RAÍZES HISTÓRICAS DA NOSSA VIOLÊNCIA E CORRUPÇÃO

RAÍZES HISTÓRICAS DA NOSSA VIOLENCIA E CORRUPÇÃO

É mister relembrar ab initio, que os nossos descobridores, de lá de Detrais dos Montes, aqui chegaram com o propósito de explorar uma terra “recém descoberta”, cheia de riquezas naturais como o ouro e tantos outros minérios, além da madeira de lei, especialmente o Pau Brasil. Naquela ocasião, não havia entre os homens do rei, até porque não era interesse deste, a idéia de construir um país e formar uma nação independente. Não passava do querer monárquico português, explorar as riquezas descobertas, numa terra já habitada (embora as estatísticas não sejam convergentes, notícia existe de que na época da “então descoberta do Brasil”, uma população de cerca de 2.500.000 índios já habitava estas terras), mas que seus nativos não tinham a ambição de explorá-la de tal forma.

Interessados em apenas lucrar com as riquezas da nova terra, pois esse era o objetivo da política colonial no Brasil (propiciar a criação de um mercado e uma área de produção com o controle e submissão da metrópole portuguesa e explorar ao máximo as riquezas da nova terra), os portugueses acabaram resolvendo também outro grande problema social da época, que foi desvencilhar-se de uma enorme população carcerária e outra significativa quantidade de desocupados que preocupava a segurança interna e incomodava a sociedade desde o reinado de Dom Fernando, no século XIII.

Como solução do problema, o rei português mandou centenas de criminosos para o Brasil, a fim de que fossem utilizados na exploração das riquezas aqui existentes. Dentre eles, presos comuns e políticos, que foram degredados para o “mundo novo”. Muitos deles não trouxeram suas famílias, especialmente suas mulheres, razão pela qual, em pouco tempo passaram a abusar da inocência natural das mulheres selvagens da terra.

As lindas índias, que no seu habitat natural andavam com o corpo completamente nu, sem nenhum pudor ou malícia, começaram a ser engravidadas desordenadamente pelos brancos. Não demorou muito para aparecerem crianças mestiças, de pele morena e olhos verdes. Nem mesmo as restrições de ordem religiosa impediram que os brancos corrompessem a naturalidade das nossas nativas.

Estes indivíduos, aqui chegando, passaram a trabalhar para os senhores do rei. Muitos foram mortos, mas vários deles se tornaram independentes e passaram a gozar de benefícios da corte e das vantagens pelo pioneirismo na exploração da Terra de Santa Cruz.

Com o passar do tempo e distante das ordenações portuguesas, mesmo estas tendo vigência no Brasil (embora somente fossem respeitadas na defesa dos interesses da corte), o abuso de autoridade, a corrupção e outros inúmeros crimes eram cometidos aos olhos vesgos dos longa manus do Poder Monárquico ou com a sua conivência. Naquela época, as maiores atrocidades eram cometidas pelos membros da corte ou pelos fazendeiros, que além dos maus tratos cometidos com os escravos, também eliminavam os nativos como se fossem animais.

A dificuldade encontrada para escravização dos índios, como mão de obra escrava, não prosperou em razão da impossibilidade de dominá-los no seu habitat, ante a cultura que desenvolviam e o conhecimento absoluto da selva bruta, onde buscavam abrigo.

Mas a importação dos escravos africanos não resolveu o problema dos senhores. Muitos escravos eram mortos pelos nativos, quando ingressavam pelas matas e penetravam indevidamente em áreas indígenas. Por causa dos conflitos entre os índios e os escravos, os homens da Corte e os fazendeiros passaram a apanhar as mulheres indígenas, contaminá-las com injeções de sífilis, em seguida devolve-las nas aldeias para que contaminassem toda a família, prática esta que dizimaram grandes populações indígenas.

Os homens do rei, encostados no Poder da Coroa, porém longe dos seus olhos, movidos pela descontrolada ambição na exploração das terras, expulsavam os nativos ou os transformavam em escravos para dominar os campos e desenvolver enormes rebanhos de gado. Para os desbravadores, índio não era gente. Embora se afigurasse como gente, viviam como bichos e não possuíam alma, logo, eram considerados bichos e assim tratados. Portanto, eliminar um índio era como se matasse um animal, com uma diferença, o animal poderia ser utilizado como alimento, enquanto que o índio tinha a sua morte como a transposição de um obstáculo para os objetivos dos brancos.

A exploração econômica da Colônia, sob o rigor do tratamento dado pela metrópole portuguesa, apesar do controle, desenvolveu-se com uma certa desordem e excessiva ambição da Coroa, em arrecadar cada vez mais dos produtos da mineração. Para isto, estabeleceu a cobrança do quinto sobre todos os metais e pedras preciosas que fossem extraídos nas terras brasileiras, intensificando também uma fiscalização rigorosa para evitar a sonegação dos mineradores.

Objetivando uma melhor arrecadação e evitar a evasão fiscal, o governo português instituiu a capitação, que significava a cobrança de impostos sobre os escravos usados pelos mineradores, recolhendo-se 17 gramas de ouro anuais por cada escravo que trabalhasse na mineração.

Esse sistema arrecadatório era executado por instituições criadas para essa finalidade, com estrutura bastante para eficiente fiscalização e cobrança das cotas. Eram as chamadas Casas de Fundição.

Mas o poder da metrópole tinha maior ambição e instituiu uma cota mínima anual de todo o produto da mineração explorado no Brasil, para a Coroa.

A partir de então, quem não atingisse a cota anual determinada, acumulava uma dívida com o governo, ensejando no confisco do ouro em depósito dos mineradores ou mesmo de qualquer outro habitante da colônia, até completar o valor das cotas atrasadas. Era o efeito da derrama.

A administração dessas riquezas pela metrópole pode-se dizer que foi um verdadeiro desastre, resultando em prejuízos enormes para o Brasil e pouco benefício para Portugal, pois o rigor na cobrança dos impostos não impedia o contrabando da mineração entre os mineradores. Ademais, não só os mineradores contrabandeavam o ouro para outros países, principalmente para a Inglaterra; os próprios arrecadadores do fisco, ou seja, o próprio fisco português desviava a maior parte do ouro arrecadado para o governo britânico.

Como se vê, a corrupção já estava semeada nas terras brasileiras, dentro das instituições governamentais.

Vito Milesi, em “Leitura Para Contar 1”, registra um fato que comprova a semeadura da corrupção no Brasil, quando nos lembra o episódio narrado por um historiador dos idos de 1725. Segundo este, o então rei de Portugal, Dom João V, já preocupado com a evasão de divisas no Brasil, nomeou o que considerava mais honesto e severo dentre os seus militares, o coronel de Exército Luís Vahia Monteiro, para governador do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, tentando mostrar para que veio, o coronel tornou-se o mais odiado dos homens e ganhou o apelido de Onça. Nascia então, o que hoje denominamos de “amigo da onça” (possivelmente significando amigo do rei). Conta o narrador que o coronel e governador escreveu uma carta ao rei, dizendo sucintamente: “senhor, nesta terra todos roubam. Só eu não roubo”.

A exploração desordenada exercida por Portugal sobre a colônia do Brasil ocasionou revoltas entre os brasileiros. Estas manifestações de descontentamento, apesar de serem inicialmente tratadas como um movimento em prol da independência, nada mais eram do que uma reação por insatisfação dos colonos contra o sistema econômico da colônia. Eram movimentos denominados de Rebeliões Nativistas.

Nos séculos XVI e XVII, ocorreu em quase todo o território brasileiro, uma série de movimentos revoltosos que protestavam contra a política econômica da Coroa e a falta de ações sociais que alcançassem com benefícios todos os segmentos da população. Dentre esses movimentos alguns se tornaram historicamente conhecidos pela sua motivação, importância local ou regional, repercussão e resultado. Todos, entretanto, foram sufocados pelo poder, como por exemplo:

A Revolta de Beckman (no Maranhão – 1684).

Este movimento teve palco no Estado do Maranhão, liderado pelos irmãos Manoel e Tomás Beckman, motivado pela criação da Companhia de Comércio, que tinha por finalidade reestruturar o monopólio comercial e aumentar o controle administrativo. Tal medida resultou em diminuição dos lucros dos colonos e causou uma enorme insatisfação à população maranhense.

O movimento avançou com a adesão dos colonos, que conseguiram tomar a cidade de São Luís, expulsando os missionários da região e forçando a extinção da Companhia de Comércio. A revolta culminou na prisão e morte do seu líder, Tomás Beckman.

A Guerra dos Emboabas (no Estado de São Paulo – 1707 – 1709)

A Guerra dos Emboabas foi motivada pela disputa das terras onde eram descobertas as minas.

Os paulistas achavam-se donos das respectivas propriedades, mas passaram a sofrer turbação na posse das terras, provocada pelos emboabas (denominação dada aos ricos forasteiros que queriam tomar as terras onde havia minas, na sua maioria os próprios portugueses que moravam em outros Estados, especialmente da Bahia, que idealizavam dominar o setor de mineração paulista).

O conflito teve início em 1.707 e os resultados foram desfavoráveis aos paulistas que, dominados pelos forasteiros, acabaram sendo sumariamente executados após se renderem e entregarem suas armas. O episódio somente foi controlado com a intervenção de Portugal, sob o comando de Borba Gato, quando os paulistas conquistaram a fundação da Capitania de São Paulo e das Minas de Ouro, o que propiciou a elevação da Vila de São Paulo em cidade, no ano de 1.711.

A Guerra dos Mascates (no Estado de Pernambuco – 1710)

A Guerra dos Mascates foi desencadeada por questões políticas entre as Cidades de Olinda, à época capital de Pernambuco, uma cidade estagnada com sinais de decadência, e Recife, que vivia um momento de crescimento econômico e que se desenvolvia como um grande centro de comércio dominado pelos portugueses.

No ano de 1703, os comerciantes da cidade de Recife, chamados de Mascates, conquistaram o direito de se candidatarem nos pleitos políticos para a Câmara Municipal de Olinda. A conquista ocasionou um enorme descontentamento aos habitantes da capital, que reagiram em protesto e começaram as manifestações de confronto entre as duas cidades.

Já em 1709, Recife foi elevada à categoria de vila, provocando mais revolta entre os moradores de Olinda. Por este acontecimento, resolveram invadir a Cidade de Recife, resultando no conflito denominado Guerra dos Mascates, ocasionando a destruição do pelourinho e uma série de batalhas entre as duas vilas, somente sendo contida em 1711, por intervenção de Portugal, enviando novas autoridades para conciliar os ânimos.

A Rebelião de Vila Rica (Minas Gerais – 1720)

O movimento que desencadeou na Rebelião de Vila Rica foi a cobrança do quinto, através das casas de Fundição, estabelecido pela Coroa. A liderança do movimento foi efetivada por Felipe dos Santos, que reuniu uma multidão de pessoas descontentes com a cobrança e se dirigiu à Vila Ribeirão do Carmo (atual Mariana), objetivando exigir do governador de Minas a redução dos impostos e o fechamento da Casa de Fundição.

Inicialmente, e de forma estratégica, o governador prometeu atender as reivindicações; entretanto, cessados os ânimos, mandou reprimir o movimento e capturou Felipe dos Santos, que fora em seguida executado e esquartejado, para servir de exemplo aos demais rebelados.

O Quilombo dos Palmares (Alagoas – 1630- 1694)

A demonstração de revolta contra a escravidão foi deflagrada pelos negros em vários lugares do território brasileiro, quando fugiam e formavam pequenos grupos de resistência à escravidão (chamados quilombos). Entretanto. o que teve maior repercussão foi o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, liderado pelo escravo Zumbi, que resistiu por cerca de 70 anos ao sistema de escravidão, somente sendo vencido em 1694, por uma força especial de aproximadamente nove mil homens comandada pelo bandeirante Jorge Velho.

Além desses conflitos, ao final do século XVIII surgiram dois movimentos importantes na História do Brasil, que foram as primeiras manifestações com objetivos claros de independência, motivados por acontecimentos externos como: a Revolução Industrial Inglesa, a Independência Americana e a Revolução Francesa.

A primeira delas foi a Inconfidência Mineira, em 1789, e em seguida, quase dez anos depois, a Conjuração Baiana, no ano de 1798.

A Inconfidência Mineira (Minas Gerais – 1789)

A Inconfidência Mineira foi articulada pelos donos de minas, comerciantes, intelectuais e militares, que se organizaram para fazer um protesto denominado levante, contra os impostos cobrados pela Coroa, tendo em vista as dificuldades para o pagamento dos tributos, com a decadência da produção aurífera.

O movimento do levante teve como destaque os inconfidentes: Álvares Maciel, Tomás Antonio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto e Joaquim José da Silva Xavier (este líder do movimento), conhecido como o Tiradentes.

Os inconfidentes pretendiam iniciar o movimento no dia da derrama, quando planejavam prender o Governador de Minas, para em seguida uma junta governista tomar o poder.

O sentimento nacionalista que despertava nos inconfidentes fez com que eles confeccionassem até uma bandeira, com os dizeres: “Libertas Quae Sera Tanen”, que significa: “Liberdade Ainda Que Tardia”. Pretendiam estabelecer algumas reformas no poder e a independência da República, entretanto, o movimento não deu certo porque houve a traição de Joaquim Silvério dos Reis, Correia Pamplona e Brito Malheiros, integrantes do movimento, que traiçoeiramente denunciaram todo o plano do grupo, permitindo que o movimento fosse sufocado, resultando na prisão de todos, sendo que somente Tiradentes foi condenado e esquartejado, no dia 21 de abril, de 1792, no Rio de Janeiro.

A Conjuração Baiana (Baia – 1798)

Diferentemente da Inconfidência Mineira, que teve suas diretrizes traçadas por uma elite da sociedade, a Conjuração Baiana foi um movimento popular iniciado por manifestações do povo com finalidade de conscientizar a sociedade da necessidade de se estabelecer uma mudança aos moldes do que antes ocorrera na França.

Opondo-se à escravidão e clamando por democracia, os baianos, liderados na sua maioria por alfaiates (daí a denominação: Revolta dos Alfaiates), atacavam severamente os portugueses, contando com o apoio de grande parte da população de Salvador.

O movimento, assim como ocorreu em Minas, foi sufocado pela repressão e os seus principais líderes: João de Deus Nascimento, Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, Lucas Dantas do Amaral Torres, e Manuel Faustino dos Santos Lira, foram todos condenados e executados no dia 9 de novembro de 1799.

Àquela época, os problemas internos estavam tomando corpo e já preocupavam o governo. Mas, na sede da Coroa, também havia um sério problema. Napoleão Bonaparte ameaçava o sossego do Rei Português, prometendo invadir Portugal e dominar também a colônia brasileira.

A Cabanagem, (no Pará, 1835 – 1840)

Cabanagem era o nome dado aos moradores nas cabanas. Constituíam-se de negros, índios e mestiços, que revoltados com a miséria, insurgiram-se contra a nomeação do presidente da província feita pelo governo central, invadiram a cidade de Belém e lá permaneceram por um ano, após matarem o presidente da província e o chefe militar.

A rendição definitiva somente aconteceu por volta de 1840, quando os cabanos foram obrigados a fugir da cidade para o interior. Nessa época, a Guerra sangrenta da Cabanagem contabilizou mais de 40 mil mortos, reduzindo a população paraense em 30% (dos seus habitantes).

A Balaiada (no Maranhão, 1838 – 1841).

O movimento da Balaiada no Maranhão foi impulsionado por uma profunda crise social e econômica, iniciada por políticos que representavam a elite local, mas acabou com a adesão de vários segmentos como: jagunços, vaqueiros, escravos libertados e fugitivos (quilombados), camponeses e outros. O nome balaiada teve origem na atividade profissional de um dos seus líderes, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, fabricante de balaios. Destacaram-se no movimento, dentre outros, o vaqueiro Raimundo Gomes e o negro Cosme, líder de um quilombo com cerca de 3 mil escravos.

A idéia inicial do movimento não trazia reivindicações políticas, mas profundo descontentamento pela miséria que enfrentavam, ante uma política de abandono, a espoliação, o despotismo e a corrupção das autoridades que serviam aos coronéis.

Os revoltosos chegaram a reunir cerca de dez mil homens, que conseguiram dominar a cidade de Caxias em agosto de 1839.

Por falta de organização, a Balaiada desviou-se dos seus objetivos e seus integrantes perderam o rumo político do movimento, passando a promover saques e invasão de cidades. Acabaram sendo sufocados por tropas repressivas do império, comandadas por Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias.

A Sabinada ( na Bahia, 1837 – 1838).

A rebelião Sabinada foi um movimento improvisado das forças oposicionistas de Salvador, contrário ao governo central. A liderança tinha à frente Francisco Sabino (que deu origem ao nome da revolta), que contava com a adesão da classe média e de forças populares. Tinham por objetivo formar uma República Provisória, mas foram reprimidos pelas tropas do império, após tomarem a cidade de Salvador.

A Guerra dos Farrapos ou Farroupilha (no Rio Grande do Sul – 1835 - 1845).

A Guerra dos Farrapos foi um movimento articulado pelos estancieiros gaúchos e seus empregados, muitos deles esfarrapados, fato que deu origem ao nome do movimento. Tinham por finalidade garantir o mercado para a produção de carne bovina (charque), sua principal economia, e que estava sofrendo competição por outros países (Argentina e Uruguai).

Os revoltosos, comandados por Bento Gonçalves, conseguiram depor o governo da província e proclamar a República Rio-Grandense. Em seguida rumaram para Santa Catarina, onde proclamaram a República Juliana, com a participação do revolucionário italiano Garibaldi.

O movimento foi vencido por Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, que os obrigou a assinar um pacto de paz.

Como se constata, os motivos de ontem persistem, os problemas sociais também são os mesmos, só os modelos de gestão ficaram sofisticados, não para serem mais eficientes, mas para serem mais corruptos e blindarem as suas práticas.

Professor José Ribeiro de Oliveira
Enviado por Professor José Ribeiro de Oliveira em 12/07/2011
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