Ainda me enleva algo
Ainda me enleva algo
A cinza enfuna o mundo.
Amei pessoas e causas que me amalgamaram em instâncias sublimes do espírito.
Cri no que valia e em zonzos cantos de irresponsáveis e alucinadas sereias.
Há muito, a decepção leva-me parte do que deveras nunca tive.
Partes obscuras da vida e de pessoas já esgarçaram fundo entranhas de meus sonhos.
Perdi parte enorme de meu coração, incontáveis amores, amigos, tios, primos, irmãos, e o ninho inesquecível da mãe e dos avôs.
Já me fizeram amarrado saltar de inúmeros tombadilhos de galés da vida. A vileza das pessoas me desacreditou ideologias bonitas e amputou-me a alma.
Já me estirei em carícias a universos, chão e pessoas que partiam. Já tive jogada na cara a injustiça, o ódio e a incompreensão. Já cri e lutei em muitas desprezíveis bolhas.
Já construí sonhos e realidades esmagadas na crueza da maldade humana.
Tive intenções sublimes desbaratadas pela mesquinhez de bárbaros.
Já fui a pique salvando náufragos mal agradecidos . Já fui acusado de jogar ao mar pessoas que me impediram de salvá-las.
A perversidade já me cozinhou e lançou-me atônito ao vazio do banimento.
Já lutei contra forças desproporcionais.
Já convivi com pessoas descrentes que cultuam o sofrimento e a morte, vivem do engano na superfície, no perfunctório e na mentira.
Venho de longe.
A incapacidade para o entendimento e para o perdão parece demarcar a diferença básica entre as pessoas e os trastes do mundo.
Já me envenenaram os que não sabem amar, os descrentes na capacidade de aprender e melhorar.
Dentre tudo que nos aniquila, agora renasce o pássaro renitente da crença.
O poeta disse que nada vale a pequenez do espírito.
A despeito de tudo, o vento da coragem honesta e lúcida enfuna e dignifica a alma que sobrevoa tudo.