PÓS MODERNIDADE: UMA REFLEXÃO SOBRE NÓS MESMOS

1. Contextualizando-nos

Todos nós, dando-nos conta ou não, estamos inseridos num momento histórico denominado Pós Modernismo. Mas afinal, que momento é esse? De que trata? Como vivemos nele?

O Pós-modernismo é um movimento global, surgido em alguns países europeus entre o ano de 1970 e a atualidade, que se reflete em todas as manifestações culturais como arte, arquitetura, pintura, cinema, ciências sociais e humanas. Na verdade, trata-se de um período histórico marcado por fenômenos que marcaram a divisão entre ele o chamado Modernismo.

Para estudiosos de diversas áreas, dentre elas a filosofia e a sociologia, tal momento é caracterizado por mudanças marcantes provocadas e vividas pelo homem, como a globalização que se apresenta como algo unificador das sociedades do planeta e apresentando uma nova visão de cultura. Além disso, a palavra de ordem é a desconstrução cujo objetivo é desfazer todas as amarras impostas ao homem moderno. Esse momento, marcado pelas incertezas e pelos questionamentos, provoca o fim dos discursos grandiloquentes de outrora e impulsiona novas posturas que vêm acompanhadas das ideias de fragmentação da realidade e de permuta de valores. Com o avanço constante dos meios tecnológicos de comunicação, uma aproximação entre as fronteiras acabou por gerar um novo tipo de sociedade que não mais tem a pretensão de tomar o poder, mas que é totalmente marcada pelo narcisismo, pelo hedonismo, pelo imediatismo e pelo consumismo.

A essas mudanças somam-se as ameaças de bombas e guerras nucleares, ocasionando uma incerteza em relação ao futuro. Isso propiciou o enfraquecimento da crença na posteridade, refletindo nas atitudes humanas agora focadas sempre no presente, no carpe diem.

O resultado disso é o que os sociólogos, como Gilles Lypovetsky, chamaram de “deserção social”, ou seja, uma falta de esperança inconsciente marcada pela apatia e pela neutralização, levando o indivíduo a preocupar-se mais com a vida particular do que com a social – basicamente a prática da máxima “o cada um por si”. Além disso, as grandes ideias e os valores ocidentais – como Deus, Sentido, Verdade, Consciência, Família – entram em decadência e valorizam-se outros considerados menores pela filosofia – como Desejo, Loucura, Poesia, Linguagem, entre outros – que acabam por abrir mais perspectivas para a libertação do individual.

2. Conceitos ou posturas?

Como consequência desse contexto, alguns conceitos tornaram-se as regras na Pós Modernidade interferindo nas vidas e nas atitudes das pessoas como que imperceptivelmente, mas deixando marcas indeléveis na sociedade. Dentre os conceitos, apresento os que considero importantes para um início de reflexão sobre como nos portamos imersos nessa Pós Modernidade:

2.1. Niilismo (do latim nihil, nada )

É um termo e um conceito filosófico que afeta as mais diferentes esferas do mundo contemporâneo (literatura, arte, ciências humanas, teorias sociais, ética e moral). É a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao “porquê”. Os valores tradicionais depreciam-se e os "princípios e critérios absolutos dissolvem-se".

O niilismo pode ser considerado como "um movimento antipositivo” – quando pela crítica e pelo desmascaramento nos revela a abissal ausência de cada fundamento, verdade, critério absoluto e universal e, portanto, convoca-nos diante da nossa própria liberdade e responsabilidade, agora não mais garantidas, nem sufocadas ou controladas por nada". Mas também pode ser considerado como "um movimento não negativo” – quando nesta dinâmica prevalecem os traços destruidores e iconoclastas, como os do declínio, do ressentimento, da incapacidade de avançar, da paralisia, do “tudo-vale”.

2.2. Hedonismo (do grego hedonê, "prazer", "vontade")

É uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. Surgiu na Grécia, e importantes representantes foram Aristipo de Cirene e Epicuro. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas.

O significado do termo em linguagem comum, bastante diverso do significado original, surgiu no Iluminismo e designa uma atitude de vida voltada para a busca egoísta de prazeres momentâneos. Com esse sentido, "hedonismo" é usado de maneira pejorativa, visto normalmente como sinal de decadência.

2.3. Consumismo

Refere-se a um modo de vida orientado por uma crescente propensão ao consumo de bens ou serviços, em geral supérfluos, em razão do seu significado simbólico (prazer, sucesso, felicidade), frequentemente atribuído pelos meios de comunicação de massa.

O termo é muitas vezes associado à crítica do sociólogo e economista Thorstein Veblen, escrita na virada do século XX, à cultura de massa e à indústria cultural. Para ele, esse consumo desnecessário é uma forma de exibição do status, muitas vezes às custas de privações.

2.4. Cultura Light

É uma atitude comportamental que foi inserida na classe média da sociedade: comidas sem calorias, sem gorduras, sem excitantes... tudo suave, ligeiro, sem riscos, com a segurança pela frente. Assim essa moda, também se foi produzindo um tipo de homem que poderia ser qualificado como o homem light. Embora seja bem informado porque tudo lhe interessa, tais informações são em nível superficial, já que ele não sintetiza o que recolhe, tornando-se, em razão disso, um sujeito trivial, vão, fútil, que aceita tudo mas que precisa de critérios sólidos na sua conduta. É um bom profissional, mas quando está fora do contexto de trabalho, torna-se um homem superficial, indiferente, permissivo, e isso acabou por gerar nele um grande vazio moral. Infelizmente, um homem assim não deixará marcas, já que em sua vida já não há revoluções, pois a sua moral converteu-se numa ética de regras contaminadas pela urbanidade ou numa simples atitude estética.

Como estamos na era do vazio, conforme afirma Lipovetski (1986), a nova utopia é a apatia. Disso resulta o novo homem cool, representado pelo telespectador que com o controle passa de um canal para outro buscando não se sabe bem o quê.

3. Expectativas

No entanto, nem tudo pode já ser considerado perdido, imersos que estamos nesse mundo Pós Moderno e em seus conceitos que nos conduzem a posturas das quais, às vezes, não nos damos conta.

Em meio a loucura diária das coisas que passam despercebidas por todos nós, alguns pensadores destacam-se dando-nos uma pequena centelha que poderá resgatar o futuro de nossa sociedade. São pessoas de visão que, afastam-se (sem se excluírem) da realidade para analisá-la numa visão macro – ação que muitas vezes não conseguimos tal nosso envolvimento com o contexto pós moderno.

Dentre os pensadores, destaco três: Pierre Levy, Edgar Morin e Zygmunt Bauman. Pensadores que lançam para nós a responsabilidade de refletir sobre nossa condição humana e nosso papel na sociedade em que estamos inseridos, como forma de fazer pensar, tocar a alma do homem para que o mundo encontre um caminho mais promissor ao futuro.

3.1. Pierre Levy e a Inteligência Coletiva

Pierre Lévy (Tunísia, 1956) defende que a evolução do homem foi possível graças às habilidades que desenvolvemos e que nos difere dos animais: a construção de diálogos (mundo de significados), onde nos questionamos, conversamos com o outro e estabelecemos diálogos; o ato de contar histórias (como forma de percepção do tempo) e a organização do pensamento (onde estabelecemos relação de causa e efeito).

Ele nos leva a refletir sobre a Inteligência Coletiva, um princípio onde as inteligências individuais são somadas e compartilhadas por toda a sociedade, potencializadas com o advento de novas tecnologias de comunicação, como a Internet que nos possibilita a partilha da memória, da percepção, da imaginação. Isso resulta na aprendizagem coletiva, na troca de conhecimentos. Funciona como um ecossistema de ideias humanas na qual as informações são trocadas e selecionadas por cada indivíduo. Com isso, tem-se uma forma social inédita, o coletivo inteligente que pode inventar uma 'democracia em tempo real', uma ética da hospitalidade, uma estética da invenção, uma economia das qualidades humanas propiciada pelos novos meios de comunicação.

3.2. Edgar Morin e os saberes para a educação do futuro

Já o pensador e sociólogo francês Edgar Morin (Paris, 1921) elaborou reflexões sobre a educação, referindo-se ao ser humano como Homo Sapiens, que é fruto da vida natural e da cultura. Defende uma forma de construir a Educação dos tempos futuros, embora ela pareça ainda estar tão vinculada ao passado, principalmente ao fragmentar o conhecimento.

Defende o pensamento integral, pois permite ao homem concretizar uma meditação mais pontual. Já a pedagogia, com seu radical fracionamento do saber, leva o indivíduo a entender o universo em que vive de forma fragmentada, sem conexão com o universal. Assim, acaba por romper qualquer interação entre o espaço local e global, ocasionando uma resolução das questões existenciais completamente desvinculada do contexto em que estão situadas.

Esse educador defende que o pensamento complexo permite abarcar a uniformidade e a variedade contidas na totalidade, ao contrário da tendência do ser humano a simplificar tudo. Ele afirma a importância do ponto de vista integral, e não descarta o valor das especialidades.

Morin percebe a escola como uma entidade complexa, que engloba uma variedade de disposições, estratos socioeconômicos, emoções e culturas, ou seja, um local impregnado de heterogeneidade. E considera ser este o espaço perfeito para se dar início a uma transformação dos paradigmas e da maneira convencional de se pensar o ambiente escolar de modo que tenha um profundo significado para os alunos.

O caminho indicado por ele retira do âmbito estreito da disciplina, compreende o contexto e adquire o poder de encontrar a conexão com a existência. É preciso romper com a fragmentação do conhecimento em campos restritos, no interior dos quais se privilegiam determinados teores, e também eliminar a estrutura hierárquica vigente entre as disciplinas. Reformar esta tradição requer um esforço complexo, por ser uma mentalidade foi desenvolvida ao longo de inúmeras décadas.

Na tentativa de mudar a tradição educacional, Morin estabelece que há sete saberes “fundamentais” que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição. São eles:

1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão

2. Os princípios do conhecimento pertinente

3. Ensinar a condição humana

4. Ensinar a identidade terrena

5. Enfrentar as incertezas

6. Ensinar a compreensão

7. A ética do gênero humano

Tais saberes teriam o poder de dar ao homem a dimensão de humanizar-se como forma de resgatar a essência dele. Seria uma reintegração do indivíduo ao cosmos, ao universo.

3.3. Zygmunt Bauman e a modernidade líquida

Bauman é sociólogo polonês (Poznán, 1925) e autor do conceito de “modernidade líquida”. Com a ideia de “liquidez”, ele tenta explicar as mudanças profundas que a civilização vem sofrendo com a globalização e o impacto da tecnologia da informação. Nos últimos 20 anos, as instituições políticas perderam representatividade porque sofrem com um “déficit perpétuo de poder”. Na cultura, a elite abandonou o projeto de incentivar e patrocinar a cultura e as artes. Segundo ele, hoje é moda, entre os líderes e formadores de opinião, aceitar todas as manifestações, mas não apoiar nenhuma.

Modernidade líquida é a época atual em que vivemos, num conjunto de relações e instituições, além de sua lógica de operações, que se impõe e que dão base para a contemporaneidade. É uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retiradas de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.

É nesta época que as relações de trabalho cada vez mais se desgastam e que a própria esfera do trabalho, cada vez mais vira um campo fluido desregulamentado. Já nas relações pessoais, as conexões predominam. Conexão é o termo que Bauman usa para descrever as relações frágeis. O sentido dessa palavra envolve a noção de que, em uma conexão, a vantagem não está só em ter várias conexões, mas, principalmente em conseguir desconectar sem grandes perdas ou custos. A relação frágil tem como pressuposto a transformação dos humanos em mercadorias que podem ser consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento – a qualquer momento eles (os humanos) podem ser excluídos.

A relação é frágil porque o sujeito líquido lida com um mundo de consumo e opções, ele não tem mais referenciais de ação: toda a autoridade de referência é coloca em si e é sua responsabilidade construir ou escolher normas a serem seguidas – tudo se passa como se tudo fosse uma questão de escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, de preferência, nenhuma desvantagem.

Para Bauman, não há uma pós-modernidade, há uma continuação da modernidade com pontos diferentes. Não se trata de uma ruptura de época, mas de uma transformação dentro de uma estrutura contínua. O mesmo aconteceria na sociedade líquida.

Para ele, a pós-modernidade é uma fatia no tempo e no espaço, mas é uma fatia que nem mesmo pode ser chamado de “pós”, pois não há superação de nada, o que há é uma sequência contínua de modernidade sólida para modernidade líquida, com algumas características diferentes, mas ainda com o núcleo capitalista intocável que se tornou muito mais voraz que em épocas anteriores.

4. Enfim...

Embora a Pós Modernidade nos tenha trazido uma série de novidades e incertezas, trata-se de um assunto inesgotável dada a quantidade de informações que são possíveis de serem acessadas. Seus conceitos iniciais nos preocupam porque tendem a desconstruir quase tudo o que consideramos ao longo do tempo como verdades estabelecidas. A nós não é possível negar a sua existência porque somos parte dela, estamos vivendo-a com todos os seus ônus e bônus.

O mais importante é que, ao pesquisarmos tal assunto juntamente a ele não encontramos apenas os pontos negativos de todo esse processo histórico. O que nos alenta é saber que pensadores e filósofos, num movimento ao mesmo tempo pós Moderno por usar de sua capacidade de desconstrução da própria pós modernidade, também nos apontam caminhos para a reflexão do futuro que almejamos ou que estamos preparando neste exato presente em que nos encontramos.

O texto não pretendeu de forma alguma esgotar as possiblidades, mas ao contrário, é uma tentativa de levar a cada homem um pouco de reflexão, a fim de que nós, educadores principalmente, tomemos ciência do que nos cerca e que muitas vezes não nos damos conta. É um despertar para a realidade que se transmuta constantemente e que cobra de nós uma postura, no mínimo, consciente de nosso papel na formação de uma sociedade mais humana, mais saudável.

Não temos as respostas para muitas questões desse momento histórico em que vivemos, mas podemos buscar a reflexão como forma de levar os alunos à uma educação efetiva, afinal, conforme afirmou John Dewey “a educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida”. E ela, a vida, está pedindo socorro.

Referências bibliográficas:

http://www.sp.senac.br/sites/pierrelevy/

http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/02/bzygmunt-baumanb-vivemos-o-fim-do-futuro.html

http://www.infoescola.com/pedagogia/a-educacao-segundo-edgar-morin/

http://obviousmag.org/archives/2014/01/a_critica_de_zygmunt_bauman_a_pos-modernidade.html#ixzz3OGAs1YRK

http://www.edgarmorin.org.br/textos.php?tx=30

https://sites.google.com/site/onde2ou3oumais/o-homen-light