Em tempos de "unificação", novas pétalas
Atualmente temos nos deparado com a proposta de unificação da língua portuguesa, visando facilitar o intercâmbio cultural e científico e divulgar de maneira mais ampla o idioma e a literatura, além é claro, de otimizar as relações internacionais políticas e, principalmente, comerciais. Concordo e acredito que tal unificação seria muito benéfica, sobretudo, para nós brasileiros, uma vez que poderíamos conquistar espaço no mercado literário e científico mundo afora. Mas até que ponto esta mudança valorizaria realmente nosso idioma?
Não é a primeira vez que a língua portuguesa é utilizada para atender a interesses comerciais. Fazendo um retrocesso ao período colonial brasileiro, constatamos que, a princípio, o português lusitano dividia espaço com as línguas indígenas; posteriormente, com o advento do mercantilismo e introdução dos escravos africanos, mais uma língua foi incorporada: a africana. Tínhamos assim uma miscigenação linguística. Entretanto, com o passar do tempo, e com vistas a atender as necessidades mercantis, surgiu a necessidade de uma "língua unificada", sendo assim, no século XVIII, o Marquês de Pombal instaurou a língua portuguesa como oficial e proibiu o uso das línguas indígenas e africanas. É óbvio, que na prática (uso oral da língua), estas últimas influenciaram de maneira marcante e definitiva, transformando a nossa língua portuguesa, e por que não dizer brasileira, no que é hoje. Nossa língua, não a de Camões, mas sim a de Machado, carrega de modo impregnado todo a nossa história, tornando-a indelével. Desde palavras soltas até sofisticadas construções textuais, encontra-se entalhado todo um legado linguístico deixado pelos quase 3,5 milhões de escravos africanos e as centenas de etnias indígenas que estiveram um dia por aqui.
Temos majoritariamente uma população que adota como língua materna o português. Criamos não apenas uma unidade, mas também, uma identidade linguística. Nos espantamos quando nos damos conta de que os países lusófonos da África e Ásia compartilham mais o status de ex-colônia lusitana, do que a língua, propriamente dita, lusófona. Países como São Tomé e Príncipe, Guiné- Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique e Timor-Leste, conquistaram há menos de cinco décadas sua independência. Quando nos debruçamos sobre a realidade que estes países enfrentam (imposição da língua colonizadora e coexistência de línguas etnicamente diferentes) é como presenciar um déjà vu de nossa própria história, algo que, com certeza, já vivemos e enfrentamos num passado não tão distante.
Devemos sim valorizar a unificação da língua portuguesa, afinal, a normalização da língua escrita - ortografia - reduz e/ou estabiliza as divergências ortográficas entre escritas dos países signatários. Valorizar não apenas pelos benefícios econômicos, mas pela possibilidade de integração cultural, e quando digo cultural, refiro-me à arte, ciência, literatura, folclore, costume, crença, enfim, todo conhecimento produzido por cada um dos oito Estados (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) soberanos que adotam, como idioma oficial, a língua portuguesa. Quem sabe, assim como nós, e quando o tempo for propício, cada país mencionado agregue a seu modo novas pétalas linguísticas à “última flor do Lácio”, tornando-a de fato, uma língua pátria com identidade própria.