Educação cultural
Há pouco tempo ouvi de uma estudante de ensino superior algo que me deixou estarrecido. Com 20 e poucos anos, a jovem disse com todas as letras que não sabia quem era Milton Nascimento. Vale frisar que ela não disse que não conhecia bem a sua obra ou que desconhecia o movimento musical mineiro reconhecido mundialmente como Clube da Esquina. Ela, que é mineira, foi categórica ao afirmar que não conhecia um dos ícones da Música Popular Brasileira, com quase 50 anos de carreira.
Esse episódio não foi um fato isolado. Ao longo da minha atuação como professor dos ensinos fundamental, médio e superior, nos últimos 15 anos, tive a oportunidade de ouvir adolescentes e jovens dizerem algo parecido com relação a Caetano Veloso, Maria Bethania, Gilberto Gil, Gal Costa, Chico Buarque, Moraes Moreira, Oswaldo Montenegro, Fagner, Belchior, entre outros nomes de peso da MPB pós-década de 60.
Alguns alunos até hoje, quando questionados sobre tamanho desconhecimento cultural, usam o argumento furado de que tais artistas não são do seu tempo. Normalmente, diante de respostas assim, costumo brincar que também não sou do tempo de Bach, Beethoven, Ataulfo Alves, Dalva de Oliveira, Dorival Caymmi, mas procurei conhecer a obra deles.
Verdade seja dita: nem sempre fui o responsável por procurar conhecer esses e outros nomes da música clássica ou da chamada velha guarda da música brasileira. Eles me foram apresentados em casa, por amigos, em livros, revistas ou, surpreendentemente, através de um singelo serviço de sonorização pública (chamado Som da Cidade) que existia em minha pequena Boa Nova-BA nas décadas de 70 e 80, quando vivi, respectivamente, a infância e parte da adolescência.
Semana passada, conversando com a amiga Aline Calixto (cantora e compositora que apresentou em Viçosa-MG o seu show “Clara Viva”), eu dizia a ela que conheci boa parte do repertório de Clara Nunes ainda na infância, através do rádio AM e do mencionado Som da Cidade. Eram as letras de suas músicas e de outros tantos artistas da MPB que eu e a criançada da época copiávamos (muitas vezes com palavras ou trechos errados) em nossos cadernos.
Aline, que viveu a infância nos anos 80, disse que foi apresentada à obra de Clara Nunes e a de outros sambistas que a influenciaram pelos pais. Mais tarde, antes mesmo de se tornar cantora e compositora, ela também ampliou a sua educação musical com pesquisas, ouvindo discos e trocando informações com amigos.
Tive o prazer de ver na plateia do seu recente show na cidade vários adolescentes e representantes do público universitário (alguns deles, felizmente, ex-alunos). O mesmo aconteceu em meados de maio último, quando o cantor e compositor Flávio Venturini se apresentou no gramado das Quatro Pilastras da Universidade Federal de Viçosa (UFV) para um público de mais de mil pessoas. Como o show foi à tarde, deu para notar que havia centenas de jovens das novas gerações e até mesmo crianças (levadas pelos pais, certamente fãs do ex-vocalista do fantástico grupo 14 Bis).
Não quero parecer preconceituoso com certos movimentos musicais que ganharam a atenção das gravadoras e da grande mídia nos últimos tempos, mas é certo que há uma enxurrada de compositores, cantores, cantoras, duplas e bandas que deu à música brasileira contemporânea (para não ir mais longe) uma feição pobre e superficial (em letras e melodias).
Não basta vivermos na época mais fácil da história para obtermos todo tipo de informação (do passado e do presente). É preciso que saibamos selecionar o que, de fato, possa acrescentar algo de bom em nossa formação cultural e existencial. Afinal, muito do que somos também vem do que lemos, ouvimos, assistimos e conversamos.