Bolsonaro mentiu e gravou a reunião ministerial que agora está no YouTube

Bolsonaro garantiu que a reunião ministerial pré-eleições de 2022 não estava sendo gravada. Mas ela está no YouTube.

por Márcio de Ávila Rodrigues

[13/02/2024]

Na véspera do carnaval, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou para a mídia o vídeo de uma reunião realizada secretamente (em 05/07/2022) pelo então presidente Jair Bolsonaro com seus ministros. JB manifestou o claro intuito de exortá-los a promover um golpe de estado antes das eleições. Ele perguntou a todos se alguém tinha dúvida de que Lula venceria as eleições de 2022 e ninguém respondeu negativamente.

O vídeo foi encontrado em um computador (embora armazenado em nuvem) do então ajudante de ordens do presidente, tenente-coronel Mauro Cid, que está preso há nove meses e agora está empenhado em “entregar” o ex-presidente em troca dos benefícios da delação premiada.

Chama a atenção um pequeno episódio ocorrido ainda na parte inicial da longa reunião. O ex-ministro-chefe da Controladoria Geral da União, Wagner Rosário, interrompe a própria fala para questionar se estava sendo gravado.

O ex-presidente Bolsonaro e também Braga Netto, ex-ministro-chefe da Casa Civil, fazem sinal de negativo com o dedo. Mas Bolsonaro acrescenta um comentário contraditório: "Eu mandei gravar a minha fala".

Convencido, o ingênuo (ou inconsequente) ministro segue a sua fala e defende atitudes inconstitucionais por parte do grupo, o que certamente ainda vai custar um pesado processo contra ele no STF.

Não é preciso conhecimento de edição de vídeo para perceber que Bolsonaro mentiu. Se a fala dele estava sendo gravada é porque a reunião completa estava sendo gravada. Não existe tecnologia para gravar somente a fala dele e dar “off” todas as vezes que outra pessoa estiver falando. Inclusive porque o ex-mandatário é naturalmente açodado, interrompe as pessoas, fala junto, sobrepõe palavras.

Mesmo que a intenção dele fosse deixar gravada apenas a própria fala, teria que determinar ao encarregado da edição de vídeo que armazenasse todo o conteúdo e fizesse, “a posteriori”, os cortes (exclusões) das manifestações dos demais presentes. O que não aconteceu.

Ele mentiu e traiu os ministros. O vídeo caiu na internet, e tudo o que é armazenado no YouTube torna-se permanente.

Como a gravação original foi guardada mas não foi usada, surpreende a manutenção de um material potencialmente explosivo. Provavelmente JB pretendia usar, posteriormente, trechos que lhe fossem favoráveis, principalmente se conseguisse impedir a eleição e a posse de Lula.

Ou então guardar material para chantagear alguma pessoa presente na reunião, em caso de necessidade. Ele tem larga experiência com aliados que depois lhe deram as costas. Na mesma reunião ele criticou duramente alguns ex-aliados, como os generais Santos Cruz e Rego Barros, além de Abraham Weintraub.

Mostrou-se altamente preocupado com os “traíras”, mas, num ataque de burrice, deixou as provas aos cuidados do tenente-coronel que depois, para salvar a pele, aderiu aos inimigos. Trairou também.

Precedentes

Essa incapacidade de Jair Bolsonaro em ignorar gravações em vídeo que poderiam ser usadas posteriormente contra ele apareceu pela primeira vez na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. O vídeo daquela reunião foi exigido (e realmente entregue) ao ministro do STF Celso de Mello em investigações sobre interferências do presidente na Polícia Federal.

Por causa daquele vídeo, o presidente não conseguiu nomear Alexandre Ramagem para a PF e nunca conseguiu controlar este órgão. Acabou nomeando Ramagem para a ABIN, que cometeu ilegalidades no cargo e atualmente está sendo investigado pelo STF, embora tenha sido eleito deputado federal com expressiva votação. Inclusive já sofreu operação de busca e apreensão.

O caso mais ridículo sobre o uso de gravação contra o próprio mandante aconteceu com o ex-deputado mineiro Alberto Bejani. Ele ocupava a prefeitura da importante cidade mineira de Juiz de Fora quando foi alvo de um mandado de busca e apreensão executado pela Polícia Federal.

Na sua mesa de trabalho da prefeitura foram recolhidos oito DVDs. Em um deles, dias depois, a PF encontrou imagens de uma reunião em que ele estava recebendo propina de uma empresa de transporte urbano para aumentar a passagem acima do que seria justo.

Como a gravação foi realizada na sede da empresa, supõe-se que o empresário Francisco Carapinha, pagador da propina, mandou gravar secretamente a negociação e entregou uma cópia para o prefeito como chantagem, para que ele fosse sempre bonzinho ao atender os seus pedidos. O prefeito guardou as provas contra ele mesmo na gaveta pessoal, acreditando que ninguém tocaria nela.

Como também o fez o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, provavelmente autorizado pelo chefe.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.