Um quebra-cabeça chamado 'texto literário'

Quando eu era criança, adorava brincar com os jogos de quebra-cabeças*. Passava horas a fio tentando montar a imagem que aparecia em cada foto ou desenho. Ao terminar a montagem, via o resultado com um misto de realização e maravilhamento.

A lembrança das peças dos quebra-cabeças, espalhadas sobre a mesa, me suscitou uma analogia aos textos literários que escrevo. E, imagino, aos de todos os escritores.

Um texto a ser escrito não aparece a mim, semelhantemente àquele endereçado aos âncoras de um telejornal, por meio do teleprompter.

Às vezes, vem-me, primeiramente, sob a forma de um tema ou de um título. Por outra, por meio de uma frase. Algumas vezes, apenas com um final (e apoteótico!). E imagino que esse processo deve ser comum a muitas pessoas que se dedicam à Arte de Escrever.

Dificuldade à parte na elaboração de um texto literário, afinal de contas, o que é um texto literário? "É uma construção textual de acordo com as normas da literatura, com objetivos e características próprias, como linguagem elaborada de forma a causar emoções no leitor”.**

“Causar emoções ao leitor”! Este é o objetivo máximo de um texto literário!

E de que forma é possível suscitar emoções aos leitores?

Os textos são compostos por palavras, que, reunidas, formam frases, pensamentos, reflexões. As palavras, por conseguinte, e por analogia, são as peças que vão compor o ‘quebra-cabeça literário’.

Cada palavra, por sua vez, tem uma definição própria (encontrada nos dicionários) e, por esta característica intrínseca, deve ser usada com propriedade.

Ciente deste detalhe, o autor, ao montar seu quebra-cabeça textual, sabe que a ‘imagem’ final só poderá se mostrar como a imaginou, e como poderá ou deverá impressionar aos leitores, se as peças, as palavras, se encaixarem perfeitamente.

Se, por um lado, o autor, ao contrário do tradicional jogo, não tem uma foto, um desenho como um norte para a composição da imagem textual, o que torna a elaboração de um texto uma tarefa mais difícil, mais demorada, mais complexa, ele tem (ou deveria ter), um cabedal suficiente de conhecimento, de domínio da língua pátria, aliado a uma cultura geral significativa. E, também, o significado mais abrangente da palavra ‘imagético’, que, se em seu sentido literal significa ‘que se exprime por imagem’, porém, no sentido figurado significa ‘que revela imaginação’.

O autor de um texto, portanto, ao montar o ‘quebra-cabeça textual’, tem à sua disposição o domínio da Língua, a cultura geral e a imaginação. Essas são as suas peças básicas da estrutura, do lineamento textual.

No que diz respeito ao domínio da Língua, ele deve ter ‘intimidade’ com as palavras, com o significado de cada palavra, cuja fonte de definição é encontrada nos dicionários. Cada palavra tem um significado específico e um peso ou leveza peculiar, hábil a expressar a mensagem do autor e, com isso, impressionar os leitores.

Ao trazer à luz pública um texto, seu autor deve ter em mente a natureza da mensagem, e de sua própria emoção, enquanto produtor dessa mensagem. Que tipo de emoção ele pretende causar nos leitores? Que tipo de produção literária ele está compondo: artigo, crônica, conto, pensamentos...? Que emoções ele pretende extrair dos leitores: reflexões, circunspecção, alegria, nostalgia, transcendência...?

As palavras de um texto do gênero lírico, por exemplo, que é um texto pelo qual “o autor revela suas impressões ligadas ao mais profundo ‘eu’, extravasando emoções e sentimentos pela expressão verbal rítmica e melodiosa”***, não podem ser as mesmas de um artigo onde ele expressa uma crítica social.

Nesse sentido, observem-se, em negrito, as palavras utilizadas pelo poeta Romântico  Casimiro de Abreu, em um dos seus mais conhecidos poemas, ‘Meus Oito Anos’:****

Oh! que saudades que eu tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras/ À sombra das bananeiras,/ Debaixo dos laranjais! (...) Que auroras,/ que sol, que vida,/ Que noites de melodia/ Naquela doce alegria,/ Naquele ingênuo folgar!/ O céu bordado d’estrelas,/ A terra de aromas cheia,/ As ondas beijando a areia/ E a lua beijando o mar!...

E, agora, as empregadas pelo poeta Realista Max França da Paz, no poema Delírios de um inocente:*****

Delírios de um inocente/ Felizes são os realistas/ Sempre tão pessimistas/ Na vida decadente./ (...) Sentimentos nocivos de um ser/ Um idiota incompreendido/ Que vivi perdido/ Em suas inconstantes dores./ (...) A vida é feita desses delírios/ Que nos mata aos poucos/ Como belos tolos/ Que acreditam que o amor é belo como os lírios.

Em ambos os poemas as palavras se encaixam perfeitamente, expressando os sentimentos característicos de cada Escola Literária e, desta forma, resultando um quebra-cabeça, formado por linhas pretas numa superfície branca.

E assim, nasce um texto literário que, a partir de sua publicação, deixa de pertencer exclusivamente ao seu autor e, ao ser lido por um público indistinto, nele gera as mais variadas emoções, próprias deste ser multifacetado, chamado de... humano!

* A origem do quebra-cabeça (puzzle, em Inglês) se deu em 1760 e, em geral, dá-se o crédito da invenção a um cartógrafo inglês de nome John Spilsbury. Ele criou um mapa sobre madeira e cortou os países em suas fronteiras. O resultado disso foi um brinquedo didático que tinha o objetivo de ajudar as crianças a aprender mais sobre Geografia.

**  https://www.significados.com.br/texto-literario/

***  https://www.portugues.com.br/literatura/generolirico.html

**** https://www.pensador.com/frase/MjAwODg3/

***** https://www.pensador.com/poemas_realistas/

Sergio Diniz da Costa - jornalculturalrol@gmail.com