Reconhecimento da profissão de historiador. Mas como ficam os jornalistas e memorialistas?
Essa semana os historiadores derrotaram o governo de Jair Bolsonaro com a ajuda graciosa do Congresso Nacional. Isso porque o projeto de Lei 4699/2012 do Senador Paulo Pain PT/RS, que regulariza a profissão de historiador foi aprovada e foram derrubados vetos da presidência da República que impediam sua promulgação.
Sendo assim, mesmo tardiamente, os historiadores agora têm sua profissão regularizada e reconhecida pelo governo, pelas secretarias estaduais e municipais de educação e por toda a sociedade. Cabendo a todos respeitar essa nobre profissão que existe desde a antiguidade, com historiadores como Heródoto (484 a 420 a. C. considerado o “pai” da História), Tucídides (460 a 400 a. C.), Xenophon (431-360 a. C.), Tito Lívio (59 a 17 a. C.), Flávio Josefo (37 a 100 d. C.) dentre outros.
A História também demorou a ter seu reconhecimento como ciência, isso só veio a ocorrer no século XIX, junto com outras ciências sociais, como a Sociologia e a Economia que tiveram impulso através dos trabalhos de Auguste Comte, Durkeim, Marx, Weber e de historiadores como Leopold Von Ranke.
A lei aprovada amplia e muito a profissão de historiador, eu mesmo sou daqueles que definem os historiadores como os produtores do conhecimento histórico, aqueles que fazem pesquisas, produzem livros, artigos e manuais de História, enquanto vejo os professores de História como aqueles que fazem a chamada transposição didática, ou seja, traduzem as pesquisas históricas e toda a produção historiográfica ao público leigo, especialmente, os alunos das escolas públicas e privadas e das universidades. Portanto, na minha concepção pessoal respaldada em muitos trabalhos de outros grandes historiadores, ser historiador está num patamar bem acima que ser um professor de História. Traduzindo: todo historiador é também professor de História, enquanto o professor de História não é historiador, pois o mesmo não produz o conhecimento histórico. Isso na minha concepção!
Mas não é esse entendimento expresso no parágrafo acima que a lei aprovada e promulgada dá profissão de historiador, ela ao mesmo tempo que tornar abrangente o título de historiador, ao meu ver comete algumas sérias injustiças, que depois esclarecerei. Vamos ao que diz a lei.
“Art. 3º O exercício da profissão de Historiador, em todo o território nacional, é assegurado aos:
I - portadores de diploma de curso superior em História, expedido por instituição regular de ensino;
II - portadores de diploma de curso superior em História, expedido por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
III - portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História, expedido por instituição regular de ensino ou por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
IV - portadores de diploma de mestrado ou doutorado obtido em programa de pós-graduação reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES que tenha linha de pesquisa dedicada à História;
V - profissionais diplomados em outras áreas que tenham exercido, comprovadamente, há mais de 5 (cinco) anos, a profissão de Historiador, a contar da data da promulgação desta Lei”.
Como expresso nesse Artigo terceiro da Lei 14038/2020, diplomados em história e até em outras áreas podem ser considerados historiadores mesmo que não sejam produtores do conhecimento histórico e façam pesquisa historiográficas. Tendo o diploma e o certificado de cursos a base para o reconhecimento como historiador.
O que é interessante é que inúmeros pesquisadores sem diplomas em História e até mesmo de curso superior fizeram trabalhos historiográficos de invejar a muitos historiadores. Muitas dessas pesquisas são reconhecidas pela própria academia que reconhecem que tais pessoas, chamadas vulgarmente de “memorialistas” são de fato historiadores e muitos de “mão cheia”.
Na minha cidade, Cabo Frio, têm celebres memorialistas com trabalhos magníficos sobre a História Local, especialmente, Márcio Werneck, autor de vasta obra e inúmeras pesquisas históricas e até arqueológicas para o município. A cidade deve muito a seu minucioso trabalho, célebres pesquisas e divulgação dos mesmos em simpósios e congressos.
Assim como inúmeros jornalistas fizeram célebres trabalhos historiográficos no Brasil e fora do país, tais como, William Waack, premiado em vários livros, Laurentino Gomes, que escreveu uma Trilogia sobre História do Brasil e recentemente um livro sobre a Escravidão, esses dois pesquisadores em História, que a meu ver são historiadores por conta da inequívoca produção; não foram reconhecidos pela nova lei que regulamenta a profissão de historiador.
Cabe lembrar, que autores do quilate e expressividade de Caio Prado Junior e de Gilberto Freyre (Direito, Economia e Sociologia...) não são diplomados em História, no entanto, escreveram trabalhos célebres sobre a História do Brasil.
Portanto, cabe aqui ressaltar a importância sim dessa lei para nós historiadores, assim como a derrota do governo que nunca teve apreço a academia e, especialmente, a função de historiador. Mas também cabe ressaltar, que memorialistas e inúmeros jornalistas que produzem o conhecimento histórico a décadas mereciam ser incluídos como historiadores pelo muito que fizeram pelo Brasil através das suas numerosas pesquisas.