FALANDO DE FILMES: BAIXIO DAS BESTAS

Tenho uma amiga que é de Narazé da Mata. Não sabe onde fica? É uma cidade pernambucana, próxima de Recife. Não sei se há um motivo específico, mas lá tem sido uma vertente cinematográfica para o nordeste e Brasil.

 

Pois bem, essa minha amiga estava contando, que uma tia que mora em Brasilia, chamou alguns amigos para assistentirem ao filme rodado em sua terra natal. Segundo a sobrinha, a tia nunca sentiu tanta vergonha. Queria fazer divulgação da sua terra, mas devia ter assistido ao filme antes ou pelo menos ter feito uma pesquisa no Google, só por segurança. Qual o filme? Baixio das Bestas.

 

A tia da minha amiga sentiu vergonha não de ser nazarezense, pernambucana ou nordestino. Não foi isso. Mas sim, da escolha cinematográfica. Até entendo em parte. É uma senhorinha evangélica e chamou outros " irmãos" para um café da tarde e uma de sessão de cinema. Devia ter seguido a tradição global e "alugado" A lagoa azul ou ter escutado a sugestão de Chaves e ter ido ver Pelé.

 

O Baixio das Bestas é um filme com classificação para maiores de 18 anos. Mas dá para assitir, não em família. Mantenham as crianças brincando na varanda, por favor.

 

O maior problema que vejo no filme é que ele conta uma história verossímil. O que é isso, George? Se não é verdade, é quase verdade. Imita a vida. Talvez por isso ele cause um certo mal estar. Traços marcantes da realidade está ali, na nossa frente.

 

O filme tem nudez? Tem. Sexo? Tem. Genitálias a mostra? Tem. Palavra de baixo calão? Tem. Orgia? Tem. Exploração sexual? Tem. Maracatu? Tem. Alegria? Tem. E é isso que, talvez, faça o espectador sentir náuseas. São coisas reais. Boas e ruins, horripilantes que, infelizmente, fazem parte da vida de muitos brasileiros. Coisas que

chegam quase a nos " morder"tal qual uma cobra escondida ali na moita, mas que passam despercebidos, como se não fosse com a gente ou não fosse da nossa conta. Só porque a menina explorada não é da minha família ou porque o explorar é.

 

"Baixio das Bestas" é uma cidade que cada um de nós conhecemos. Ou moramos nela ou ela é logo ali. Conhecemos os seus personagens. Se brincar, até fazemos uma pontinha nesse filme da vida real. Alguns com até com papel principal.

É por isso que incomoda. É a denúncia. É uma crítica e social.

 

Apêndice I

 

Baixio das Bestas é um filme de 2006 dirigido por Cláudio Assis e ganhador do prêmio prêmio melhor filme do festival de cinema de Brasília.

 

Apêndice II

 

Estou assistindo, de novo, ao filme Baixio das Bestas de Cláudio de Assis. Na verdade, como a minha intenção é ver a mensagem que o filme nos quer comunicar, estou assistindo sem pressa alguma. Que leve uma tarde ou uma semana. E, sem esse compromisso da pressa, já aperto o pause no primeiro minuto do filme. Momento no qual uma voz está declamando algo que até agora eu não sabia se era do próprio texto ou um texto externo, versos de um terceiro. E, já me meti na rede para pesquisar. E achei:

“Outrora aqui os engenhos

recortavam a campina

veio o tempo e os engoliu

ao tempo engoliu a Usina.

Um e outro inda há quem diga

que o tempo vence no fim

um dia ele engole a Usina

como engole a ti e a mim.”

(Poema de Carlos Pena Filho).

 

Antes de adentrar no universo dos versos, quem foi Carlos Pena Filho que eu não o conheço!?

 

Pronto, achei poucas informações sobre ele mas o suficiente. Já morreu e jovem, acidente de carro aos 31 anos. Era pernambucano, advogado e jornalista além de poeta. Agora, me sinto um pouco mais a vontade para ver o seu poema mais de perto.

 

O poema fala de engenhos e usinas que foram engolidos pelo tempo. Engenho e usinas de cana de açúcar com os seus oceanos de plantações que tomavam conta da paisagem nordestina dominando toda a zona da mata desde o século 16, fazendo da região nordeste uma das mais ricas do mundo e também uma das mais desiguais.

 

Viajando pelo litoral de João Pessoa à Recife ou indo para o interior destes estados a cana de açúcar ainda é a monocultura que domina a paisagem. Apesar dos grande engenhos e usinas não estarem mais lá. Como o poeta fala no texto, eles foram engolidos pelo tempo.

 

Em alguns lugares é possível encontrar uns resquícios do que antes fora uma usina de açúcar. Mas só as paredes, até umas madeiras, uns ferros retorcidos que lembram de longe alguma máquina. A título de preservação histórica, devem ter um ou dois Engenhos funcionando como museu para nos mostrar como eram feitos o açúcar e a vida naquela época.

 

Durante seu ciclo, a mão de obra foi escrava, primeiros os indígenas e logo após os africanos. Os europeus só chegaram quase 300 anos depois, já no ciclo do café. O que é interessante é mesmo com a existência de outros ciclos, como o do ouro no século 1700 e cacau, do café no século XIX, borracha, a produção canaveeira continua, com o ritmo mais lento, mas não para.

 

A mão obra escrava cede lugar a uma classe que vive quase como os escravos, alguns são ex escravos livres pela lei de 1888 ou seus descendentes. Trabalham numa rotina exaustiva e recebem (inversamente) proporcional ao esforço e tempo dispensados na lavoura. Lá pelo centro sul país recebem o nome de boia fria, apelido que também pega aqui no nordeste.

 

No filme Baixio das Bestas essa população é a massa que compõem a cidade. Uma cidade pobre que tem a sua economia atrelada a novo cultura da cana. Há 100 anos, 200 anos as coisas são feitas da mesma forma. Aliás, essa é uma das imagens que vemos no filme. Um carro aberto, tipo caminhão, com dezenas de trabalhadores sendo conduzidos à plantação.

 

O resumo é que três, quatro gerações estão ali cortando cana, vendo o tempo passar no meio da plantação e sendo levados pelo tempo. Pode não mais haver o Engenho e a Usina como no passado, mas a mão de obra barata, desqualificada, e mais barata do que uma máquina que custa 1. 000.000 de reais, essa parece que nunca vai acabar.

 

 

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 01/12/2022
Reeditado em 20/12/2022
Código do texto: T7662018
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