Mudança de paradigma
Em algumas regiões de Angola é costume assar e comer rato. (soube que esse hábito é mais acentuado na região norte). Um dia carregávamos móveis em um hotel, que havia sido alugado em Cubal (região sul) e estava sendo devolvido, quando percebemos que um angolano pegava os ratos que encontrava nos cômodos (havia vários ali, pois o prédio havia ficado quase um ano sem utilização, com os móveis amontoados e a presença de papéis facilitara a proliferação do roedor) e levava todos com certo cuidado para um determinado lugar.
Estranhamos o seu comportamento (principalmente quando ele exclamou: “Oba! Esse é grandão!”) e depois de algum tempo fomos ver por que ele estava agindo daquela maneira e para onde os estava levando. Descobrimos, então, que os ratos mortos estavam todos amarrados numa fieira, colocados cuidadosamente em cima de um papelão num carrinho de mão. Ao ver isso, perguntamos por que ele estava fazendo aquilo. "Está com medo deles fugirem?" brincamos. "Não, respondeu ele, vou levar pra casa para as crianças comerem um assado..."
Triste, mas, infelizmente, uma herança cultural da guerra. Quase trinta anos em guerra civil, com dificuldade para alimentação, principalmente em relação à proteína, leva as pessoas a adquirirem hábitos como esse, transformando-se com o tempo em cultura enraizada, difíceis de mudar. Veja que hoje eles não precisam mais disso (pelo menos teoricamente), mas o fazem por puro hábito e sem nenhum resquício de repugnância.
Os adultos de hoje provavelmente aprenderam com seus pais por pura necessidade numa época em que talvez isso se justificasse como meio desesperado de sobrevivência; as crianças de hoje, porém, nem fazem idéia de que isso seja totalmente desnecessário, nem perigoso para a saúde. Mudanças naturais de paradigmas...