Torto Arado-impressões pessoais
Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, é ambientado no sertão da Bahia e tem como característica marcante o regionalismo expresso na obra por meio do cotidiano narrado, da descrição das personagens e da escolha vocabular específica. O romance retrata a vida precária de trabalhadores rurais de modo muito vivaz, o que garante força de consciência nacional à obra. A narrativa tem um agudo tom provocativo, sendo original e tradicional a um só tempo, guardando tanto um tom intimista quanto um aspecto exterior de grandiosidade da terra. Tal ambivalência é incrivelmente harmônica e pode ser ilustrada pela densidade de pensamento e de sensação das personagens ao passo em que elas são em muitas passagens, representadas em uma perspectiva naturalista, em um nível quase animal. O livro, tendo uma “lavoura arcaica” literal, dialoga muito com Raduan Nassar, em traços estilísticos. Já do ponto de vista de enredo e de práticas culturais que enriquecem a história e exibem as singularidades desconhecidas do Brasil, pude facilmente traçar semelhanças entre o espaço em questão: a fazenda de Água Negra e a vila de Macondo, eternizada na obra de García Márquez. No entanto, sinto que Torto Arado se aproxima muito mais da realidade bruta, merecendo o título de romance de formação ao invés de realismo mágico. De farta inspiração sociológica, a obra é uma verdadeira ferida aberta que induz à reflexão sobre desigualdades sociais pela perspectiva da ancestralidade, desenterrando as raízes que compõem o povo brasileiro e colocando-as à mostra de quem estiver disposto a pensar sobre colonialismo, riquezas étnicas, saberes culturais e resistências históricas.