A propósito da Capsula aterrada em Júpiter

JUPITER E OUTROS MUNDOS

Revista Espírita de Março de 1858

Allan Kardec

Antes de entrar em detalhes das revelações que nos fizeram os Espíritos sobre o estado dos diferentes mundos, vejamos a que consequências logicas poderemos chegar por nós mesmos e pelo simples raciocínio. Reportemo-nos à escala espírita que demos no numero anterior; às pessoas que estiverem desejosas de se aprofundar seriamente esta nova ciência recomendo o estudo cuidadoso daquele quadro e sua compenetração do mesmo, pois aí encontrarão a chave de mais de um mistério.

O mundo dos espíritos é composto das almas de todos os humanos desta Terra e de outras esferas, desprendidas dos liames corpóreos; do mesmo modo todos os humanos são animados por Espíritos neles encarnados. Há, pois solidariedade entre esses dois mundos: terão os homens as qualidades e as imperfeições dos Espíritos com os quais estão unidos; os Espíritos serão mais ou menos bons ou maus conforme o progresso que hajam feito durante sua existência corpórea. Estas poucas palavras resumem toda a doutrina. Como os atos dos homens são produtos de seu livre arbítrio, conservam eles o cunho da perfeição ou imperfeição do Espírito que os solicita. Ser-nos-á, pois fácil fazer uma ideia do estado normal de um mundo qualquer, conforme a natureza dos Espíritos que os habitam; de algum modo podemos descrever sua legislação, traçar um quadro de seus costumes, de seus usos, de suas relações sociais.

Suponhamos, então um globo habitado exclusivamente por Espíritos de nossa classe, Espíritos impuros e para aí nos transportemos em pensamento. Veremos todas as paixões desencadeadas e sem freios; o estado moral no último degrau do embrutecimento; a vida animal em toda sua brutalidade, falta de laços sociais, porque cada um vive e age apenas para si e para a satisfação de seus grosseiros apetites; aí reina o egoísmo como soberano e arrasta no seu cortejo o ódio, a inveja, o ciúme, a cupidez e o assassínio.

Passemos agora a outra esfera onde se encontrem Espíritos de todas as classes da terceira ordem; Espíritos impuros, levianos, pseudo -sábios , neutros. Sabemos que em todas as classes dessa ordem predomina o mal; mas sem ter a ideia do bem, a do mal decresce à medida que se afastam da última classe. O egoísmo é sempre o móvel principal das ações mas os costumes são mais suaves a inteligência mais desenvolvida os ; o mal ai esta um pouco disfarçado, paramentado e mascarado. Estas mesmas qualidades engendram outro defeito – o orgulho; pois as classes mais elevadas são suficientemente esclarecidas e tem consciência de sua superioridade, mas não o são bastante para compreenderem aquilo que lhes falta. Daí sua tendência à escravização das classes inferiores ou das raças mais fracas, que mantem sob seu jugo. Como não tem o sentimento do bem, tem apenas o instinto do eu e põem a inteligência ao serviço de suas paixões. Numa tal sociedade, se dominar o elemento impuro, esmagará o outro; caso contrário, os maus procurarão destruir os seus adversários; em todo caso haverá luta, luta sangrenta, de extermínio, porque são dois elementos que tem interesses opostos. Para proteger os bens e as pessoas haverá necessidade de leis; mas estas serão ditadas pelo interesse pessoal e não pela justiça; serão feitas pelo forte, em detrimento do fraco.

Suponhamos agora um mundo onde , entre os elementos maus que acabamos de ver, encontrem-se alguns da segunda ordem: então em meio à perversidade veremos aparecerem algumas virtudes. Se os bons forem minorias, serão vitimas dos maus; à medida, porem, que se acentua seu predomínio, a legislação torna-se mais humana, mais equitativa e a caridade cristã deixa de ser para todos letra morta. Desse mesmo bem nascerá outro vicio. A despeito da guerra incessante dos maus contra os bons, não podem evitar de se estimarem no seu foro intimo; vendo o ascendente da virtude sobre o vicio e não tendo força nem vontade de a praticar, procuram parodiá-la; tomam a sua máscara; daí os hipócritas, tão numerosos em toda sociedade onde a civilização é ainda imperfeita.

Continuemos nossa viagem através dos mundo e paremos neste que nos dará um pouco de repouso do triste espetáculo que acabamos de assistir. É habitado só por Espíritos de segunda ordem. Que diferença! O grau de depuração já atingido lhes exclui qualquer pensamento mau e isto é o bastante para nos dar uma ideia do estado moral dessa terra feliz. A legislação aí é muito simples, pois os homens não tem necessidade de defender-se uns contra os outros; ninguém quer mal ao próximo, ninguém se apropria do que não lhe pertence ninguém procura viver com prejuízo de seu vizinho. Tudo respira benevolência e amor; os homens não se procuram prejudicar; não existe ódio absolutamente; o egoísmo é desconhecido e aí a hipocrisia não teria objetivo. Aí não reina a igualdade absoluta porque esta pressupõe uma perfeita identidade de desenvolvimento; nesse mundo, pois, haverá desigualdade, porque uns serão mais adiantados que outros; mas como entre todos só há o pensamento do bem, os mais adiantados não compreendem absolutamente o orgulho nem outros a inveja. O inferior compreende o ascendente do superior e se submete, porque tal ascendente é puramente moral e ninguém disso se serve para oprimir os outros.

As consequências que tiramos deste quadro, posto que apresentadas de maneira hipotética, não são menos razoáveis e cada um pode deduzir o estado social de um mundo qualquer, conforme a proporção dos elementos morais de que o supomos constituído.

De todos os planetas o mais adiantado em todos os sentidos é Júpiter. É o relato exclusivo do bem e da justiça, porque só tem bons espíritos. Podemos fazer uma ideia do estado feliz de seus habitantes pelo quadro que demos de um mundo habitado apenas por espíritos da segunda ordem.

A superioridade de Júpiter não só no estado moral dos seus habitantes: é também na sua constituição física. Eis a descrição que nos foi dada desse mundo privilegiado, onde encontramos a maior parte dos homens de bem que honraram nossa Terra com sua virtude e com seu talento.

A conformação do corpo é mais ou menos a mesma que aqui, mas é menos material, menos denso e de um peso especifico muito pequeno. Enquanto nós rastejamos penosamente na Terra, o habitante de Júpiter se transporta de um a outro lugar, deslizando pela superfície do solo, quase sem fadiga, como pássaro no ar ou o peixe na agua. Sendo mais depurada a matéria de que é formado o corpo, dissipa-se após a morte, sem ser submetida à decomposição pútrida. Ali não se conhecem a maioria das moléstias de todo gênero e na devastação das paixões. A nutrição está em relação com essa organização eterizada; não seria suficientemente substancial para nossos estômagos grosseiros e a nossa seria demasiada pesada para eles; é composta de frutas e plantas, aliás, colhidas no no meio ambiente cujas emanações nutritivas eles aspiram. A duração da vida é proporcionalmente muito maior que na Terra; a media equivale a cerca de cinco de nossos séculos. O desenvolvimento é também muito rápido e a infância ai dura apenas meses.

Sobe esse envoltório leve os Espíritos de depreendem facilmente e entram em comunicação recíproca apenas pelo pensamento sem contudo excluir a linguagem articulada; também a segunda vista lhes é faculdade permanente. Seu estado normal pode ser comparado ao de nossos sonâmbulos lúcidos; e é isso que eles se nos manifestam mais facilmente que os que estação incarnados em mundos mais grosseiros e mais materiais. A intuição que tem do futuro, a segurança dada por uma consciência isenta de remorsos, fazem que a morte não lhes cause nenhuma apreensão; vêm-na chegar sem medo e como uma simples transformação.

Os animais não estão excluídos desse estado progressivo posto não se aproximem do homem, mesmo em relação ao físico; seu corpo, mais material, está preso à gleba, como os nossos; a estrutura de seus membros submete-se a todas as exigência do trabalho; são encarregados da execução de obras manuais; são os servos e os operários; as ocupações do homem são puramente intelectuais. Para eles o homem é uma divindade, mas uma divindade tutelar, que jamais abusa de seu poder para os oprimir.

Os Espíritos que habitam Júpiter geralmente se comprazem, quando querem comunicar-se conosco, em descrever seu planeta; e quando lhes perguntamos a razão respondem que o fazem a fim de nos inspirarem o amor do bem de par com a esperança de lá chegarmos um dia. Foi com este proposito que um deles, que viveu na Terra com o nome de Bernard Palissy, célebre oleiro do século XVI, tentou espontaneamente, e sem que ninguém lhe pedisse, uma série de desenhos, tão notáveis por sua originalidade quando pelo talento de execução, destinados a nos dar a conhecer, seus menores detalhes, esse mundo tão estranho e tão novo para nós.

Uns retratam personagens, animais, cenas da vida privada; os mais admiráveis. Entretanto, são os que representam habitações, verdadeira obras primas, de que coisa alguma na Terra nos poderia dar uma ideia, pois não se assemelham a nada que conhecemos. É um gênero de arquitetura indescritível, tão original e entretanto tão harmoniosa, de uma ornamentação tão rica e tão graciosa, que desafia a mais fecunda imaginação. Victorien Sardou, jovem literário e dos nossos desenhistas, lhe serviu de intermediário. Palissy prometeu-nos uma serie que, de certo modo, será uma monografia ilustrada sobre esse mundo maravilhoso . Esperamos que essa original e interessante coletânea, sobre a qual falaremos em artigos especial, consagrado aos médiuns desenhistas, um dia poderá ser entregue ao público.

O planeta Júpiter, a despeito do quadro sedutor que nos foi dado, não é, entretanto o mais perfeito dos mundos superiores, quer física, quer moralmente, e cujos habitantes gozam de felicidade mais perfeita: lá está o repouso dos Espíritos mais elevados, cujo envoltório etéreo nada mais tem das propriedades conhecidas da matéria.

Já muitas vezes nos tem perguntado se pensamos que a condição do homem aqui é um obstáculo a que pudesse passar, sem intermediário da Terra a Júpiter. A todas as perguntas relativas à doutrina espírita jamais respondemos por nossas próprias ideias, contras as quais sempre estamos em guarda.

Limitamo-nos a transmitir o ensino que nos é dado e que não aceitamos levianamente e com irrefletido entusiasmo. À pergunta acima respondemos claramente, porque tal é o sentido formal de nossas instruções e o resultado de nossas próprias observações: SIM, deixando a Terra, o homem pode ir imediatamente a Júpiter, ou a um mundo análogo, pois este não é único na sua categoria. Pode haver certeza disto? : NÂO. Ele poderá ir, pois existem na Terra porém, em número exíguo , Espíritos muitos bons e bastante desmaterializados para se não sentirem deslocados num mundo onde o mal não tem entrada. Não há certeza, porque pode haver uma ilusão quando ao mérito pessoal e, por outro lado, podem ter alhures outra missão a cumprir. Os que podem esperar esse favor seguramente nem são os egoístas e ambiciosos, nem os avarentos e ingratos, nem os invejosos e orgulhosos, nem os vaidosos e hipócritas, nem os sensuais ou qualquer daqueles que se deixaram dominar pelo apego às coisas terrenas. A estes talvez ainda sejam precisas longas e rudes provas. Isto depende de sua vontade.

ANEZIO
Enviado por ANEZIO em 07/07/2016
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