O circo, os palhaços e o show de horrores
O último domingo (17/04/16) realmente ficará para a história, mas não por causa da aprovação do encaminhamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff, e sim pelo verdadeiro espetáculo circense promovido pelos deputados federais. Assisti integralmente à votação, num misto de vergonha alheia e de tristeza por constatar que a Câmara Federal é exatamente o retrato do povo brasileiro em suas mais diversas facetas.
No geral, não vi ali o julgamento do mérito de uma denúncia de cunho administrativo e jurídico, amplamente debatida por juristas e, ao que parece aos olhos do bom senso, cabível a praticamente todos os administradores públicos dos últimos tempos. As tais pedaladas, ainda que questionáveis no campo da responsabilidade fiscal, não seriam motivos para um pedido de impeachment, senão grande parte dos governantes do Brasil teria que ser impedida igualmente. A propósito, já existe na Câmara um pedido de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer pelos decretos que assinou sobre abertura de créditos suplementares quando esteve temporariamente respondendo pela Presidência. É o mesmo princípio.
O julgamento na Câmara foi apenas político, com direito a palhaçadas que nem o próprio palhaço-deputado Tiririca foi capaz de fazer no momento em que votou. Aliás, Eduardo Cunha presidindo a mesa diretora é uma piada pronta em qualquer língua! As justificativas, alôzinhos e beijinhos envolvendo parentes e amigos da maioria dos que votaram pelo “sim”, que merecidamente viraram motivos de chacotas e memes nas redes sociais da internet, é de uma leviandade que choca até quem gosta de besteirol de qualidade, como eu. Os cartazes com a inscrição “tchau, querida!” foram deboches indignos de representantes de um dos principais poderes da República.
Além disso, as inúmeras agressões verbais me fizeram ver que estamos muito longe de uma maturidade política na essência da palavra e na essência dos próprios ideais democráticos. Um dos piores momentos foi o do voto de Jair Bolsonaro (para mim, um dos nomes mais execráveis da política brasileira na atualidade), que homenageou o coronel Brilhante Ustra, apontado como um dos torturadores mais brutais da Ditadura Militar de 1964, tendo, inclusive torturado a própria Dilma (motivo da homenagem do pré-candidato a presidente do Brasil em 2018).
Não sou favorável ao impeachment pelos motivos apresentados no processo. Os argumentos são fracos, não reportam à gravidade dos crimes passíveis de tamanha punição. Mas também não sou um defensor do atual governo nem do seu principal partido de sustentação, o PT, ainda que reconheça e aplauda todos os projetos bem sucedidos nos últimos 12 anos, principalmente nas áreas de educação e ação social.
O que sei de verdade (e que tem me levado a refletir com responsabilidade) é que o momento político merece análises sérias e profundas para além das matérias tendenciosas e dos posts panfletários e marqueteiros dos dois lados. A crise ética que vivemos na política brasileira é, infelizmente, antiga, quase crônica. A crise econômica, também antiga e sazonal (testemunhei algumas ao longo dos últimos 30 anos, inclusive com inflação ultrapassando os 600% ao ano!), é diretamente consequência da primeira, somada a escolhas administrativas ruins.
O que vemos nos últimos tempos é mais do mesmo, com o sério agravante de que desta vez é possível ver chafurdando na velha lama um partido que antes de assumir o poder tinha no combate à corrupção a sua principal bandeira. Votei várias vezes em candidatos do PT e, em 1989, aos 19 anos, cheguei a comprar (e a literalmente vestir) a camisa do “Lula-lá”, acreditando em mudanças significativas de ação e mentalidade de governança limpa e comprometida com causas sociais populares. Por isso, sinto-me bastante decepcionado com tantos acordos inescrupulosos, ações nefastas e absolutamente antiéticas envolvendo o partido e seus aliados, agora inimigos mortais.
Apesar de tudo e todos, continuo a ter essencialmente uma “ideologia de esquerda” (com todas as críticas e ressalvas que tal expressão possa ter), marcada pelo respeito às diferenças e pela vontade de ver uma sociedade mais justa e igualitária. Também por isso quero esquecer o show de horrores que assisti no domingo.