Internetês, o bode expiatório da vez
Sociáveis por natureza, fomos evoluindo em nossa forma de nos comunicarmos, a princípio por meio de gestos e gritos, posteriormente por desenhos rupestres, sinais de fumaça, tambores e, voilà, pela escrita, aliás, o advento da sociedade tal qual a conhecemos, deu-se por meio dela. Sua invenção, além de possibilitar avanços científicos e tecnológicos, propiciou a construção da memória social da humanidade, que se utilizou de inúmeras linguagens para transmitir às gerações futuras todo o conhecimento adquirido. Conforme as necessidades da época, os locais de produção (tábuas de argila, pedra, papiro, papel) e de reprodução da escrita (pergaminhos, livros manuscritos, imprensa, mídias escritas virtuais) foram se inovando.
Atualmente vivemos na era dos iPhone, iPade, iPod , dos touch screen, dos net e notebooks, dos tablets, dos Wi-Fi e Bluetooth, enfim (com tantos estrangeirismos assim, não é de se admirar que os grafemas K, W e Y tenham sido incorporados ao nosso alfabeto após o Novo Acordo Ortográfico), ou seja, se todo este boom tecnológico modificou até mesmo as nossas relações interpessoais, imagina se nossa escrita, reflexo de nossas ações políticas, culturais e econômicas, não se modificaria também.
A velocidade com que as informações surgem, se repercutem e se alteram é muito rápida, logo a nossa forma de se comunicar tenta acompanhar esta agilidade. Nossas conversas a distância, em tempo real, não requerem mais o face a face, nossas vozes, agora, tornam-se dispensáveis. Entretanto, é preciso lançar mão de mecanismos que permitam à escrita acompanhar a velocidade da fala: eis que surge o internetês. Tal mecanismo não é novidade, lembremos da taquigrafia ( “[...] termo geral que define todo método abreviado ou simbólico de escrita, com o objetivo de melhorar a velocidade da escrita ou a brevidade, em comparação a um método padrão de escrita” fonte: wikipédia), tão utilizada nos meios jurídico e legislativo. Gosto de pensar no internetês como uma taquigrafia popular, nascido do povo e utilizada por ele, assim como o latim vulgar (origem da nossa língua portuguesa) um dia fora; poderíamos encará-lo, talvez, como uma taquigrafia vulgar.
Temos observado algumas discussões em torno do uso indiscriminado da linguagem virtual (internetês) em situações de comunicação escrita que exijam a norma culta, sobretudo no meio estudantil (principalmente adolescentes). Alguns, docentes na maioria dos casos, defendem que esta nova forma de escrita influencia e modifica, sobremaneira, a grafia e uso gramatical de palavras e expressões da língua culta, prejudicando assim o raciocínio e construção da linguagem textual.
A meu ver, o poder do internetês, enquanto elemento modificador da língua padrão, está sendo superestimado, ele é somente uma forma de escrita adaptada à nova época high tech, e se o usuário da língua souber conscientemente onde empregá-lo, no caso, em situações de escrita meramente informais, não vejo maiores problemas em utilizar-se dele para estabelecer comunicação.
Creio que o maior problema, principalmente com esta geração, não está no uso do internetês, ou na escolha das abreviações e reduções da língua, que se tem adotado ultimamente. A questão vai muito além. A nova geração não sabe escrever, não porque utiliza palavras reduzidas como “pq, msm, tbm, qq, vc...”, mas porque não tem conteúdo, não tem arcabouço linguístico, não tem embasamento que lhe permita construir argumentos. Não criam hábitos de leitura, não constroem vínculos com textos que empregam a norma culta da língua, bem como, outras variedades linguísticas. Desse modo, não podem flagrar toda a beleza, poesia e riqueza de vocabulário reveladas em textos cuidadosamente elaborados; não podem enxergar os regionalismos, os diversos falares da própria língua; não podem perceber como o uso que fazemos dela se transformou com o passar do tempo. A nova geração perde, sobretudo, a oportunidade de reflexão, não só da língua, mas da história do nosso país (uma vez que a arte imita a vida, retratando muitas vezes, a sociedade da época em que é produzida) e as particularidades de cada região (José Lins do Rego, José de Alencar, Aluísio Azevedo, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Jorge Amado apresentaram-me brilhantemente este mundo linguístico, histórico e cultural, durante minha adolescência). Olhando por este prisma, o uso do internetês é de longe, o menor de nossos problemas.