“Realidades Adaptadas” Philip K. Dick
“Realidades Adaptadas” é uma coletânea de contos escritos por Philip K. Dick, um escritor norte-americano de ficção científica que alterou profundamente o gênero ao explorar temas políticos, filosóficos, sociais, realidades alternativas e estados alterados de consciência em suas obras. Todos os sete contos contidos nessa coletânea já ganharam adaptações para o cinema e a obra foi lançada aqui no Brasil pela Editora Aleph.
Como a coletânea é curta, vou conseguir falar um pouco sobre cada conto, ocultando informações importantes que possam estragar sua experiência, caso ainda não tenha lido. Sem mais enrolação, bora falar sobre os contos.
“Lembramos para você a preço de atacado” abre a coletânea abordando um assunto recorrente nas obras de PKD, a percepção da realidade. Douglas Quail é um homem comum e ser um homem comum é o que o impediu de realizar seu maior sonho, o de conhecer Marte. A obsessão de Quail por Marte é tão grande que começa a afetar seu casamento, sua esposa não aguenta mais ouvir e ver o marido tentar em vão realizar seu maior sonho, ao invés de colocar os pés no chão e agir como o homem comum que ele é. Consciente de que não conseguirá realizar seu sonho por meios normais, Quail decide recorrer à REKORDAR S.A., uma empresa de implantes de memória que promete ao rapaz memórias vividas que lhe farão crer que ele conseguiu realizar seu maior sonho e tudo isso por um precinho camarada.
O problema é que o implante de memórias falha e agora Quail precisa descobrir como discernir o que é memória verdadeira e o que é apenas uma ilusão sobre sua vida. O conto é bem interessante e faz o leitor tentar descobrir com o personagem o que é real nessa história toda, é uma ótima forma de se iniciar a coletânea. O conto possui uma adaptação disponível na Netflix, basta procurar por “Vingador do Futuro”, ela não é exatamente fiel, mas o filme é divertido, as cenas de ação são ótimas e o roteiro expande a premissa do conto.
“Segunda Variedade” é um conto que foi escrito inspirado na corrida armamentista, trazendo uma crítica ao uso da tecnologia para a fabricação de armas de destruição em massa. Como qualquer história de ficção científica que se preze, PKD extrapola o uso da tecnologia e nos apresenta uma das reflexões mais intrínsecas ao gênero, a relação do homem com a máquina.
Hendrick é um soldado de alta patente que é “convidado” a ter uma conversa com o tropa inimiga, porém, quando chega ao seu destino, descobre que as armas que eles criaram para enfrentar o inimigo, abaram se tornando armas das quais todos precisarão combater, caso não queiram presenciar a extinção da raça humana. Eu adorei o clima do conto e principalmente as armas, PKD foi muito inventivo ao criar as “garras”, elas são esferas que sobem pelo corpo humano e rasgam a garganta dos inimigos ou dos aliados que não estiverem trajando um dispositivo de reconhecimento, essa arma acaba se auto aperfeiçoando com o tempo e eu não preciso dizer para você que armas que se auto aperfeiçoam não é a uma boa ideia né? Eu não cheguei a assistir a adaptação do conto, porém pesquisei algumas imagens de referencia e constatei que é melhor continuar sem assistir mesmo.
“Impostor” aborda o trauma do ser humano com as guerras e o quanto podemos nos tornar super protetores, maníacos por segurança mesmo, a qualquer sinal de perigo. Ollham é um funcionário do governo que já trabalha sem descanso há dez anos em um projeto secreto, ele só pensa em tirar alguns dias de férias para aproveitar um tempo com a esposa, porém, inexplicavelmente suspeitas caem sobre ele e Ollham precisará provar sua identidade para não acabar sendo assassinado. Eu não consegui assistir a adaptação (O Impostor) ainda, mas com certeza vou tentar ver, pois o clima de suspense desse conto é fenomenal.
“O Relatório Minoritário”, talvez seja o conto mais famoso dessa coletânea em função de sua adaptação cinematográfica (Minority Report -A Nova Lei), estrelada por ninguém menos que Tom Cruise. Neste conto, a reflexão fica por conta de questões de causa e efeito além de discutir sobre questões de regime carcerário, o proprietário de uma empresa criada com o objetivo de prevenir crimes acaba sendo acusado por seu próprio sistema de ser um potencial assassino, caberá a ele descobrir se o seu sistema infalível está dizendo a verdade, ou se há um grande problema que resultaria no maior escândalo policial já visto e no fim de sua carreira e liberdade. O conto é muito bem escrito, as pontas são bem amarradas, o leitor fica totalmente imerso na história tentando descobrir com o personagem o que teria acontecido com seu sistema de precogs, vale muito a leitura!
“O Pagamento” vem em seguida misturando questões de realidade com viagem no tempo. Um funcionário, após trabalhar durante dois anos, chega ao final do seu contrato de trabalho e descobre que ao invés de receber dinheiro, em algum momento, optou por receber alguns objetos aparentemente inúteis como pagamento. Desolado e com a sensação de ter perdido tempo, dinheiro e ter sido enganado pelos ex-empregadores, ele é abordado pela Polícia de Segurança que lhe faz algumas perguntas das quais ele não consegue responder, ele simplesmente não se lembra de seu dia-a-dia, de rostos e das funções que desempenhava em seu antigo emprego que deixou há menos de 24 horas. O conto é muito intrigante e tenso, você fica tentando imaginar os próximos passos do personagem e o que ele fará com aqueles objetos inúteis que recebeu como pagamento, sem dúvida é uma das minhas histórias favoritas dessa coletânea.
“O Homem Dourado” é um dos contos que eu menos gostei, a história fala sobre adaptação e sobrevivência, basicamente sobre o medo do ser humano de ser erradicado por uma espécie mais evoluída. Um ser estranho que, além de emitir um brilho dourado por todo corpo e correr em uma velocidade impressionante, consegue prever o futuro e assim se livrar de algumas ameaças, acaba se entregando para as pessoas que o estão caçando. Na maior parte do conto, cientistas estudam essa nova criatura com temor e ao chegarem à conclusão de que estão lidando com algo muito poderoso, decidem eliminá-lo, porém, a missão não será tão simples.
“Equipe de Ajuste” encerra a coletânea com chave de ouro, a história fala sobre condição humana e novamente sobre relações de causa e efeito. Um funcionário de um escritório acaba chegando atrasado e presenciando uma cena que não deveria, agentes desenergizando seus colegas de trabalho para fazer algumas modificações neles. Estarrecido com essa visão e com a suspeita de que tenha ficado louco, ele precisa encontrar alguma explicação racional para aquilo que presenciou.
“Realidades Adaptadas” é uma coletânea que funciona muito bem como uma porta de entrada para o universo muito louco da escrita de Philip K. Dick. Com reflexões acerca da nossa realidade, tempo, espaço e condição humana, os contos são basicamente a essência do que é a ficção científica. Após ler a coletânea você vai entender bem o motivo pelo qual o autor é tão adaptado e o quanto suas obras moldaram a ficção científica para sempre.
fonte: < https://umcafecomluke.com/2019/05/10/maio-sci-fi-realidades-adaptadas-philip-k-dick/ >