O BRASIL E SUA ENDÊMICA CORRUPÇÃO
José Ribeiro de Oliveira
Não é exagero se dissermos que a corrupção é o maior problema da Administração Pública brasileira. Negar isto é olhar sem querer enxergar, é negar o obvio e corromper a consciência.
E como todo mal que nos atinge, para que possamos enfrentá-lo é necessário que o conheçamos bem e saibamos a sua dimensão, tracei alguns parâmetros e discussões sobre o tema, num duro momento de intensa reflexão, isolado fisicamente, mas uníssono aos demais brasileiros que igualmente a mim fazem a mesma indagação: como acabar com a corrupção?
Nós brasileiros, desde o início da nossa história, desenvolvemos hábitos e costumes que ao longo dos séculos foram enraizando e passando a fazer parte da nossa cultura, por vezes até elogiados como uma qualidade, valorados como sinônimo de inteligência, de sagacidade e de esperteza. O que dizer do “jeitinho brasileiro”, do “instituto da esperteza”, da “lei da vantagem” ou “lei de Gerson” e até mesmo do “jogo de cintura”?
Estes comportamentos evoluíram nos seus propósitos e, cultuados como atitudes consideradas “saudáveis” ou naturais peculiaridades do nosso povo, desenvolveram em nós um ligeiro desapego pela honestidade.
Sob a égide de tais institutos, fomos aos poucos construindo, mesmo disfarçadamente ou inconscientemente, uma espécie de corrupção, aquela que atinge o caráter do indivíduo e nele fica incubada, podendo a qualquer instante manifestar-se. É como se fosse um vírus que, mesmo presente no organismo, pode ou não revelar-se, assim acontecendo mais costumeiramente quando há uma queda do sistema imunológico. Esta espécie de corrupção, invisível, presente no caráter do indivíduo, poderá repentinamente aparecer diante de um interesse. É o que chamamos de corrupção moral, a primeira manifestação do desvio de caráter do homem, como pressuposto para que haja a corrupção material.
Uma vez instalada a corrupção moral, basta a motivação de um interesse, impulsionado por um dos institutos de que antes falamos, para dar ensejo a uma incidência geradora do espírito de desigualdade social.
Na defesa do interesse e movido por um querer vantajoso a qualquer custo, o indivíduo não só viola os princípios naturais de respeito e confiança recíprocos, como também estimula no outro, até por instinto natural de auto defesa, a adoção do mesmo comportamento. A partir de então, difunde-se uma cultura de comportamentos não convencionais, tornando inseguras as relações entre os indivíduos e, por conseguinte, desprezando o princípio da confiança e exigindo cada vez mais artificiosidades como garantia das relações interpessoais.
A questão não é de hoje comentada, já muito antes o notável jurista baiano Rui Barbosa, elucubrando sobre o assunto afirmou: “a desonestidade tomou tamanho corpo na sociedade brasileira que se tornou tolerada, fazendo com que o homem honesto tenha vergonha de demonstrar esta qualidade, e assim, ser visto como anormal”.
Para melhor entendimento da exposição do tema que propomos abordar, é relevante que recordemos um pouco da nossa história, com o cuidado de observarmos a nossa origem como Nação, a evolução social e política do Brasil, a nossa formação e as influências que recebemos das diferentes raças, de outros povos; mas, sobretudo, examinemos a importância de heranças metodológicas do Período Colonial, utilizadas como experiências para sustentar uma estrutura política e social eivada de vícios e discriminações. Para tanto, o Direito celebrado não era erga omnes, ou seja, as regras possuíam pessoalidade e a imperatividade das normas era diretamente vinculada à subjetividade do poder dominante, que o aplicava segundo o seu interesse e a persona envolvida. Tal como vemos ocorrer algumas vezes, nos nossos dias.
Sem passar em nenhum momento por transformações significativas de direcionamento; sem ideologias próprias e definidas; sem eleição de modelos a adotar, o Brasil sempre seguiu ao bote de improvisadas formas políticas, numa sucessiva mudança de rotas a cada troca de comando, sem que se estabelecessem ao longo desses séculos, diretrizes básicas e gerais que permitissem balizar políticas definidas de desenvolvimento econômico e social.
Nunca tivemos guerra; nunca experimentamos uma revolução propriamente dita, com ideais de transformação. Os movimentos que ocorreram no Brasil, desde o início da sua história, não passaram de manifestações de revolta, ações de segmentos descontentes por questões localizadas ou regionalizadas, muitas vezes estimuladas por oligarquias ou interesses pequenos, por isso todos sufocados pelo poder da força.
É bem verdade que tivemos alguns movimentos com justificativas plausíveis, impulsionadas por verdadeiros e justos sentimentos, porém, sem caráter geral, ou seja, não possuíam uma ideologia definida nem conscientização de luta por um ideal e, embora tivessem vindicação de conteúdo justo, traziam apenas os sentimentos dos setores prejudicados.
Em alguns casos, a bandeira levantada apresentava-se mais abrangente que as reais intenções dos movimentos. Como exemplo podemos mencionar a questão da independência que, nos seus primeiros ensaios, não traduzia exatamente o ideal de liberdade, mas tão somente uma manifestação de revolta em face do descontentamento dos mineradores com relação aos impostos cobrados pela Coroa e o tratamento que lhes era dispensado.
Os modelos de ontem ainda estão em vigor, garantidos pelos herdeiros políticos dos seus criadores.
O déficit social, a insuficiência econômica e a corrupção política de hoje, são resultados de uma ausência de programas e princípios básicos de gestão pública que deveriam ter sido estabelecidos e respeitados por quem quer que ocupasse o poder, mas que foram esquecidos pela política do imediatismo, do locupletamento, do nepotismo e da improvisação dos governos.
Na análise dos processos de atuação dos governos, ao longo desses séculos, podemos ver que cada um promove a realização da sua vontade, operando como gestor público segundo o seu particular interesse.
A falta de consistência dos programas e o crônico hábito de interrupção das ações pelos governos que se sucedem, acarreta incontestável prejuízo e não permitem alcançar os resultados prometidos ou esperados.
Estamos vivendo uma democracia ainda frágil e sem definida direção, recebida de mãos beijadas. Por isso, não podemos ficar extasiados e estáticos diante do presente, pois talvez não tivéssemos condições de conquistá-la por conta própria.
Entre nós, é costumeiro dizer-se que o brasileiro é um sujeito ordeiro. Concordo. Entretanto, se melhor analisarmos, diremos que somos na verdade cordeiros. O indivíduo ordeiro é aquele que obedece a ordem, consciente do seu teor, da sua legitimidade e finalidade. E ao obedecê-la faz um ligeiro exame crítico do seu conteúdo, submetendo-a ao crivo da legalidade e legitimidade, segundo a ordem jurídica regente. O cordeiro não tem esse entendimento, apenas acata o que lhe é determinado. Por favor, não estou generalizando!
O poder oriundo das porções individuais de toda uma sociedade é o poder genuinamente legítimo e as suas ideologias tendem a concretizar-se pela vontade legítima da maioria. Todavia, o exercício da democracia em sociedades não politizadas, tende a transformar-se em ditaduras brancas, ou seja, no domínio do poder oligárquico, hereditário e nepotista. Estas democracias costumam apresentarem-se aparentemente fortes, pois são sustentadas por grupos que se mantêm no poder por longos períodos e conseguem um verdadeiro revezamento estratégico que poda qualquer iniciativa de novas lideranças. Felizmente, temos visto que elas são duradouras, mas não são eternas.
Na sequência do nosso raciocínio, convoco o leitor para um breve resumo da nossa história, logo no primeiro capítulo, alertando-o para um exame sobre os aspectos que antes enfatizamos, especialmente quanto aos fatos Históricos do Brasil, quase sempre motivados pela corrupção ou por manipulação política, como cultura e como herança, dando ensejo a movimentos populares revoltosos, sempre demonstrando descontentamento pelos rumos das políticas implementadas, ou pela falta delas, de qualquer forma, quase sempre os mesmos segmentos da sociedade reivindicando os mais elementares direitos, que por certo não os alcançavam porque entre poucos se acumulavam.