SOBRE PROFESSORES/AS, EDUCADORES/AS, HUMILDADE E OMISSÕES....

Penso que, atualmente, um dos maiores problemas de professores/as e educadores/as, especialmente daqueles e daquelas considerados/as os/as melhores, é que no seu imaginário e auto-imagem, apesar da grande insegurança que os/as habita, pensam que são formados/as e que já sabem e aprenderam tudo o que precisavam. Pensam que sua tarefa é ensinar, embora em seus discursos racionais digam que também precisam aprender, e que sempre há o que aprender. De fato, as vezes até dão exemplos de uma coisa ou outra que aprenderam com um aluno ou aluna ou um/a colega, e que os emocionou. Mas o problema, é que isso não é regra de seus cotidianos, é exceção. O problema é que isso está muito bem estruturado em suas esferas racionais, mas ainda longe de penetrar nos muros de suas esferas emocionais e espirituais, e de suas defesas colossais desnecessárias, mas aparentemente necessárias a seus olhos para se protegerem de possíveis ameaças hostis. Com os professores/as universitários e acadêmicos, então, esse sutil fenômeno cresce ainda mais, segundo galgam degraus com seus mestrados e doutorados e cargos de altas hierarquias, embora, claro, existam raras e maravilhosas exceções. Estes e estas precisam tomar um cuidado redobrado para não se perderem em arrogâncias, burocracias, desconfianças, competições e invejas conscientes ou inconscientes, regras sem sentido ou asfixiantes demais, e para não se sentirem realmente "formados/as" em algo e sabedores de tudo ou quase tudo. Por sinal, é bom lembrar que a palavra "formado/a" vem de fôrma e nunca é demais se perguntar em que "fôrma" imaginamos ter sido assados e, depois, talvez congelados, e se essas fôrmas são uniformes, iguais pra todo mundo,e têm ou não alguma flexibilidade....

Na verdade, ainda que amem e conheçam de cor autores como Paulo Freire e outros/as, que nos mostram o que é realmente o genuíno processo educacional e qual o verdadeiro papel do(a) professor(a)/educador(a), estes/as têm grandes dificuldades em assimilar isso, não apenas com a mente e o sonho, mas incorporando na alma de tal modo que se torne natural em sua prática, e que seja mais forte que os medos e barreiras que encontrem. Não é um processo simples e nem, de jeito nenhum, um processo fácil, mesmo porque todos nós somos apenas humanos. Professores e professoras, educadores e educadoras não são super heróis e heroínas, ou sacerdotes e sacerdotisas, que têm obrigação de se oferecer em sacrifício por alunos e alunas muitas vezes totalmente desequilibrados, sem estruturas saudáveis, sem limite algum, frutos de muito do lixo que lhes é impingido por diversas construções perversas de uma sociedade insana. Mas é essa imagem de "heróis/heroínas", "sacerdotes/sacerdotisas em holocausto" que a mídia, a hipocrisia e o comodismo social joga o tempo todo em cima dos/as profissionais da educação, fazendo, inclusive, com que muitos deles e muitas delas terminem acreditando em tal falácia. O único problema é que é mesmo uma falácia completa. Um castelo de areia sem fundamento sólido algum. Junte-se a isso a desvalorização moral e monetária de professores e professoras, as muitas vezes péssimas, desgastantes, desumanas e tremendamente desanimadoras condições de trabalho, a péssima formação que muitos professores/as e educadores/as trazem em sua bagagem não apenas de seus cursos profissionalizantes, mas já do processo escolar e familiar, mais a pouca leitura de livros, de artes, de mundos, de pessoas, de culturas, e o quase nenhum senso crítico que se cultiva em todas as instâncias educacionais de nosso país, e teremos uma boa visão de onde surgem tantas dificuldades, mesmo nos melhores professores/as para colocar em pratica aquilo em que acreditam e amam.

Apesar de tudo isso, porém, nada está perdido. Nada é estático. Nada é impossível de melhorar, de mudar, de se transformar. O primeiro passo, é justamente a conscientização de educadores/as e professores/as acerca de suas reais condições, potenciais e limitações.

O segundo, é se empenhar o máximo possível num autodidatismo e autoformação que não se contente jamais com o que já se sabe, com os simplismos; que duvide de todas as certezas, que tente descobrir novos prismas a cada dia sobre tudo, inclusive sobre aquilo que se pensa já estar "careca de saber". Que não pare de questionar, debater, dialogar, nem tenha medo de fazer perguntas o tempo todo, mesmo que pareçam as perguntas mais tolas, ou que sejam perguntas difíceis que, talvez, a princípio, assustem, mas que são imprescindíveis para qualquer crescimento. Que repense, refaça, restaure, recrie, renove e inove, construa de um modo melhor, sempre e constantemente, num processo dialético e dialógico, não só o próprio fazer pedagógico e a educação em si, mas, sobretudo, também, as relações humanas, as mentes e os corações humanos de forma unida, a sensibilidade, a amorosidade e a solidariedade humanos, que é o tesouro primordial e mais precioso de todo e qualquer espaço, tempo e processo educacional.

O terceiro passo, é de modo algum se permitir descanso quanto ao cultivo da abertura real para o outro/a, para conhecê-lo/a no que for possível, para lê-lo/a e caminhar junto, e também quanto ao cultivo da humildade, aquela que nos mostra que o que não sabemos é muito mais do que o que sabemos; aquela que nos leva realmente a aprender mais do que ensinar; aquela que não nos permite imaginar ,nem por um segundo, que somos "formados/as" em algo, porque simplesmente não cabemos em fôrmas, somos muito mais do que os limites de qualquer fôrma; aquela que nos mostra que somos humanos como todos e todas, que temos dons que foram feitos para serem partilhados, mas que também precisamos dos dons alheios, do afeto alheio, da compreensão alheia, da aceitação alheia; que temos muitas qualidades, mas também defeitos e imperfeições, e tudo bem de ser assim, porque não precisamos ser perfeitos e nem é justo ou humano esperar a perfeição de ninguém, mesmo do mais genial professor ou professora que existir na face da Terra, mesmo do mais maioral de todos e todas no mundo, pois até esse ou essa precisa do que todos/as precisam: de um bom abraço e colo de quando em quando, de humor, de risos, de descanso, de amor, de saber que, se errar, isso é normal, faz parte do que é humano, é só pedir desculpas e reparar como puder, não deixará de ser amado/a por isso, de saber que, mesmo sendo tão importante o seu trabalho ou o melhor que tente dar, isso não é mais importante do que ele ou ela como ser humano e do que sua evolução e bem estar também, junto com os de todos/as os outros/as ao seu redor.

O quarto passo, é se esforçar pra combater os medos irracionais que adoram nos atacar à nossa revelia e sempre só nos paralisam ou nos fazem protagonizar atitudes que nada têm a ver com o que de fato pensamos e somos, ou ainda fazem com que nos omitamos, prejudicando com isso não apenas a outrem, mas também a nós mesmos/as. No caso da educação, prejudicando também tudo pelo que os/as melhores e mais compromissados/as educadores/as e professores/as tentam lutar e construir. Lembro que em ambas as faculdades em que estive, por exemplo, houve momentos em que, quando eu estava mais sozinha, uma ou outra rara professora vieram a mim e me brindaram com palavras incríveis, do nada, que me surpreenderam bastante, palavras como as que uma dessas professoras me disse n certa vez:

" Gi, trouxe um pensamento pra você, acho que vai gostar muito, é de Lieslotte Rauner, ja ouviu falar ?"

Eu: "Não, não ouvi"

Ela, me entregando o pensamento : "Então leia"

Li. Dizia o seguinte:

"Tens o direito de fazer tudo o que te dizemos. Mas não deves dizer o que te fazemos. Tens o direito de proceder às mudanças que te pedimos. Mas não tens o direito de pedir que mudemos. Tens o direito de andar por onde queremos, mas não tens o direito de querer que nós vamos."

Olhei pra ela emocionada, parecia que tinha lido o momento que eu passava. Sorriu e me disse: "Ja falei em aula que a normatização é o conceito mais perverso e vigilante que existe. Não entre nessa, não queira ser 'normal', seja você mesma. Uma hora isso vai passar, seja o que for que estiver acontecendo, vai passar, e voce superará porque és uma grande menina."

E nesse dia, tal professora, que por sinal, eu adorava, me deu uma força muito grande, que eu não esperava, mas depois, não conseguiu ir além, poderia ter me ajudado um pouco mais, já que via o que outros não viam, poderia ter sido uma mediadora, uma ponte, mas não foi capaz, se omitiu. Não porque não quisesse, mas porque provavelmente tinha seus medos e fragilidades a assustá-la, a persegui-la e paralizá-la também. Na verdade, para todos os professores e professoras, educadores e educadoras, lutar contra esses medos, esses "bichos papões" que nunca são tão grandes quanto o que nós mesmos/as imaginamos e criamos, é um processo de luta diário, que não tem fim, pro resto da vida. Nem todo dia se consegue vencê-los, mas o importante é ter isso em mente, é ter essa disposição em tentar colocar tais medos pra correr, nem que seja pra defender aquilo em que se acredita, ainda que se corra o risco de perder o emprego por isso e, senão por si mesmos/as, ao menos pelas alunas e alunos e pelas novas gerações que, muitas vezes, precisam mais da coerência e proteção de seus professores/as e de que esses e essas se coloquem ao seu lado no que tange aos princípios e direitos mais elementares de uma pessoa humana - como é o direito de se ser o que se é - do que propriamente apenas para ensiná-los/as e construir com eles/as os conhecimentos intelectuais ou eruditos.

Por fim, o quinto passo, creio eu, é o de nunca esquecer a criança que se foi nem abandoná-la jamais por mais velha/o que se fique cronologicamente. Preservar a criança interior deveria ser prioridade de todo adulto até por uma questão de preservação da sanidade mental, mas parece que a maioria ainda não compreendeu isso. Para os professores/as e educadores/as isso é não só fundamental, mas uma questão de vida ou morte. Exatamente: vida ou morte. Vida de tudo aquilo em que acreditam, com o que sonham e pelo que lutam. Ou, morte de tudo isso, até que um dia ressuscitem de novo. Cultivar essa criança dentro de nós, significa reaprender a confiar sem receio, reaprender a espontaneidade, o brincar, o não ligar pras nossas bobagens, contradições, idiossincrasias e, menos ainda, pras dos outros e outras; significa reaprender a não levar tudo tão a serio demais, a rir de nós mesmos/as, a olhar para o que ja se viu como se fosse a primeira vez de novo, a expressar o que se sente sem máscaras, a ficar triste ou magoado/a ou se irritar, mas daqui a pouco ja esquecer, e perdoar, e querer fazer as pazes e abraçar de novo; significa reaprender a se ocupar com coisas simples e que, aparentemente, não servem pra nada, mas é gostoso, nos dá prazer, nos dá alegria, nos faz grandes retardados/as diante do encanto da vida e do que ela tem de bom e de melhor, apesar daquilo que também não é tão bom.

E para aquelas e aqueles professores/as e educadores/as que ja se decidiram por este caminho, e realmente se esforçam para segui-lo, posso deixar aqui apenas algumas belas palavras que, aliás, não são minhas, mas do maior Mestre que já conheci, e que nunca me deixa em paz...risos : "Você não está longe do Reino dos Céus"