As universidades públicas são pra quem?
O título desse texto parece um absurdo, pois o termo público quer dizer “de todos”, “para todos". Portanto, parece que a resposta é simples: as universidades públicas são para todos cursarem, sem distinção de cor, raça ou classe social! Ledo engano!
As universidades públicas sejam elas federais, estaduais ou municipais (se o município quiser criar) sempre foram historicamente destinadas às classes abastadas, ou melhor, aos filhos das elites econômicas, militares e políticas.
Pobres, negros e índios quase nunca estudaram nos cursos oferecidos pelas universidades, sobretudo, nos cursos mais elitizados como Medicina e Engenharia Naval. Era tão incomum um pobre estudar nesses centros de saber que quando um pobre ou negro entravam nesses cursos, haviam inúmeras reportagens sobre o feito, inclusive virava matéria do Programa Fantástico, de tão “fantástico" e incomum que era ver um pobre no curso de Medicina, por exemplo. Até hoje é coisa muito difícil ver num consultório um médico negro ou pardo, muito menos oriundo de classes menos abastadas.
Teve um caso famoso, só para exemplificar, de um jovem negro filho de catadora de lixo, que conseguiu passar num curso de Medicina, os jornais falaram durante meses desse feito. E pouco tempo depois dele ter conseguido a difícil façanha, ele foi assassinado na favela onde morava por conta de bala perdida, até o reitor da Universidade foi em seu enterro e o Brasil ficou chocado. Já era quase impossível um pobre, negro e favelado entrar numa Federal, ainda ocorreu essa terrível fatalidade.
Os tempos mudaram? Melhor, estão mudando? Pelo menos já se vê muitos pobres, negros e índios frequentarem as universidades públicas. Essa mudança tem data e governo. Ocorreu sobretudo a partir de 2012.
O meu amigo Humberto Campos afirmou numa rede social hoje:
“A ideia de que as universidades públicas estão repletas de filhos de ricos já deixou de ser verdade há algum tempo. Tirando o curso de Medicina, hoje em dia observamos uma verdadeira invasão de jovens da classe média baixa nas melhores federais. Muitos deles serão os primeiros diplomados em curso superior da família”.
Um amigo dele, chamado Hygor Alarcon, estudante numa Federal disse o seguinte, ratificando a postagem do Humberto:
“Ascenção social, é sim verdade, Humberto, na minha sala (curso Administração no IFET) foi perguntado quantos ali eram os primeiros integrantes da família a cursar a faculdade, e chuto que foi em média 90% da sala”.
Eu fiz o seguinte comentário:
"Os cursos de pobres, aqueles que normalmente as pessoas se manterão nas suas classes sociais, tais como: Licenciaturas, Pedagogia, Serviço Social, Enfermagem, Administração e outros, esses sim, estão cheios de pobres, por conta das políticas de cotas raciais e sociais.
Mas os cursos capazes de enriquecer e fazer a pessoa mudar de classe social, ou permanecer como membro da elite e classe A, como Medicina, que você citou, Engenharia Naval, Elétrica, Robótica, Mecânica e outros ramos da Engenharia, além de Odontologia, Veterinária e outros do mesmo nível, esses infelizmente estão destinados para as elites. Para os filhos de milionários, dos políticos e de empresários. Enfim, temos ainda que avançar mais".
A Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto de 2012, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos.
As vagas são preenchidas por alunos pobres, de famílias de baixa renda, por negros e indígenas, além de deficientes físicos. Fazem parte de uma importante política de reparação. Ou seja, o Estado brasileiro criminoso, historicamente escravista e elitista, tenta por meio das leis de Cotas e outras reparar todo mal feito a negros, índios e pobres. Sobretudo, pagar a dívida de mais de 350 anos de escravidão negra e quase três séculos de escravidão indígena no Brasil.
O antropólogo, escritor e defensor de indígenas e da educação popular, Darcy Ribeiro, já dizia: “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso".
Enganam-se aqueles que pensam que as cotas raciais e sociais foram feitas porque negros, índios, pobres e deficientes são inferiores. Não, elas existem para reparar injustiças históricas. Pois continua negado as minorias, o acesso aos melhores cursos universitários. Aqueles capazes de enriquecer e mudar a vida do ser humano e de sua família.
Como ocorre as injustiças no acesso às universidades públicas? Por que historicamente elas sempre privilegiaram as elites?
Respondo essas questões citando mais uma vez Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Ou seja, o projeto é privilegiar as elites e manter a população pobre e os grupos minoritários longe dos centros de saber e de ascensão social.
O esquema governamental e elitista sempre funcionou assim: o Ensino básico público (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio) é ruim ou péssimo com raríssimas exceções. Isso porque quem estuda nas escolas públicas são filhos de pobres.
Já as escolas privadas de educação básica são normalmente excelentes. Sobretudo as confessionais (católicas) e as mais caras, algumas caríssimas, com mensalidade acima de 3 mil reais mensais. E essas são destinadas exclusivamente aos filhos dos mais ricos. Quanto aos filhos dos políticos, que são os administradores da coisa pública, deveriam estudar nas públicas, mas os pais os mantêm em escolas de ponta privadas.
Isso ocorre por quê? Para que os filhos de pobres não tenham condições de adentraram em universidades públicas, pois com a escolarização que recebem nas escolas públicas de educação básica, não os preparam para os vestibulares e prova do ENEM, que são os que dão acesso aos estudantes aos melhores cursos das universidades públicas, como Medicina, Engenharia Naval e Robótica, só para citar alguns.
E o que sobra para os filhos dos mais pobres? As universidades privadas, que possuem os piores cursos, aqueles que dificilmente farão, o estudante após formado, enriquecer. Além do mais, hoje 90% das vagas nessas universidades privadas são acessadas por meio do FIES, pois essas pessoas que estudam nessas universidades não têm nem condições de arcarem com suas passagens de ônibus, por isso, se vê o número expressivo de coletivos de prefeituras para os levarem até as universidades. Na UVA (Universidade Veiga de Almeida) em Cabo Frio, por exemplo, ficam quase cem ônibus em seu estacionamento. E a Unilagos disponibiliza aqueles ônibus velhos para pegarem seus alunos, pois sabem que a maioria deles não tem condições de pagar o transporte público para estudarem.
Já nas universidades públicas, em cursos da elite, os supra citados, até carros blindados e conversíveis, alguns que valem mais de 1 milhão de reais, lotam os pátios dessas universidades.
Portanto, as universidades públicas com seus cursos de ponta não são para todos, por mais que seu nome passe essa ideia. Pobres, negros, índios e deficientes têm entrado, mas exclusivamente para os cursos que os filhos das elites não querem cursar. Aqueles que dão muito dinheiro e são da Classe A, ainda estão exclusivamente reservados aos mais ricos.