Errando para o pior
J.R.GUZZO
O BRASIL de hoje não é uma democracia; provavelmente nunca foi. É verdade que nos últimos trinta anos “a sociedade brasileira”, essa espécie de espírito santo que ninguém entende direito o que é, mas parece responsável por tudo o que acontece no pais, tem brincado de imitar Estados Unidos, Europa e outros campos virtuosos do mundo. A tentativas é copiar os sistemas de governo que existem ali nos quais as decisões públicas estão sujeitas à igualdade entre os cidadãos, às suas liberdades e à aplicação da mesma lei para todos. Os “brasileiros” responsáveis “, assim fingem que existem aqui “instituições” – uma Constituição com 250 artigos, três poderes separados e independentes uns dos outros, “ Corte Suprema”, direitos civis, “agências reguladoras”, ministérios publico e as demais peças do cenário que compõe uma democracia. Mas no presente momento nem a imitação temos mais – pelo jeito, os que mandam no Brasil desistiram de continuar com o seu teatro e agora não existe nem a democracia de verdade, que nunca tivemos, nem a democracia falsificada que diziam existir.
Como pode haver democracia num país em que onze indivíduos que jamais receberam um único voto governam 200 milhões de pessoas? Os ministros do Supremo Tribunal Federal, entre outras manifestações de onipotência, deram a si próprios o poder de estabelecer que um cidadão por ser do seu agrado politico, tem direitos maiores e diferentes dos demais. Fica pior quando se considera que sete desses onze foram nomeados, pelo resto da vida, por uma presidente da Republica deposta por 70% dos votos do Congresso Nacional e por um presidente hoje condenado a mais de doze anos de cadeia. Mais: seus nomes foram aprovados pelo Senado Federal do Brasil, uma das mais notórias tocas de ladrões existentes no planeta. Querem piorar ainda outro tanto? Pois não: o próximo presidente do STF será um ministro que foi reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de direito. Quando teve de prestar uma prova destinada a medir seus conhecimentos de direito, o homem foi considerado incapaz de assinar uma sentença de despejo; daqui a mais um tempo vai presidir o mais alto tribunal de Justiça do Brasil. Outro ministro não vê problema nenhum em julgar causas patrocinadas por um escritório de advocacia no qual trabalha a própria mulher. Todos, de uma forma ou de outra, ignoram o que está escrito na Constituição; as leis que valem para eles, são as leis que acham corretas. Democracia?
Democracia certamente não é. A população não percebe isso direito e a maioria, provavelmente, não ligaria muita coisa se não percebesse. Vale o que parece, e não o que é – o que importa é a “percepção”, como se diz. Como escreveu Dostievski, a melhor maneira de evitar que um presidiário fuja da prisão é convence-lo de que ele não está preso. No Brasil as pessoas estão mais ou menos convencidas de que existe uma situação democrática por aqui; há muitos defeitos de funcionamento, claro, mas temos um sistema judiciário em funcionamento, o Congresso está aberto e há eleições a cada dois anos, a próxima delas daqui a sete meses. Os analistas políticos garantem que o regime democrático brasileiro “esta amadurecendo” . Quanto mais eleições , melhor porque é votando que o “povo aprende”. A solução para as deformações da democracia é “ mais democracia”. “ O eleitorado sempre acerta “.e por ai segue essa conversa, com explicação em cima de explicação, bobagem em cima de bobagem, enquanto a vida vai ficando cada vez pior.
Não ocorre a ninguém, entre os mestres, comunicadores e influencers que nos ensinam diariamente o que devemos pensar sobre os fatos políticos, que um fruto que esta amadurecendo há trinta anos não pode resultar em nada que preste. Como poderia , depois de tanto tempo? A cada eleição, ao contrário da lenda, os eleitores ficam piores. Esse Congresso que está aí, no qual a metade dos deputados e senadores tem algum tipo de problema com a Justiça, é o resultado das últimas eleições nacionais. De onde saiu a ideia de que as coisas vão melhorando à medida que as eleições se sucedem? Do poder Executivo, então, é melhor não falar nada. Da última vez que o povo soberano foi votar em 2014, elegeu ninguém menos que Dilma Roussef e Michel Temer, de uma vez só, para a Presidência da Republica. Esta na cara, para quer não quer complicar as coisas que o “povo” não aprendeu nada dos anos 80 pra cá. Esta na cara que o povo, ao contrario da fantasia intelectual, não apenas erra na hora de escolher, erra cada vez pior.
Para ficar em apenas um caso de depravação politica epidêmica, tipo dengue ou zika, é só olhar durante um minuto para a população do Rio de Janeiro, em eleições livres e populares, escolheu para governar seu estado e sua cidade nos últimos trinta anos. Eis a lista: Leonel Brizola, Anthony Garotinho, a mulher dele, Benedita da Silva, Sergio Cabral (possivelmente o maior ladrão da história da humanidade) , Eduardo Paes e, não contente com tudo isso, um individuo que se faz chamar de “Pézão”.Assim mesmo, “Pézão”, sem nome nem sobrenome, como jogador de futebol do Olaria de tempos passados. Que território do planeta conseguiria sobreviver à passagem de um bando desses pelo governo e pela tesouraria pública? É obvio que tais opções, repetidas ao longo de trinta anos, têm consequências praticas. O Rio de Janeiro de hoje, com sua tragédia permanente, é o resultado direto de uma democracia que faliu de ponta a ponta. Em vez de garantir direitos, liberdades e ordem, gera apenas governos criminosos e destruidores – acabou, enfim, na entrega da segunda maior cidade do Brasil a assassinos, assaltantes e traficantes de droga. São eles que mandam na população. A lei brasileira não vale no Rio.
Não pode existir democracia sem a expectativa, por parte das pessoas, de que a lei vai ser aplicada – pois só assim seus direitos poderão ser exercidos. Como falar de democracia num país com mais de 60.000 homicídios por ano., dos quais menos de 5% são investigados e punidos? Mais de 60.000 assassinatos num ano são uma agressão tão clara a democracia quanto um tanque de guerra para tomar o palácio do governo, aqui são considerados um “ problema social” pelos democratas progressistas, ( a solução sugerida pela oposição, e levada a sério por gente de grande intelecto, é acabar com a PM; acham que sem a policia o crime vai diminuir.) A verdade é que o atual regime brasileiro não consegue dar ao cidadão brasileiro nem sequer o direito à própria vida – um mínimo dos mínimos, em qualquer país do mundo . Não se asseguram os direitos de propriedade , de ir e vir, de integridade física. Não se assegura coisa nenhuma – só a punição para quem o Estado acha que lhe está lhe devendo 1 centavo de imposto, ou deixando de cumprir algum item nos milhões deles que uma burocracia tirânica e irresponsável multiplica como ratazanas, “ Constituição Cidadã”? Só a ideia já é uma piada.
Não da para falar em democracia no Brasil, além do mais, quando se verifica que tantas das nossas leis mais importantes e sagradas se destinam a estabelecer diferenças entre os cidadãos. Ou seja: os que mandam no país passam a vida criando leis, regras e mandamentos que anulam cada vez mais o princípio universal de que “ todos são iguais perante a lei”. Aqui não todos são oficialmente desiguais. Isso é resultado da prática de criar “direitos” para todos que nunca foram para todos – ao contrário, são para poucos e não são direitos, e sim privilégios. Essa trapaça vem desde a Constituinte, e nunca mais parou. Aprovam-se “como direitos populares” vantagens abertamente dirigidas a grupos organizados, que tem proteção politica e podem pressionar o Congresso. Depois quando fica evidente que esses benefícios precisam ser revistos para não arruinar o bolso da população em geral, que tem de pagar em impostos cada centavo da conta, cai o mundo: “ Estão querendo tirar os direitos do povo”. Que “povo”? Povo coisa nenhuma. É justamente o contrário. O brasileiro comum se aposenta com cerca de 1.200,00 reais por mês, em média, não importando qual tenha sido o seu último salário. O funcionário público, por lei, se aposenta com o salário integral; hoje, na média está em 7500 mensais. Os peixes graúdos levam de 50.000 mensais para cima. São cidadãos desiguais e com direitos diferentes.
É uma perfeita palhaçada, também falar em igualdade quando existem no Brasil aberrações como o “foro privilegiado” ou a “imunidade parlamentar”. Os “ constitucionalistas” falam em independência de poderes, garantias para a liberdade politica, segurança para a democracia etc. Não é nada disso. É pura safadeza enfiada na Constituição por escroques, de caso pensado, para proteger a si próprios do Código Penal. Essa mentira não protege só os políticos. Estendesse também a juízes, procuradores e ministros dos tribunais de Justiça: ao contrário de todos os demais brasileiros, eles podem cometer crimes de qualquer tipo, da corrupção ao homicídio, sem ser julgados perante a lei. O pior que pode lhes acontecer é serem aposentados – com salário integral. Naturalmente, todos dizem que não é bem, assim, pois teoricamente, pelo que está escrito, eles têm de prestar contas dos seus atos, alguns, inclusive estão sujeitos a impeachment, imaginem só. O que dá para dizer a respeito é que teoricamente o homem também pode ir a Lua. Só que não vai.
Não existe democracia quando os governos são escolhidos por um eleitorado que tem um dos piores níveis de educação do mundo – em grande parte é um povo incapaz de entender direito o que lê, as operações simples de matemática, ou as noções básicas do mundo em que vive. O que pode sair de bom disso ai? O cidadão precisa passar num exame para guiar uma motocicleta ou trabalhar num caixa de supermercado. Para tirar o titulo de eleitor, com o qual elege o Presidente da República, não precisa de nada. Pode, aliás, ser analfabeto. Eis aí o Brasil como ele é. Em vez de garantirem as reais liberdades politicas do brasileiro fazendo com que ele aprenda a ler, escrever e contar, nossos criadores de direitos resolvem a diferença entre os instruídos e ignorantes dando o voto ao analfabeto. Mais: tornam o voto obrigatório e garantem assim, que no dia da eleição compareçam todos os habitantes dos seus currais, cujos votos compram com a doação de dentaduras e com anúncios de felicidade instantânea na televisão – pagos, por sinal com seu dinheiro.
Não existe nenhuma democracia no mundo que seja assim.