O brasileiro não aprende: messianismo político e a ascensão de Jair Bolsonaro
O brasileiro dificilmente aprende com a sua própria história. Toda vez que estamos perto do pleito eleitoral as pessoas aflitas começam a buscar os supostos “salvadores da pátria” os “messias” da última hora, aqueles que trarão luzes em meios às trevas, esperança em meio à desesperança, riqueza em meio à pobreza, segurança em meio ao horror da criminalidade e saúde para um povo desvalido e doente.
Esse fenômeno não é somente brasileiro. Apesar de ser contínuo em nossa história, é universal! Seu nome é messianismo político. Segundo o sociólogo Carlos Serra: “Messianismo político é a crença na capacidade excepcional de certos indivíduos de resolver problemas sociais de forma imediata e irreversível. De alguma maneira, o messianismo político é uma modalidade profana de uma crença religiosa”.
O messianismo político perdura independente de épocas e contextos históricos. Mas, conforme Serra, ele é especialmente forte em meios sociais nos quais se conjugam três fenômenos: (1) Grande peso das tradições e das regras costumeiras; (2) Percepção da erosão dessas tradições e dessas regras; (3) Níveis de pobreza multidimensional elevados.
Frei Beto afirma que: “Voltamos à era do messianismo político, a mesma que gerou Hitler e Mussolini”. A ascensão de políticos como Jair MESSIAS Bolsonaro é um exemplo claro e notório em nossos dias. Os seguidores entusiastas do deputado mais votado do Rio de Janeiro acreditam que ele de fato seja o Messias (o Cristo profano) conforme seu próprio nome indica. Ledo engano!
Bolsonaro é uma das velhas figuras que se apresenta como novo. Foi eleito como vereador do Rio de Janeiro em 1988, pelo Partido Democrata Cristão; em 1990, elegeu-se deputado federal, conseguindo sete mandatos consecutivos no cargo. Já foi filiado ao Partido Progressista Reformado (1993-1995), ao Partido do Povo Brasileiro (1995-2003), ao Partido Trabalhista Brasileiro (2003-2005), ao extinto Partido da Frente Liberal (2005), ao Partido Progressista (2005-2016), ao Partido Social Cristão (2016-2017) e, agora, está no Partido Social Liberal (2018). De 1988 a 2018 , Bolsonaro já está na política há 30 anos, 26 deles no Congresso.
Em todos esses anos, no Congresso Nacional, Bolsonaro só conseguiu aprovar dois Projetos de Lei, ou seja, não tem nenhuma realização substancial como político. Segundo Jean Carvalho: “Sua imagem foi inteiramente construída no mito de que ele possui uma moral ilibada, que é um militar honrado e que rompe radicalmente com o establishment político. Mas isso não é verdade”. Bolsonaro é uma velha figura política que faz parte do sistema que ele diz combater.
Embora fazendo campanhas antecipadas para presidente em 2018, usando a cota parlamentar (o que é ilegal), Bolsonaro não possui nenhum projeto de governo. E já declarou inúmeras vezes que não tem nenhum conhecimento sobre economia.
Em 2014, recebeu R$200 mil da empresa JBS, envolvida em corrupção, para financiar sua campanha. Em 2017, por conta de matérias sobre o caso e da Operação Carne Fraca, ele "devolveu" o dinheiro. Só que essa "devolução" foi na forma de doação ao partido do qual ele era membro, o PP, que enviou o dinheiro novamente para ele como fundo partidário. Em termos simples: Bolsonaro fez triangulação e lavou o dinheiro por meio do partido do qual era membro. Ele não devolveu nada: ele retomou.
Segundo a declaração de bens de Bolsonaro feita ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entre 2010 e 2014, o patrimônio dele aumentou em 150%. Comprou duas casas na Barra da Tijuca, uma no valor de R$500 mil e outra no valor de R$400 mil. Esse patrimônio é incompatível com os rendimentos recebidos formalmente por ele. É alinhado à bancada ruralista (a mesma que comanda o Brasil há décadas e que é a maior das duas casas legislativas), uma das mais corruptas e abjetas do Congresso Nacional. Em função desse alinhamento, ele é contra as demarcações das terras indígenas e contra os títulos de propriedade das terras dos quilombolas. Além de ser um defensor do agronegócio.
Também por conta da sua penúltima filiação partidária, junto ao PSC (Partido Social Cristão) recebeu apoio de parte significativa da bancada evangélica, constituída por conservadores.
Foi a favor de inúmeras propostas contra os mais pobres, feitas pelo governo do presidente Michel Temer, como a PEC 241 , que limita os gastos públicos por vinte anos e a Reforma Trabalhista que retira direitos dos trabalhadores. É um ferrenho defensor do capitalismo e de forma contundente mostra-se anticomunista. Sempre esteve a favor dos opressores (donos do capital, os burgueses) e contra os oprimidos (os mais pobres e as minorias, como negros e índios).
Ainda segundo Jean Carvalho: “Bolsonaro é, em resumo, um arremedo da indignação popular, uma velha figura política que surge como "novidade" e "promessa de restauração".
Seus eleitores parecem desconhecer ou simplesmente ignorar o funcionamento da política nacional, pois o consideram como o “salvador da pátria”, o “messias” que ditará sem quaisquer impedimentos as soluções necessárias ao Brasil. Esquecem que, sem o apoio do legislativo nenhum governante conseguirá realizar projeto político algum. Se não tiver maioria no Congresso Nacional não há governo possível. E o pior, se não comprar (através de emendas, da troca de favores, das benesses e cargos políticos, inclusive em diretoria de estatais) os deputados e senadores, não conseguirá administra o país.
Não é difícil perceber as implicações do que foi expresso acima. Basta lembrarem-se do processo de impeachment da Dilma e dos dois livramentos que o Temer recebeu dos parlamentares. A presidenta tinha minoria, por isso foi afastada do seu cargo, enquanto Temer com todas as provas óbvias contra si, conseguiu se livrar dos processos criminais, por reunir (e comprar) apoio da maioria dos congressistas. Ou seja, se o “mito” não fizer o jogo que ele próprio conhece muito bem, não governará, caso ganhe a presidência.
Só seus eleitores não conhecem as regras do jogo político brasileiro, que por si sós acabam com qualquer messianismo político.
Um pouco de conhecimento histórico e político acaba com toda a fantasia criada em torno do “mito” Bolsonaro e do messianismo político. Quem vive verá!
Obs. 1Texto escrito em 05/12/2017, antes de toda e qualquer reportagem questionando os bens da família Bolsonaro. Aborda um tema muito caro aos historiadores: o messianismo político!
Obs. 2 Texto revisado em 2018.
Obs. 3 A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um teto para o aumento dos gastos públicos pelas próximas duas décadas foi aprovada pela Câmara dos Deputados em primeiro turno no dia 11/10/2016. A PEC do teto de gastos, proposta pelo governo federal, tem o objetivo de limitar o crescimento das despesas do governo. A medida fixa para os três poderes - além do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União - um limite anual de despesas. O problema dessa PEC está no fato de a sociedade a cada dia cresce mais em número de seus cidadãos e por isso, demanda mais serviços públicos de saúde, educação e etc., trazendo um grande déficit de investimento nas áreas sociais e atendimento aos mais pobres.