O hipódromo Serra Verde foi o fator decisivo para a implantação dos centros de treinamento no Rio de Janeiro

O hipódromo Serra Verde foi o fator decisivo para a implantação dos centros de treinamento no Rio de Janeiro

por Márcio de Ávila Rodrigues

[04/03/2024]

O hipódromo Serra Verde foi inaugurado em Belo Horizonte no dia 17 de maio de 1970. Desde o início já tinha uma vinculação bem maior com o hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro, embora o turfe paulista estivesse em um ótimo momento.

Aos poucos, proprietários e treinadores foram percebendo que o bucólico clima do Serra Verde era um éden para os cavalos que não se adaptavam ao inóspito clima da Gávea. Calor, abafamento, poluição e asfalto sabidamente afetam a performance.

Duas patologias prejudicavam com frequência os hiperselecionados atletas da raça puro-sangue inglês: a anidrose dos trópicos e a hemorragia de origem pulmonar. A primeira se caracteriza pela redução da capacidade de suar, um problema praticamente impeditivo para a atividade atlética. No triângulo Minas - São Paulo - Rio somente observei ocorrências neste último, e somente no hipódromo da Gávea. Ninguém ignora que a ex-capital brasileira vira um "forninho” a cada verão.

O segundo problema é, reconhecidamente, mais grave e mais frequente. É uma hemorragia de origem pulmonar. Essa origem somente foi comprovada na década anterior, em meados dos anos 1960, por causa da invenção do endoscópio flexível.

De uma tese disponível na internet, extraio um curto resumo desta patologia: "A Hemorragia Pulmonar Induzida por Exercício (HPIE) é uma afecção que acomete equinos atletas de modalidades de alta intensidade causando a diminuição do desempenho atlético".

Acrescento aí os problemas de casco, bem mais comuns nos grandes hipódromos por causa do piso duro - asfalto ou cimento - que os cavalos e as éguas são obrigados a percorrer diariamente na vila hípica ou no caminho para o padoque, área inicial dos treinos.

Para quem vivia o dia a dia do hipódromo Serra Verde e viajava várias vezes por ano ao Rio de Janeiro - como era o meu caso -, a influência negativa do clima carioca era muito clara, era óbvia. A absoluta maioria dos animais que ostentavam uma ou outra patologia, ambas em alguns casos, melhorava com impressionante rapidez ao ingressar nas cocheiras do Serra Verde. Então a persistência dos sintomas era, em meu conceito, claro indicativo de incapacitação do equino para as corridas.

Duas pessoas foram decisivas para fixar o conceito de que o hipódromo Serra Verde era decisivo para a melhoria da saúde física dos animais que participavam das corridas do hipódromo da Gávea: o médico veterinário José Roberto Taranto e o treinador Zilmar Duarte Guedes.

José Roberto Taranto foi o médico veterinário mais influente de sua época (anos 1960 a 1990) no turfe carioca. Por sua eficiência profissional e capacidade de fazer bons relacionamentos, além de clínico ele foi consultor e mesmo “manager” de grandes coudelarias e haras da época como o Stud Grumser, que depois se transformou no Haras Doce Vale, o Haras Santa Ana do Rio Grande e o Stud Capitão. O doutor Taranto faleceu em 30/04/2018.

Zilmar Duarte Guedes também ganhou a confiança de grandes proprietários por se mostrar mais capacitado no gerenciamento dos animais em corrida do que a maioria dos seus concorrentes. Formou ótima parceria com o Dr. Taranto e era o treinador dos principais clientes do veterinário. Zilmar faleceu apenas quatro meses depois do seu companheiro, em 26/08/2018.

Em torno de 1975 eles enviaram para a capital mineira não apenas animais com problemas, mas também os melhores e mais promissores corredores. Neste último caso também influenciou a fama de Belo Horizonte como um clima mais propício à saúde dos animais e dos seres humanos. A topografia montanhosa e a altitude eram os argumentos mais utilizados.

É bom ressaltar que, no princípio do século 20, o clima de Belo Horizonte era considerado recuperador para doenças, como era o caso da terrível tuberculose. Noel Rosa, para muitos o melhor compositor de música popular do século, tentou a cura em uma temporada na capital mineira, mas seu caso era irreversível.

Passaram pelas cocheiras do hipódromo Serra Verde alguns dos melhores cavalos e éguas daquela época como foi o caso de Yanbarberik e Cartaya, e dos argentinos Andabata e Puerto Madryn. Grão de Bico, o potro sensação do ano de 1974, também foi enviado posteriormente para o Serra Verde, mas ainda no início da viagem o piso do caminhão arrebentou e ele enfiou a perna no buraco, ficou ferido e retornou à base.

A sequência de resultados vitoriosos impactou muito o turfe carioca e os proprietários enviaram tantos animais que o Jockey Club de Minas Gerais teve dificuldades com a acomodação. Houve um momento crítico em que alguns animais chegaram a ficar vários dias amarrados no padoque das corridas, com cordas fazendo o papel de portas, por falta de vagas nas cocheiras regulares.

Um novo pavilhão com sete grupos de cocheiras foi construído, de forma improvisada (sem seguir a arquitetura original), separado do bloco único inaugurado em 1970 pelo ex-presidente José Maria Alkmin. Havia também um outro pavilhão isolado que foi construído totalmente às expensas do bicheiro carioca José Caruzzo Escafura, o Piruinha, que em troca recebeu um contrato de comodato que terminou com a cessão definitiva para o dono do terreno (JCMG).

O turfe mineiro se beneficiou deste boom, principalmente a partir da gestão do médico Adelmar Cadar (empossado pela primeira vez em 1979). Turfista desde criancinha, quando acompanhava seus familiares nas corridas do primeiro hipódromo de Belo Horizonte, o Prado Mineiro, ele era um homem influente e respeitado, com prestígio junto aos principais dirigentes nacionais.

Adelmar conseguiu que o hipódromo Serra Verde funcionasse com programas cheios, realizados geralmente aos sábados, com boa presença de público e boa divulgação na mídia. E não contava com a totalidade dos animais alojados na vila hípica, pois era grande o número daqueles que eram enviados com a única finalidade de fugir do verão carioca.

O problema maior era a distância entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na época, a BR-040 era uma pista única e a passagem pela Serra do Mar, na região de Petrópolis, era muito lenta. Os caminhões seguravam uma longa fila de veículos andando à velocidade de 10 km/h, ou até menos, por longos trechos de subida, na ida e na volta.

Os cavalos não podiam fazer o bate-volta. Mesmo quando iam só para correr, os treinadores informavam aos proprietários sobre a necessidade de aumentar o intervalo para a próxima corrida. E, obviamente, havia um bom custo extra de transporte.

Fora do hipódromo Serra Verde, a única opção de um treinamento externo e em clima favorável seria a região fluminense de Petrópolis e Teresópolis. Não tenho informação - e adoraria receber - sobre a existência de algum centro de treinamento nesta região nos anos 1970. Sei que o haras Vale da Boa Esperança sempre teve pista de treinamento, mas creio que era para uso pessoal de Júlio Cápua.

Minha pessoal conclusão é que o sucesso deste movimento ocorrido no hipódromo Serra Verde deixou entre os representantes mais argutos das classes dos proprietários, criadores e treinadores a convicção que, para obter os melhores resultados possíveis, seria necessário o uso de um empreendimento similar.

A partir daí eles procuraram, principalmente os proprietários (é óbvio), construir centros de treinamento na região de Petrópolis para a preparação dos cavalos sem a influência negativa do calor, da baixa altitude, do stress, das hemorragias e das amidroses. Era a opção mais semelhante aos pontos positivos de Belo Horizonte e com a grande vantagem da proximidade, em média uma hora e meia a duas horas de viagem.

Mesmo com o crescimento dos centros de treinamento fluminenses, o hipódromo Serra Verde continuou abastecendo com regularidade as corridas do hipódromo da Gávea até que o clube entrou em grave crise econômica e realizou em fevereiro de 2002 a sua última reunião turfística. Mas, curiosamente, entre 2003 e 2004 teve um momento diferente, proporcionado por um contrato com o Stud Capitão.

Quando o seu titular Luiz Edmundo Cardoso Barbosa encerrou um contrato de locação com um centro de treinamento fluminense, e ele levou para o Serra Verde um grande lote, altamente qualificado, para ser treinado por Roberto Morgado Filho, um profissional que obteve excepcionais resultados sem enxergar os animais, já que perdera a visão por consequência de diabetes.

Impressionados com o êxito de, entre outros, Pico Central, Brazov, Forever Buck e American Night, outros grandes proprietários também enviaram animais. Foi o caso do comediante Chico Anysio. E novamente o mundo turfístico se impressionou com os benefícios de um ambiente altamente favorável.

Mas a diretoria do Jockey Club de Minas Gerais, entidade mantenedora do hipódromo Serra Verde, não mais conseguia obter renda suficiente para garantir a infraestrutura do local e os cavalos foram se escasseando. Em fevereiro de 2006 o governador Aécio Neves decretou a desapropriação do local.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.