BANDARRA\: POETA E PROFETA DE TRANCOSO (PORTUGAL), UM PENSAMENTO DA ACTUALIDADE
PERSONALIDADES DE TRANCOSO
GONÇALO ANES , O BANDARRA
E
SUAS TROVAS
As Trovas ou Profecias de Bandarra , aliás, António Gonçalves Annes, aliás Gonçalo Anes, o Bandarra, constituem hoje ainda uma das referências históricas e culturais de Trancoso mas que ultrapassou as fronteiras desta cidade histórica e das próprias Beiras para se expandir num universo desde Portugal, ao Brasil ou à Europa, mas que na terra lusa continuam vivas no imaginário e na literatura das pessoas, dos historiadores e investigadores.
Bandarra era poeta e sapateiro nascido por volta do ano de 1500 em Trancoso, compos as suas Trovas, de cariz messiânico, entre 1530 e 1540 e terá falecido, provavelmente, em 1556.
Foram de facto as suas “Trovas” também conhecidas por "Profecias de Bandarra", (proibidas pela Inquisição e só publicadas em 1603) que o celebrizaram e que, segundo alguns autores, “constituíram o ponto de partida para a mais importante tradição messiânica portuguesa, o Sebastianismo”.
Foram dedicadas a D. João de Portugal, Bispo da Guarda A obra denota que Bandarra era grande conhecedor do Antigo Testamento da Biblia que interpretou à sua maneira .
Valeu-lhe isso a perseguição movida pelo Santo Ofício ou Inquisição que o acusou de Judaísmo e suas Trovas, então, proibidas tendo em conta o interesse que despertaram no seio dos Cristãos-Novos ( ou Judeus mesmo, que exteriormente se mostravam convertidos mas que no seio familiar continuraram a sua fé, costumes e ritos hebraicos).
D. João de Castro, por cuja iniciativa foram publicadas as Trovas, referiu que “muitos dos judeus trazem mui empapeladas muitas profecias nossas por amor das grandes venturas que prometem parecendo-lhes que são as que eles esperam. No número das quais saem as do Bandarra”.
Em 1541, o poeta de Trancoso foi julgado pelo Tribunal do Santo Ofício que o condenou a uma pena (foi obrigado a participar na procissão do auto-de-fé, nunca mais interpretar a Bíblia ou escrever sobre assuntos teológicos) e retornou a Trancoso onde veio a falecer.
João Bilbiz e João Lopes são referidos no processo movido pela Inquisição contra Bandarra, além de encontros ou reuniões que manteve com grupos de cristãos-novos em Lisboa e em Trancoso.
No ano de 1603, a Trovas do Bandarra foram pela primeira vez impressas, em Paris, por obra de D. João de Castro (Paráfrase e Concordância de Algumas Profecias de Bandarra, Sapateiro de Trancoso), publicadas em Nantes (França) ,pela segunda vez, em 1644 por Guilletmot de Monnier (Impressor do Rei)e em 1809 em Barcelona, na altura das Invasões Francesas.
De forma manuscrita e em diferentes versões, as Trovas de Bandarra circularam ao longo dos séculos até aos nossos dias, mas também de forma oral .
«Gentios como pagãos /
Os Judeos serão Christãos, /
Sem jamais haver error /
Servirão um só Senhor /
Jesu Christo, que nomeio, /
Todos crerão, que já veio /
O Ungido Salvador».
«Forte nome de Portugal /
Um nome tão excelente /
He rey do Cabo Poente /
Sobre todos principal /
Não se acha vosso igual /
Rey de tal merecimento /
Não se acha segun sento /
Do poente ao Oriental /
Portugal tem a bandeira /
Com cinco quinas ao meio, /
E segundo vejo, e creio, /
Este he a cabeceira /
E porá sua cimeira /
Que em calvário lhe foi dada /
E será Rey de manada /
Que vem de longa carreira.»
(Oficina de Bandarra-Figura da época)
A elas se referiram vários autores como Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção Carqueja Rodrigues “As Trovas do Bandarra: suas influências judaico-cabalísticas na mística da Paz Universal” in Revista de Ciências Históricas, Universidade Portugalense - Porto, 1987 pp. 185 – 221, João Lúcio de Azevedo, “A Evolução do Sebastianismo”. Lisboa, 1984, pp. 105- 111, António de Sousa Macedo, “Lusitania Liberata”ou António Pires Machado, “D. Sebastião e o Encoberto”. Lisboa, 1969, pp. 65- 78.
Mas também António Quadros, Agostinho da Silva e, antes, Barbosa Machado na sua Bibliotheca Lusitana, D. Nicolau Monteiro em Vox Tortur, o P.e Vasconcelos no Livro da Restauração de Portugal,
As Trovas de Bandarra foram entendidas como uma profecia ao regresso do rei D. Sebastião, desaparecido em Alcácer Quibir em 1578 Em 1815 é editada uma nova edição com o título "Trovas Inéditas do Bandarra" e entre 1822 e 1823 nova edição com o título "Verdade e Complemento das Profecias".
As "Trovas do Bandarra" influenciaram o pensamento sebastianista e messiânico de Padre António Vieira e de Fernando Pessoa São três os pontos da profética de Bandarra: o Quinto Império, a ida e regresso de el-rei D. Sebastião e os destinos de Portugal.
As narrações em Santo Aleixo da Restauração
(Moura-Alentejo)
Interessante é o que ocorreu em Santo Aleixo da Restauração, no concelho de Moura (Alentejo) onde as Trovas de Bandarra são citadas associando-as à Restauração da Independencia em 1640 e onde aquela povoação teve papel determinante tendo em conta que faz fronteira com Espanha.
Tal como Trancoso, por ocasião da Batalha de São Marcos, em 1385 onde os castelhanos sofreram pesada de derrota e foi determinante para a indepedência de Portugal na crise de então, Santo Aleixo da Restauração tem, uma certa similitude na época de 1640 e posteriores anos após a Restauração.
Licínia Girão, registou em 2008, no Jornal de Notícias, que Isabel Balancho, entao Presidente da Junta de Freguesia, recordava-se “...ter passado a infância a ouvir as histórias contadas por uma senhora idosa que lhe relatava as Profecias de Bandarra e o que depois realmente veio a acontecer cerca de 90 anos depois dos sonhos proféticos do sapateiro de Trancoso.
“Isabel Balancho não se cansava de ouvir que Bandarra profetizou um dia a queda do domínio espanhol em Portugal, o que veio a acontecer em 1640 com a subida ao trono de D. João IV. Falecido o cardeal-rei D. Henrique em 1580 sem ter designado um sucessor, Filipe II de Espanha, neto do rei português D. Manuel I, invadiu Portugal e submeteu-o a 60 anos de domínio. “, escreveu.
Com cerca de 850 habitantes, Santo Aleixo da Restauração foi uma terra sacrificada face às investidas espanholas na altura da restauração da independência de Portugal, no periodo após o 1º de Dezembro de 1640, registando nos seus anais os combates de 6 de Outubro de 1641, 12 de Agosto de 1644 e 31 de Maio de 1704, em que os Castelhanos atacaram a aldeia e os seus habitantes se defenderam heroicamente.
Por Decreto nº 41093, publicado no Diário do Governo nº 102 – I Série – de 3 de Maio de 1957, a freguesia de Santo Aleixo, concelho de Moura, passou a denominar-se Santo Aleixo da Restauração.
"Não nos esqueceremos de quem por nós lutou, Lamento apenas que quem está no Governo se tenha esquecido desta terra e do que estas gentes fizeram pelo país", disse ao JN a autarca já fez com que os espanhóis tivessem tido um acto espontâneo, mas muito simbólico para os habitantes da aldeia, quando em 2002 depositaram uma coroa de flores junto do monumento de homenagem à memória dos defensores de Santo Aleixo e pedirem desculpa ao povo português.
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Na sequência deste episódio os castelhanos procuram por várias vezes invadir Portugal. As terras fronteiriças eram as primeiras a serem massacradas. Santo Aleixo da Restauração, pela sua privilegiada localização raiana e como aldeia próspera, foi muitas vezes alvo dos ataques castelhanos durante as guerras que ficaram conhecidas por Restauração e Sucessão. Mas a garra e determinação do povo surpreendeu sempre os espanhóis pese o facto de os portugueses estarem em menor número e em muitos casos serem apenas simples agricultores.
BANDARRA NA VISÃO DE FERNANDO PESSOA, P.e ANTONIO VIEIRA E OUTROS AUTORES
Fernando Pessoa , na sua obra “Mensagem” escreveu a propósito de Gonçalo Anes, o Bandarra:
“Sonhava, anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo.
Não foi nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português, mas Portugal”.
Sobre o Padre António Vieira, Hernani Cidade em 1957 na “Defesa perante o tribunal do Santo Ofício” escreveu :
“A figura do Rei Desejado, desaparecida misteriosamente nos areais de Alcácer Quibir, foi chorada durante muito tempo pela literatura, que via nele "a maravilha fatal da nossa idade" - no dizer do épico. Com a sua morte ou desaparecimento quebravam-se as esperanças de um povo que, havia pouco ainda, deslumbrava o mundo dando-lhe novos mundos. Assim, inúmeras profecias surgiram na esperança do regresso do monarca desejado, como foi o caso de Gonçalo Anes, de alcunha o Bandarra, sapateiro de profissão, em Trancoso, por volta de 1500.
Este profeta, entre outros, ter-se-ia inspirado na Bíblia para vergastar em trovas a corrupção da época e fazer nevoentas predições, entre elas a do Quinto Império. Assim se criou o Sebastianismo, que, mais tarde, operou a transferência entre D. Sebastião e os duques de Bragança ou, no caso do Padre António Vieira, para D. João IV.
O Santo Ofício, que já havia metido o Bandarra no cárcere, não lhe perdoou também e, preso em Coimbra, mesmo ali teimou ser fiel ao encoberto. Esta concepção providencialista, que fazia de Portugal o "povo eleito" desde a batalha de Ourique, norteou-lhe grande número de sermões e outros escritos e a sua grande defesa perante o tribunal do Santo Ofício.Na custódia da Inquisição, Vieira escreveu, no decurso de oito meses, esta defesa, que se compõe de duas Representações. Na primeira, apresenta-nos os motivos que teve para atribuir espírito profético a Bandarra, e na segunda, fala-nos dos fundamentos da sua crença na instauração do Quinto Império na Terra. Nelas, o acusado recorre ao estratagema de não pretender defender ou justificar as teses controvertidas, mas simplesmente explicar-lhes o fundamento e o verdadeiro sentido, muitas vezes mal entendidos, segundo ele. Todavia, em todas as páginas desta obra, nota-se que o autor dá a sua plena e profunda adesão às teses dos inquisidores”.
Em 1866, foram publicadas na cidade do Porto ( Imprensa Popular de J.L. de Sousa) a obra “TROVAS DO BANDARRA /NATURAL DA VILLA DE TRANCOSO /Apuradas e Impressas/ POR ORDEM DE UM GRANDE SENHOR DE PORTUGAL /Offerecidas aos Verdadeiros Portguezes Devotos do Encoberto -----Nova Edição --- A que se ajuntam mais algumas nunca até ao presente impressas”.
O Prólogo do livro referia sobre Bandarra:
“ Foi ele o Nostradamus dos Portuguezes, como antigas memorias nos certicam, no tempo D’El Rei D. João o III, de Portugal, e porventura ainda mais célebre por seu ditos, maravilhosos vaticinios, e prognosticos, do que foi aquelle, e pelos mesmos anos na França: porque se com particular distinção obteve este os comprimentos de Henrique II., e da Rainha Catharina de Medicis, sua mulher, e de seus filhos; as honras e estimações do duque de Saboia, Manoel Felisberto, e da duquesa Margarida de França; e os presentes de Carlos IX,mereceu o nosso os applausos de uma Nação inteira assim de grandes como pequenos, de ilustres, e de plebêos, sabios e indiscretos,, e continuados por tamanho espaço, quanto vai desde quando viveu até nossos tempos, e sempre o será, em quanto o Mundo durar, que tanto ha de viver na memória dos homens”. (VALETE)
Gonçalo Anes, o Bandarra, está sepultado na Igreja de São Pedro, de Trancoso, em túmulo mandado erigir por D. Alvaro de Abranches da Camara, General da Província da Beira, em 1641, em substituição de um outro mais humilde, onde colocou epitáfio e fazendo insculpir como divisa os instrumentos de sapateiro que Bandarra terá utilizado.
O próprio poeta terá profetizado, este próprio facto , no Sonho Idas suas Trovas:
Vejo, mas não sei se vejo
O cero eh que me cheira,
Que me vem honrar á Beira
Um Grande do pé do Tejo.
Formas, cabos e sovelas,
Lavadinhas com primor,
Mandarei abrir, Senhor,
Muitos folgarão de ve las.
Uma estátua perpetua, frente aos Paços do Concelho de Trancoso e por iniiativa municipal, esta personalidade ilustre de Trancoso, cujas Profecias se mantém na memorias da pessoas como mensagem actual e de esperança.
José Domingos
Jornalista
Cp Prof 1252