A VIOLÊNCIA E A MIDIA
A VIOLÊNCIA E A MIDIA
A criminalidade e a violência no Brasil viraram banalidades. Pior, transformou-se num produto extremamente valioso para a mídia.
De dez programas que surgem nos meios de comunicações, oito repercutem os crimes do cotidiano; os outros dois aliciam os jovens para as futilidades, para o consumismo desordenado, a cultura tendencioso e para a violência, utilizando-se da sutileza de um tigre frente a sua caça.
Nós aprendemos a ouvir e repetir a expressão: “os jovens de hoje serão o futuro do Brasil”. Que futuro nos reserva esse quadro?
Por falta de políticas públicas direcionadas aos jovens de ontem, atualmente enchemos as nossas cadeias de adultos e as Funabens, de adolescentes. Por continuarmos esquecendo dos jovens de hoje, o que nos reserva o Brasil de amanhã?
São ilusórias e inconcebíveis as medidas a que recorremos para combater a problemática da violência e da criminalidade no Brasil. De quando em quando, se elabora uma lei agravando a penalidade das condutas criminosas, numa demonstração de desespero. E mesmo com fartas discussões e identificação das variantes sociológicas e criminológicas fortemente apontadas como fontes alimentadoras das raízes da violência e da criminalidade, como por exemplo: a pobreza; o desprezo pela política educacional; a ausência de projetos voltados especificamente para criança, para o adolescente e para o jovem em fase de ingresso na vida econômica; o retrato negativo de uma realidade desnudada, mostrando em cores os comportamentos reprováveis da classe política dirigente, em quem os jovens deveriam se espelhar, ainda assim, os convenientes e oportunistas de plantão insistem que o antídoto profilática contra o crime é o aumento da pena ou a diminuição da maioridade penal.
As medidas punitivas, por sua natureza, possuem dupla finalidade: no primeiro momento elas têm mesmo um condão expiador, punitivo, mas não se encerra com a punição, pois o que quer a convenção social é que o infrator se harmonize com as regras de convivência. A sanção, portanto, deve gerar no indivíduo uma conseqüência que lhe sirva de reflexão, que lhe faça repensar sobre os princípios e valores eleitos pela sociedade, e aqueles que escolheram, individualmente para adotar.
Deve ser posto em situação que lhe proporcione distinguir os benefícios e as desvantagens de viver ou não ajustado à ordem estabelecida. Para tanto, não é necessária uma exorbitância punitiva, mas uma inarredável certeza de que passará por esse processo.
É essa certeza que gera nos indivíduos o freio inibitório frente às possibilidades do desvio de conduta. Que gera nele esse sentimento, que entendemos como uma prevenção especial, introspectiva, e ao mesmo tempo promove, por reflexo, um temor àqueles que, de fora, enxergam o processo como um constrangimento pelo qual não deseja passar, ou seja, se espelham, a contrario senso, na conduta ideal. Dessa forma, entendemos que previne, de forma geral, a repetição da conduta proibida.
Por outro lado, há uma satisfação comum a toda sociedade: ver que as regras postas surtem seus efeitos, o que se traduz exatamente em segurança, segurança da ordem social, confiabilidade na ordem jurídica e, por conseguinte na credibilidade das instituições e fortalecimento do Estado Democrático de Direito, ou seja, tudo isso promove a institucionalização do Estado que queremos.
Entretanto, a nossa realidade não é esta. Os vícios políticos históricos, recheados de pessoalidades, conveniências particulares ou oligárquicas, minaram o ordenamento jurídico brasileiro de critérios assistemáticos, sob a égide do improviso, numa panacéia legislativa que torna enormemente difícil a sua compreensão, interpretação e, por via de regra, até mesmo de aplicabilidade.
Entre nós, uma inflação legislativa sem precedente e sem critério sistemático, despeja sob os ombros dos operadores do Direito, leis a granel, muitas vezes disciplinando, por mais de um diploma legal, um só comportamento. Noutras hipóteses, exagerando-se nas conseqüências da lei material, e por ouro lado, impossibilitando a sua aplicação pelo excesso de recursos postos à disposição do delinqüente. Sem contar com a complexidade processual que gera enorme confusão para definir competência da autoridade processante, ratione materie ou ratione personae, especialmente nas condutas que envolvem agentes políticos e agente públicos.
Tal modelo, talvez adredemente articulado, entusiasma a prática das condutas desviantes, vez que as incidências concretas não resultam em punição. E assim, a pena não alcança nenhum dos seus esperados efeitos. Não inibe o criminoso, pela certeza de que não cumprirá a pena, seja pelos benefícios da lei processual, seja pelas manobras da defesa, seja pela falha investigatória, seja pelas falhas na condução do processo, pela prescrição, e por ultimo, ainda que condenado, além de outros tantos benefícios processuais da fase de execução, possui ainda o benefício da fuga.
Estas situações têm contribuído significativamente para o aumento da violência que hoje nos apavora.
Sobre os direitos da criança e do adolescente, não se poderia dispor de melhor forma o que foi escrito na Carta Magna de 1988.
Veja como é perfeito o direito garantido à criança e ao adolescente, no Art. 227 da Constituição da Republica:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O sistema carcerário no Brasil é extremamente caro, ineficaz, medieval, corrompido, e só serve mesmo como escola do crime. Mas poderia ser transformada facilmente, se houvesse interesse político num lugar adequado para promover a finalidade da pena.
O Brasil tem cerca de 500.000 presos, possivelmente todos habilitados para o trabalho. Pesquisas realizadas nos presídios têm mostrado que os presos gostariam de exercer uma atividade produtiva enquanto cumprem suas penas. Primeiro porque obteriam o benefício da remição (desconto de um dia da pena a cada três dias trabalhados); segundo, passariam melhor o seu tempo de ergastulamento de uma forma mais amena, e o mais importante, exercitando uma convivência com o trabalho, com as relações humanas. Produziriam, com a sua força de trabalho, conforme qualificação profissional e habilidades individuais, bens e serviços suficientes para, em pouco tempo, custear o próprio sistema carcerário, reparar ou amenizar o dano causado com a conduta criminosa e ainda fazer uma reserva em poupança individual, para quando deixar a prisão. E é isso que diz a Lei Penal e a Lei de Execuções Penais Lei 7210/84.
Os resultados desse trabalho seria administrado pelo Estado, com a participação dos próprios presos, de forma que, ao final, todo o valor seria dividido em três partes iguais que teriam a seguinte destinação: a primeira parte seria fatiada entre os trabalhadores e depositada numa caderneta de poupança, para ser retirada ao tempo da sua pena; a segunda parte se destinaria a reparar ou minorar o dano material ou moral resultante do crime cometido; e por fim, o terceiro quinhão ficaria para custear o sistema prisional e aperfeiçoar as oficinas de trabalho.
Como se vê, os problemas sociais não se resolvem por meio de normas legais; se fosse tão fácil assim, bastava que o governo decretasse o fim do analfabetismo, da corrupção, do nepotismo, do tráfico de drogas, da prostituição infantil e tudo estaria resolvido.
Parece tola a colocação, mas é assim que os governos têm atuado ao longo dessas últimas décadas, na busca de soluções imediatas para problemas crônicos. Até medida provisória já foi editada recentemente, contrariando os pressupostos constitucionais de matéria relevante e urgente (Art. 62 da C.F.), para, atendendo a uma conjuntura política, acabar com a corrupção no jogo de azar (bingos).
A Lei de tóxico foi várias vezes modificada, numa tentativa de resolver o problema das drogas apenas com o aperfeiçoamento da norma jurídica. Que pena, ela tem sido cada vez mais favorável aos traficantes. Da mesma forma, em menos de dez anos, foram editadas duas leis para disciplinar a questão da arma de fogo. A ultima delas podemos dizer que em nada modificará o quadro, pelo contrário, só criou embaraço para o homem de bem.
A inafiançabilidade trazida pelo novo Estatuto do Desarmamento não significa o agravamento da conduta, conforme pretendido. A medida, mais parece uma maquiagem para os olhos britânicos, pois o Código de Processo Penal, Art. 310, Parágrafo Único, utilizado subsidiariamente para o procedimento criminal daquelas incidências, permite a liberdade provisória sem fiança para o agente que for autuado por porte ilegal de arma, ou seja, ele não pagará mais a fiança e nem ficará preso.
No âmbito da mais grave das situações encontra-se a violência e a criminalidade praticada pelos menores de idade. É nessa questão que reside a maior preocupação, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como diversos outros estatutos jurídicos importantes, não vem alcançando a sua finalidade, em face da ausência de estrutura das instituições públicas que atuam nesse âmbito.
A bem da verdade que as autoridades públicas têm se esforçado de toda sorte para aplicar a lei especial, mas o cotidiano nos mostra que a questão dos menores tornou-se um ciclo vicioso, e as medidas ministradas se transformaram em contribuição para o agravamento da situação, vez que não existem lições verdadeiramente voltadas para a reeducação e nem são efetivadas as medidas protetivas previstas na Lei Específica.
O que vemos atualmente são as unidades de internação lotadas, sem nenhuma diferença do tratamento dado ao adulto nas prisões comuns.
A prática diária nos mostra a Polícia apreendendo adolescentes por atos infracionais graves e encaminhando-os para o Juizado da Infância e da Juventude.
Por falta de lugar para colocá-los ou em razão da natureza do ato infracional, estes menores, quase sempre, são entregues aos responsáveis, em alguns casos, beneficiados pela remição, o que também significa a liberdade do infrator, sem que haja um acompanhamento desse indivíduo, que novamente volta a cometer atos infracionais, a polícia torna apreendê-lo, encaminha novamente ao Juizado, em pouco tempo retorna à liberdade, volta a incidir na mesma prática, repete-se a apreensão e assim a violência continua até completar a maioridade.
Alcançando a maioridade, este indivíduo, que teve a sua infância marcada pelo envolvimento com o submundo do crime, têm apagado todo esse passado. Que bom seria se ele não mais retornasse a esse envolvimento. Mas isso não ocorre. A lei não é clara quanto a isso e os tribunais e a doutrina não se ajustaram para indicar o que fazer com o adolescente infrator que comete crimes graves e logo após alcança a maioridade. Como se daria o rito processual? Onde deveria cumprir a medida imposta para o indivíduo já maior de idade e que ainda não pagou pelo ato infracional cometido quando menor?
Certo é que, alcançada a maioridade, o infrator já possui um currículo enorme de situações de violência que o habilita à prática de qualquer conduta criminosa. Daí então, ingressa nos grupos de criminosos mais perigosos, tornando-se uma potencialidade do submundo do crime.
Por isso, os adolescentes vem há muito sendo recrutados pelo crime e se transformando num problema social sério.
Nos aflita este cotidiano de convivência com a criminalidade envolvendo menores, sem nenhuma expectativa de mudança desse quadro.
Quem imaginou que os jovens, em quem depositamos todas as esperanças de melhores dias, viessem tornar-se um problema? Pois é, veio!? Por que? Porque esquecemos deles.
Qual a solução para o problema? Primeiro que tudo urge a inclusão dos jovens nas políticas públicas traçadas pelos governos. Após isto, é preciso estruturar as instituições para que possam dar cumprimento integral às medidas preventivas e socioeducativas conforme prevê o Estatuto Menorista.
É oportuno lembrar, que todas essas medidas estão brilhantemente expressas na Constituição da República. Então por que não se cumpre? Resposta: porque, no Brasil, as leis são editadas e apresentadas à sociedade, como se lança a rede ao mar. Ou seja, podem ou não pegar.
José Ribeiro de Oliveira,
Delegado de Polícia,
Titular da Delegacia do
Adolescente Infrator-Itz./MA.