Bolsonaro só não iniciou o golpe de estado porque achava que seria traído pelos generais

Bolsonaro só não iniciou o golpe de estado porque achava que seria traído pelos generais

por Márcio de Ávila Rodrigues

[19/12/2024]

O general Walter Souza Braga Netto faz história: é o primeiro general de quatro estrelas (a categoria mais importante da Força) preso pela Justiça Comum brasileira (através do STF). Aconteceu em 14/12/2024.

Já estava na "corda bamba", ou na "marca do pênalti", pois nos dias anteriores a mídia já estava divulgando diariamente áudios e textos feitos por um grupo de militares - do qual ele era supostamente o líder - que tinha a finalidade de impedir a posse do presidente Lula. O fato ocorreu na virada de 2022-23 e o relatório da polícia federal fala, inclusive, em planejamento do assassinato de Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Duas semanas antes da prisão (23/11/2024), causou alguma surpresa e controvérsia a divulgação de uma nota divulgada pelos advogados do general Braga Netto. No texto, ele se defendia das suspeitas de ter articulado um golpe de estado e excluía qualquer participação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A jornalista Malu Gaspar, do grupo Globo, analisou tanto o conteúdo da carta quanto as repercussões e fez uma interessante análise. Ela concluiu que o principal objetivo era atender a preocupação do general golpista em afastar boatos que diziam que ele tinha o objetivo secreto de tomar o poder para si, afastando Bolsonaro.

Seis dias depois da divulgação da carta do general Braga Netto, apareceu um indicativo que reforçava a teoria de um golpe dentro do golpe. Paulo Cunha Bueno, advogado de Bolsonaro, afirmou em uma entrevista concedida à GloboNews que o seu representado “seria traído pelos envolvidos na trama golpista” , que iam assumir o poder através de uma junta militar.

No relatório da polícia federal aparecem vários indícios de que Bolsonaro parecia titubeante em tomar medidas que dessem início ao golpe. Vejo duas possíveis causas para a indecisão: ele certamente não tinha convicção quanto ao apoio dos mais importantes comandantes militares e, provavelmente, também tinha medo de não ser colocado por eles no trono.

E o general Braga Netto estava se posicionando como o grande líder militar, ainda que não ocupasse posição-chave na hierarquia do exército naquele momento.

Os analistas políticos acreditam que os militares de alta patente que foram indiciados pela polícia federal já se sentem derrotados e estão elaborando, com seus advogados, os artifícios de defesa nos processos que estão a caminho. A expectativa é de que se acusem (isto mesmo, uns acusando os outros) dos delitos imputados e até que usem o traiçoeiro recurso da delação premiada.

Um autêntico salve-se quem puder!

Pelo que foi apurado até agora, creio que podemos apontar dois fatores decisivos para a não concretização de um golpe militar com a finalidade de impedir a posse de Luís Inácio Lula da Silva no primeiro dia de janeiro de 2023. Um deles seria a falta de pulso e de liderança do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.

O outro fator seria a recusa direta e explícita dos comandantes do exército e da aeronáutica em aderir ao golpe de estado. Não há gravações ou documentos que confirmem, apenas comentários feitos a terceiros pelo comandante da aeronáutica.

Claramente a tentativa de golpe não passou de um aventureirismo. Os mais afoitos e envolvidos com a tentativa não confiavam uns nos outros o suficiente para chegar às vias de fato.

O fiasco foi útil ao Brasil. Além das importantes questões ligadas à democracia, certamente o grupo de golpistas falava (nos áudios e mensagens trocadas) sobre os rumos do país em caso de vitória de um candidato ligado às esquerdas. Mas certamente não possuem capacidade para administrar uma grande nação, muito menos de navegar com eficiência entre as muitas correntes políticas e administrativas.

Voltando à questão da desconfiança, a história é repleta de golpes de estado em que seus instauradores foram engolidos pelos mais espertos e poderosos, que se aproveitaram da situação para assumir o controle e afastar os antigos companheiros.

Para ficar apenas na situação brasileira, a ditadura militar de 1964-85 é um excelente exemplo. A classe militar já vinha se movimentando nos bastidores desde a renúncia do conservador Jânio Quadros, que jogou no poder um esquerdista real e assumido, Jango Goulart.

Aquele momento era - como hoje - de confronto entre esquerda e direita, mas a esquerda era vinculada ao comunismo real, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Atualmente o comunismo é irrelevante na geopolítica internacional, apesar de ser assunto constante nas redes sociais dos conservadores contemporâneos.

Na madrugada de primeiro de abril de 1964, o impaciente general Olímpio Mourão Filho, comandante da quarta região militar, deixou sua sede em Juiz de fora (MG) e avançou sobre o Rio de Janeiro que, embora não fosse mais a capital do Brasil, ainda sediava a maior parte do poder.

Com a fuga de Jango para o Uruguai, a classe política se submeteu à classe militar e aceitou a posição de apenas avalizar as decisões de quem tinha as armas. Os generais de quatro estrelas passaram a controlar o poder com a participação auxiliar dos principais brigadeiros e almirantes e excluíram das reuniões o general Olímpio Mourão Filho, detentor de três estrelas, uma escala abaixo.

Certamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e outros assessores próximos se lembraram do risco da repetição histórica. E temiam que uma junta militar entendesse que um ex-capitão, que teve uma carreira pontificada por questões disciplinares, não deveria compartilhar o poder.

Com tudo isso, Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes conseguiram escapar da sina de virarem alvos das balas dos kids pretos.

Fontes utilizadas:

https://www.cnnbrasil.com.br/.../braga-netto-e-o.../

https://www.terra.com.br/.../integrantes-do-pl-se...

https://agenciabrasil.ebc.com.br/.../defesa-de-braga... (com o inteiro teor da nota dos advogados de Braga Netto, emitida em 23/11/2024)

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.