Victor Xamã: A arte como grito pela visibilização do Norte.

Por Gabriel C. Machado, Mestrando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia(PPGSCA) na Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Como pesquisador dedicado ao estudo do Slam Poesia como um rizoma sociocultural e uma ferramenta para a construção da consciência de si, bem como entusiasta das expressões culturais e artísticas que trazem à tona questões políticas e sociais, sou atraído pelo trabalho do rapper nortista Victor Xamã. Desde 2017, quando tive meu primeiro contato com seu álbum "Janela" e a experiência auditiva marcante proporcionada por "V.E.C.G.", Victor Xamã ocupou um lugar de destaque entre os meus rappers favoritos. Sua habilidade em tecer narrativas poéticas e profundas sobre a vida, a identidade e as realidades do norte do Brasil sempre me intrigou.

Em 2023, Victor Xamã lançou o álbum "Garcia", uma obra-prima que, em minha modesta opinião, se destaca como o melhor álbum do ano. As músicas deste álbum têm o poder de arrancar lágrimas dos olhos daqueles que se permitem imergir em suas letras e melodias. "Garcia" é mais do que um conjunto de canções; é um encontro de almas no encontro das águas que circundam o caos singularmente amazônico.

O trabalho de Victor Xamã não se limita a entreter, mas transcende para questionar e provocar reflexões profundas. Elas ecoam a luta contra a invisibilidade que o Brasil impõe ao norte, revelando as complexidades da identidade cultural e as desigualdades muitas vezes negligenciadas. Ao denunciar o descaso e os desafios únicos enfrentados pelos habitantes da região, Victor Xamã faz mais do que apenas música; ele dá voz a uma luta contínua pela visibilidade, pelo reconhecimento e pela identidade.

A poesia de Victor Xamã não é apenas uma forma de arte, mas um grito de resistência e uma poderosa ferramenta de comunicação. Ela estimula, inspira, grita e, acima de tudo, mostra a força e a resiliência do povo nortista. Seu trabalho é um farol que ilumina não apenas a cena musical do Norte do Brasil, mas também as questões sociais, culturais e políticas que permeiam nossa sociedade. A seguir farei uma pequena reflexão acerca de "sonho lúcido", música do álbum V.E.C.G.

"Sonho Lúcido": O Abraço Musical à Angústia e solidão.

A música "Sonho Lúcido," em particular, é a minha favorita. É uma das músicas que nunca sai dos meus ouvidos e que é impossível de enjoar. "Sonho Lúcido" é para mim, sem quaisquer sombras de dúvidas, uma das músicas mais impactantes e significativas da obra de Victor Xamã. Ela se destaca por sua profundidade lírica e pela maneira como aborda temas universais como medo, liberdade, crescimento pessoal e a busca por algo maior. Essa canção é como um abraço no meu eu mais angustiado e solitário, e é por isso que ela ocupa um lugar especial em meu coração.

O refrão, que repete a frase "Uma chuva fina toca a pele em um sonho lúcido," é como um mantra que nos transporta para um estado de contemplação. A chuva, muitas vezes associada à renovação e purificação, tocar a pele em um sonho lúcido sugere uma conexão profunda com o inconsciente e com a própria essência. É como se, nesse sonho lúcido, Victor Xamã se despojasse do medo e das amarras que limitam nossa existência cotidiana.

"Eu nasci pra criar asas, tô evitando criar raízes/Amadurecemos e outras coisas priorizamos/O descontentamento também faz parte da vida/A elos que se partem pra formarem elos mais fortes". Estes versos refletem a maturidade e o amadurecimento que todos nós experimentamos ao longo da vida. Às vezes, precisamos abrir mão de certas coisas para abraçar outras, e essa escolha nem sempre é fácil. A ideia de evitar criar raízes também é poderosa, pois sugere uma busca constante por novas experiências e um desejo de voar mais alto.

Em última análise, "Sonho Lúcido" é uma canção que fala diretamente à alma, transmitindo a mensagem de que, mesmo diante das adversidades, podemos encontrar força e crescimento pessoal. É um lembrete de que a vida é uma jornada de constante evolução, e essa música, com sua poesia profunda e emotiva, nos envolve como um abraço caloroso nos momentos em que mais precisamos.

Considerações

Este é um texto que encontra, mistura, repensa, reflete, transmuta ideias presentes nas obras de Victor Xamã e os estudos sobre sociedade e cultura na Amazônia. Através da música, poesia e arte, Victor Xamã não apenas encanta nossos ouvidos, mas também nos faz questionar, aprender e crescer. Sua expressão artística é um reflexo das complexidades e desafios enfrentados na região NORTE do Brasil, uma região muitas vezes negligenciada e invisível aos olhos do país. No entanto, através de sua música, Victor Xamã dá voz a essa luta por visibilidade, identidade e reconhecimento.

Este texto é uma homenagem à obra desse notável artista, à riqueza cultural da Amazônia e à capacidade transformadora da arte. Victor Xamã nos convida a sonhar lúcido, a questionar o status quo e a abraçar a diversidade e a resiliência de nossa região. À medida que exploramos suas músicas e mensagens, também refletimos sobre as questões sociais, culturais e políticas que moldam a Amazônia. É uma jornada de autodescoberta e entendimento, onde a arte e a pesquisa se encontram para iluminar novos caminhos e perspectivas. Que continuemos a ouvir, aprender e celebrar a arte transformadora de Victor Xamã, enquanto também buscamos compreender e valorizar a complexa tapeçaria da sociedade e da cultura na Amazônia.