O Rei Está Nu
O assassinato do Osama Bin Laden, pela nação que se declara o maior Estado democrático de Direito do planeta, impressionou o mundo, não somente pela barbárie, mas, também, pela comemoração carnavalesca de seus cidadãos, em flagrante exibição televisiva. O mundo ficou perplexo ao perceber a extrema semelhança do comportamento dos estadunidenses e dos árabes fundamentalistas por ocasião do ataque terrorista às torres gêmeas. Só que, da parte dos orientais, viam-se miseráveis radicais, ou mal instruídos, comemorando uma ação suicida, desesperada, contra a maior potência econômica do mundo. Já dos estadunidenses, não se esperava uma reação como a que ocorreu!
O sentimento de vingança, de justiça exercida pelas próprias mãos, sem qualquer respeito às convenções do Direito Internacional, praticada pelo dito maior exemplo de democracia contemporânea, mostrou, claramente, e mais uma vez, que a brutalidade e a barbaridade humanas não têm fronteira ideológica. Uma vergonha para uma sociedade que se ufana de sua “civilidade”. Um desrespeito e um desprezo contra todo o mundo civilizado. Fosse uma outra nação que praticasse um ato assim, à exceção de uma ou outra coligada, e eles já estariam tirando o máximo proveito, com intuitos estratégicos diversos, sob pretexto de violação da liberdade, da soberania, dos direitos humanos, etc.,etc.,etc....
Pelo que foi noticiado pela imprensa brasileira, resumidamente, uma Força da inteligência dos EUA invadiu a moradia do Bin Laden, numa cidade paquistanesa, e o executou desarmado, junto a amigos e familiares, sem conhecimento do governo do Paquistão e com potencial para enfrentar o exército deste país, caso houvesse uma reação do mesmo.
Por outro lado, comentaristas políticos, especializados no assunto, relacionaram o referido assassinato ao interesse eleitoreiro do Barak Obama, que saciaria a sede de vingança e de sangue do seu país, contra os terroristas árabes, nutrindo o sentimento nacionalista, em troca de votos futuros a seu favor.
Concomitantemente, a imprensa nacional noticiou, também, que a C.I.A declarou ter chegado àquela localidade, a partir de informações obtidas mediante torturas praticadas contra prisioneiros árabes do grupo Al Qaeda, tais como simulação de afogamento e privação do sono em até 180 horas.
A banalidade com que o presidente dos EUA , autoridades daquela nação, inclusive juristas de renome e a imprensa, em geral, proclamaram a execução de Bin Laden, foi de espantar, mais ainda, a nós, telespectadores, já perplexos.
A pergunta óbvia que qualquer ser pensante se faz, ao assistir tamanha insanidade, é: Se eles podem agir assim, quem mais pode, e, seguindo a mesma lógica e consideradas as devidas proporções, quais serão os desdobramentos de ações assim e até onde?
Se já fazemos vistas grossas às ações das polícias torturando, matando, utilizando algemas e transportando suspeitos, bem antes de serem condenados e, portanto, ilegal e arbitrariamente, o que mais devemos esperar depois da banalização das arbitrariedades insanas, como as que assistimos?
Todo o Direito moderno respalda-se na restauração do ser humano, seja ele quem for, sabendo nós que não foi fácil ao pensamento humano chegar até aqui, após profundas reflexões no curso da história da civilização, até a estruturação sócio-jurídica, não como mero instituto idealizado por um pai da pátria, benfeitor, casual, mas como fruto da ciência humana. Saímos, ao longo da nossa linha do tempo, da reação instintiva, passando pela vingança privada, pela vingança pública, chegando a um sistema avançado e complexo no julgamento dos conflitos e dos delitos humanos, com vistas aos aspectos biopsicossociais, incluindo, aí, os econômicos, com responsabilização de toda a sociedade, ora globalizada. Chegaremos ao ideal, quando formos capazes de procedermos esta acurada avaliação com a plena reintegração social do condenado.
Há a imperiosa necessidade de que um Estado democrático de direito assegure, sobre qualquer outro valor, os direitos fundamentais nos quais se alicerça, sob pena de se comprometer a democracia global e de revelar-se esta como um pretexto político e estratégico para a manipulação das massas desfavorecidas, quais sejam, o povo.
O Direito moderno, aplicado como ciência que é, divorcia-se das emoções e das paixões que, sabidamente, causaram tantas desgraças para a humanidade. Defende-se, com isto, e em qualquer hipótese, o direito ao devido processo, conduzido por tribunal competente, ainda que saibamos de ante-mão o provável resultado de um julgamento como o de Bin Laden. Mas, para tanto, há o Tribunal Penal Internacional da ONU. O Sadamm Houssein foi julgado e condenado pelas leis do seu próprio país, por um tribunal especial.
Como cidadão brasileiro e do mundo, não me senti confortável com a banalização com que trataram esta ação dos Estados Unidos. Estranho o que vem acontecendo e comprometendo a sanidade e o bom senso, em escala mundial. Os mais jovens, pela distância dos terríveis fatos marcantes da história humana, e mesmo por ignorância, estão sendo manipulados inconsequentemente, com imprevisíveis riscos futuros. Isto não é honesto e, com certeza, perverte o conceito de liberdade.
O rei está nu e parece que ninguém está percebendo. Por que?