Tributo a Luiz Gonzaga, o Rei do Baião
A maior expressão da música popular brasileira de todos os tempos.
"Eu vou mostrar pra vocês
como se dança o baião
e quem quiser aprender
é favor prestar atenção"
(Baião, Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946)
O Brasil prestou atenção e aprendeu como se dança o Baião. E mais que isso, se encantou com o balanço do gênero musical popular que principiou, ladeando a perfeição, em retratar e historiar, a vida, os costumes, a cultura e o sofrimento do povo nordestino, bem como, em gritar e denunciar as suas angústias em face de um apartheid político que sempre existiu neste País, em relação ao Nordeste.
E o brado retumbante ecoou exatamente do centro de todos esses fenômenos, emergindo simplesmente por força da natureza e transformando-se em mito, sem precisar agregar, devido à grandeza da sua áurea, adereços externos, para se tornar a maior expressão da música verdadeiramente popular brasileira.
Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu na Fazenda Caiçara, povoado de Araripe, a cerca de 12 km na cidade de Exu (PE), no dia 13 de Dezembro de 1912, filho de Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus (Mãe Santana). Foi batizado na matriz de Exu, no dia 05 de janeiro de 1913, cuja celebração batismal foi realizada pelo Pe. José Fernandes de Medeiros.
Luiz, foi nome dado em homenagem a Santa Luzia, a Santa do dia do seu nascimento, dia 13 de Dezembro. Gonzaga, foi sobrenome dado pelo padre que o batizou, segundo ele, para completar o nome do Santo Luiz Gonzaga. Nascimento, foi acrescido em razão de ter o menino nascido na véspera de Natal, quando se comemora o nascimento de Cristo.
Luiz Gonzaga cresceu ouvindo o fole de oito baixos do pai Januário e em meio à cultura do lugar, representada fortemente pelo balanço promovido por um trio de instrumentos aparentemente simples, mas com recursos para produzir harmonias musicais complexas e ritmos extremamente agradáveis para a dança: a sanfona, o zabumba e o triângulo.
No nordeste, àquela época, o trabalho na roça, o manejo do gado e a luta pela vida, numa seca implacável, eram ingredientes inesgotáveis para registro, na forma cultural de maior expressão regional: a música.
O menino Gonzaga, de forma mais intensa que seus outros irmãos: (João, Joca, José, Severino, Aluízio, Socorro, Geni e Chiquinha), se contaminou com o ruído da sanfona e logo passou a demonstrar aptidão para esticar o fole. Curioso nessa história é o registro semelhante com a trajetória do grande maestro Vila Lobos, que chegou a ser amarrado e açoitado pelo pai quando manifestou interesse pela música. Com Luiz Gonzaga algo parecido ocorreu, quando, certo dia, estando o velho Januário trabalhando na roça, Luiz se apoderou da sanfona do pai e começou a extrair algumas modinhas da época. Ao ver aquela cena, D. Santana lhe chamou atenção com um safanão e o advertiu de que não lhe queria tocando sanfona, para que não se perdesse sertão a fora.
De nada adiantou a repressão dos pais e Luiz Gonzaga logo foi notado pelos sanfoneiros da região e admirado pelo talento que possuía, a ponto de não haver mais oposição dos pais, que passaram a admitir que “filho de peixe peixinho é”.
A andança pelos terreiros de forró resultou em namoro com a filha de um fazendeiro importante da cidade, que ao saber da pretensão do sanfoneiro, mandou lhe o seguinte recado: “Um diabo que não trabalha, não tem roça, não tem nada, só puxando aquele fole, como é que quer se casar? É isso, mora nas terras dos Aires e pensa que é Alencar. Os Aires podendo tirar o couro daquele negro, dão liberdade e agora quer moça branca pra se casar...”. Luiz não gostou e chegou a comprar uma peixeira para tomar satisfação com o pai da moça. O encontro não aconteceu porque, D. Santana soube da história e deu-lhe uma grande surra.
Envergonhado com a reprimenda da mãe, Luiz decidiu fugir de Exu. Para tanto, só tinha uma alternativa: sentar Praça no Exército. Assim fez, tornando-se o recruta de nº 122, corneteiro da tropa e apelidado como “Bico de Aço”. E como ele mesmo diz nos relatos entre uma música e outra, nos seus shows: “participei de muitas revoluções mais nunca dei um tiro”.
Em 1939, Luiz deixa o Exército e volta ao dilema sobre o seu destino, quando aconselhado por um colega de farda, no Rio de Janeiro, onde estava alojado no quartel, de que deveria tentar uma forma de vida tocando na Região do Mangue (a zona de prostituição da época).
O cantador nordestino, ouvindo o conselho do amigo, refletiu, e como não lhe apareceu outra alternativa, arregimentou outros músicos e enfrentou a zona do baixo meretrício carioca, onde logo conquistou seus freqüentadores com o fole da sanfona, o balando do baião e o vozeirão na garganta. Não demorou e as portas se abriram para a música nordestina que trazia nas veias. Inserido no meio, conheceu outros artistas da época e logo estava ampliando espaço e conquistando a sociedade carioca com uma nova moda musical.
Certo dia conheceu Ary Barroso, que ao ouvi-lo cantando ritmos estrangeiros, lhe aconselhou: “Rapaz, procure um emprego”. Luiz ficou decepcionado e respondeu: “ Seu Ary, me dá oportunidade pra tocar um chamego? Chamego? O que é isso no rol das coisas mundanas? perguntou Ary Barroso. Luiz respondeu: “Chamego é musga pernambucana”. Ary voltou a indagar: “Como é o nome disso?” e Luiz respondeu: “Vira e Mexe”. Finalizou Ary barroso: “Pois arrivira e mexe esse danado... a gente vê cada uma”. Luiz tocou o Vira e Mexe e conquistou a todos, inclusive o grande Ary Barroso, que deu-lhe nota 5 e o prêmio de 15$000.
Do mangue Luiz saiu para a Lapa, para a Gafieira Elite, na Praça da República, e em pouco tempo estava se apresentando nas emissoras de rádio mais ouvidas do Rio de Janeiro.
Em Março de 1941, quando Luiz Gonzaga gravava uma pequena participação instrumental na RCA, encantou o seu diretor e este o convidou para voltar no dia seguinte para gravar suas músicas.
Mas a trajetória ainda estava em construção. O impulso da obra de Luiz Gonzaga acontece com o encontro entre o sanfoneiro cantador e seus parceiros musicais, dentre eles, o Cearense de Iguatu, Humberto Cavalcanti Teixeira, nascido em 1915 e o pernambucano de Carnaúba, distrito de Pajeú das Flores, José de Sousa Dantas Filho.
As pérolas musicais começam a ser produzidas em seqüência por Luiz Gonzaga e seus mais importantes parceiros. Asa Branca veio em 1947, da lavra de L. Gonzaga e Humberto Teixeira. Seus versos, em linguagem cabocla, vestiram-se de uma universalidade musical inigualável e tornou-se eterna pelo composto poético de rara beleza, retratando uma história de amor em meio ao sofrimento do sertanejo com a falta de chuva. Esta música, noutro país de maior elevação cultural, teria virado filme. Quiçá um dia isto aconteça por aqui?!
“Quando o verde dos teus olhos, se espalhar na plantação, eu te asseguro, não chores não viu, que eu voltarei viu Meu coração”.
Em 1950, quando ainda não existia coro qualquer voz que se levantasse pela preservação ambiental, surge o grito do Assum Preto, registrando os maus tratos a esta espécie da Fauna brasileira. A canção denuncia que a ave era capturada e tinha os olhos furados para que parecesse mansa e assim fosse vendida por melhor preço. A música, além da beleza poética, trás um apelo político de conscientização ambiental numa feliz inspiração da dupla: Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga:
“Tudo em volta é só beleza, sol de abril e a mata em flor, mas Assum Preto, cego dos olhos, não vendo a luz ai canta de dor... ...mil vez a sina de uma gaiola, desde que o céu ai pudesse olhar...”
O voar da Asa Branca se repete com igual beleza e absoluta independência melódica, anunciando um novo tempo no sertão: a expectativa de chuva, convocando o sertanejo de volta à terra, no início dos anos 50. É mais uma obra da maravilhosa dupla: Luiz Gonzaga e Zédantas, A Volta da Asa Branca.
“Já faz três noites que pro Norte relampeia, a Asa Branca ouvindo o ronco do trovão, já bateu asas e voltou pro meu sertão, ai ai eu vou me embora, vou cuidar da plantação...”
Nenhum político brasileiro representou tão bem o seu povo, como fez Luiz Gonzaga, que sem mandato político, sem voto e sem representação formal, gritou com a sua poesia e com a sua música em defesa do sertanejo. No ano de 1953, a seca torrou o solo do sertão nordestino, acabou com o pasto, matou o gado e expulsou o sertanejo da sua terra. A fome transformou muitos trabalhadores em pedintes pelas ruas, dependendo da solidariedade dos sulistas e da piedade de todo o Brasil. Luiz Gonzaga e Zédantas constroem mais uma pérola da música sertaneja, nela registrando a seca e a fome no Nordeste, e clamando aos políticos que acudissem o povo sertanejo. Nasce Vozes da Seca. A canção conseguiu mexer com os sentimentos dos brasileiros e, certo dia, o então Deputado Federal Juscelino Kubitscheck de Oliveira, subiu à tribuna da Câmara dos Deputados e clamou: “Sr. Presidente, a música de Luiz Gonzaga e Zédantas vale mais do que cem discursos, tenho dito”. Referia o parlamentar à música Vozes da Seca.
“...mas doutor uma esmola, a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”... ...livre assim nos da esmola, que no fim desta estiagem lhe pagamos até os juros sem gastar nossa coragem...”.
O Rei do Baião deixou o seu reinado há 18 anos, precisamente às 05:15h., do dia 02/08/89, no Hospital Santa Joana, em Recife, mas ingressou na história da cultura brasileira como expressão máxima da nossa música, através da qual encantou e encanta a todos. Sua história é uma das mais pesquisadas por acadêmicos do mundo inteiro, sendo inclusive objeto de pesquisa em tese de mestrado e doutorado em várias universidades do Brasil e de outros países. O acervo da sua obra, documentários e causos registrados nas suas andanças por este País encontram-se no Museu de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na cidade de Exu, Pernambuco, terra onde nasceu e onde buscou descanso nos seus últimos dias de reinado.
O Brasil ainda não rendeu as homenagens merecidas ao seu inesquecível filho Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, pelo que produziu como poeta, músico e instrumentista dos melhores que esta terra já deu; pela importância política que exerceu na defesa do sertanejo e até no papel de pacificador de conflitos na região onde viveu; pela riqueza cultural que deixou a este país e por tudo que representou ao longo de 50 anos de viajante tocador pelas estradas deste país, especialmente para o sertanejo, do qual era o seu representante maior. Como disse na sua canção, a sua ausência só nos faz repetir: “Saudade assim faz doer e amarga que nem jiló, mas ninguém pode dizer que me viu triste a chorar, saudade, o meu remédio é cantar...”.
José Ribeiro de Oliveira
Delegado de Polícia, Professor Universitário, Escritor e Membro da Academia Imperatrizense de Letras E-mail: jroliveira2007@yahoo.com.br