não tem subjetividade.

Ainda assim acredito

Ser possível reunirmo-nos

Tempo tempo tempo tempo

Num outro nível de vínculo

Tempo tempo tempo tempo

(Oração ao Tempo – Caetano V