Só Irmão
Já faz algum tempo que venho ensaiando escrever algo sobre a vocação de Irmão Leigo, para usar uma terminologia franciscana presente na Regra e Vida dos Frades Menores. Até porque ouço muitas pessoas sempre me perguntando acerca do papel do Irmão para a Igreja ou, o que é pior, elaborando perguntas do tipo: E você? Vai ser só Irmão?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a vida consagrada e os religiosos não são definidos pelo que fazem, mas sim, pelo que são. A vocação religiosa brota de um especial chamado do Senhor para estar com Ele (Mc 3,13-19). O religioso, presbítero ou não, é alguém que se sente chamado a abrir mão de um bem por algo melhor ainda, como ensina São Francisco de Assis: “Prometemos grandes coisas, maiores são as que nos foram prometidas” (2 Cel 191,9). É a partir deste chamado que brota a missão e os ministérios assumidos pelos religiosos consagrados na vida da Igreja.
Nesta perspectiva, o Irmão Leigo cumpre duas missões na vida da Igreja. A primeira é ad intra, ou seja, pertence à esfera da relação entre os membros de sua congregação ou ordem. Nesta missão, o Irmão Religioso convoca os irmãos presbíteros a repensarem a sua vocação. O Irmão Leigo lembra ao clero religioso que a nossa vocação primeira enquanto consagrado é ser consagrado; é ser irmão (confrade); é viver o carisma e a espiritualidade da congregação a que pertencemos. O Irmão Religioso e o sacerdote dentro de sua congregação, em geral, possuem os mesmo direitos e deveres, com exceção daqueles que derivam do ministério presbiteral. Dito de outra maneira, todos os religiosos pertencentes à mesma congregação possuem os mesmos direitos e deveres com exceção daqueles próprios do serviço que cada um desempenha. O religioso lembra ao sacerdote que antes de ser padre, pelo menos para nós franciscanos, ele é irmão; ele é religioso e, portanto, deve portar-se como tal. E isso deve influenciar, até mesmo, o seu modo de pastorear e de enfrentar a vida. O que une os sacerdotes e os irmãos na vida consagrada não é o ministério recebido como encargo na Igreja, mas os votos, o carisma e a espiritualidade da congregação. Sendo assim, uma Ordem ou uma congregação religiosa, ainda que clerical (congregações cujas funções de comando só podem ser exercidas por clérigos – CIC n. 588§2e3), sem a presença dos Irmãos leigos está, no mínimo, empobrecida, pois, “o estado de vida consagrada, por sua natureza, não é clerical nem laical” (CIC n.588§1). O determinante na vida e vocação religiosa não pode ser o ministério presbiteral. Pois, apesar do anseio por tal vocação ser algo elevadíssimo, para nós consagrados, esta é uma vocação segunda que não contraria a nossa vocação primeira. Para o consagrado ser sacerdote é sempre um ministério, um serviço prestado à Igreja em favor do Povo de Deus. Neste sentido, o Irmão Religioso é memória viva do que é ser presbítero para os padres que pertencem à mesma congregação. O Irmão Leigo ajuda o Irmão Sacerdote a viver o seu sacerdócio e a sua consagração religiosa.
A segunda missão do Irmão Leigo é ad extra. Ela se refere à relação do Irmão Religioso com os demais membros do Povo de Deus, que não pertencem à sua congregação. O Irmão é chamado a ser memória viva do Evangelho e do Reino de Deus para os seculares, presbíteros ou leigos (cf. VC 22). O Religioso lembra a todos a meta da vida humana. Ele já na terra vive, sem desmerecer a realidade atual, o Reino de Deus. O Irmão Religioso questiona os valores nos quais, muitas das vezes, os leigos fundamentam a vida. Com sua vida simples e humilde, os Irmãos colocam em xeque valores como o poder, a fama, o status. Afinal, quem é o irmão Leigo? É aquele que muitas das vezes esta na portaria do convento, cuidando da horta, fazendo a comida, catequizando, visitando e cuidando dos enfermos, abençoando as casas, levando a comunhão, evangelizando nas missões, dando aulas, indo até os locais onde muitas das vezes os padres não podem ir devido às suas inúmeras atividades e funções. O Irmão Religioso, em sendo irmão, questiona até mesmo a visão de poder na Igreja. Ele, embora não seja, vive como um padre, sem perspectivas de ascender na dita “carreira clerical” e, ainda assim, sem se preocupar com o que foi dito anteriormente, faz o Reino de Deus acontecer. Penso que, ao gerar certos questionamentos na cabeça do Povo de Deus, o religioso já está cumprindo a sua missão na Igreja.
Ser Irmão leigo é antes de tudo uma opção que em nada desmerece o consagrado e tão pouco faz dele um sub-religioso. O Irmão não é um padre frustrado que por algum motivo ou incapacidade não foi ordenado. Ele é alguém, que por um chamado especial de Deus, ensina-nos que, para servir a Deus e seguir de modo radical o Evangelho, não precisa ser necessariamente padre. O Irmão Leigo não se insere na hierarquia da Igreja, mais é vital à estrutura carismática dela e testemunha a sua santidade. E faz tudo isso porque é só Irmão.