Análise do poema Misticismo, de Teófilo Dias

Misticismo

Inspiras-me o sentimento

Que se lê nas catedrais

Que as idades medievais

Ergueram ao firmamento.

Fundas raízes no chão

Estende; floresce em pedra;

Sobe, cresce, avulta, medra,

Enche, domina a amplidão.

E do pensamento escrito

Na abóbada colossal,

Arqueja o esforço ideal

Que tende para o infinito.

Depois... a agulha sutil

Se perde no céu distante,

Como um grito suplicante...

— Como um desejo febril!

Análise:

O poema Misticismo, presente na obra poética Fanfarras, do poeta parnasiano Teófilo Dias, e que marca o inicia o Parnasianismo no Brasil, apresenta características que o inclui nessa escola literária que marca o fim do século XIX.

Em relação à estrutura do poema em questão, observa-se um cuidado na forma, em relação à contagem das sílabas poéticas, assim como na métrica e na distribuição de palavras precisas nos versos. As rimas organizam-se de forma interpolada, seguindo o esquema ABBA, e em diversas passagens do poema, nota-se a dedicação do poeta na composição de rimas ricas, isto é, a formulação de um jogo sonoro de palavras, a partir de classes gramaticais distintas, remetendo a uma importante característica do Parnasianismo, os versos centrais da primeira e da segunda estrofes, exemplificam o uso das rimas ricas, ao propor a sonoridade. Sendo catedrais um substantivo e medievais um adjetivo que caracteriza “idades”, ambos os termos rimam entre si. O mesmo processo ocorre com pedra (substantivo) e medra (verbo). Entretanto, diferentemente de muitos poetas que consagraram-se com versos organizados em sonetos, o poema de Teófilo Dias não obedece a estrutura de dois quartetos seguidos de dois tercetos. Os versos curtos transparecem a preocupação com a objetividade e com uma maneira direta de o poeta se expressar, atentando sempre para o rigor formal e para a utilização de termos que contribuem com a formulação de imagens claras durante a leitura, como “sutil”, “fundas” e colossais”. A inversão sintática também é um recurso explorado pelo poeta, podendo ser identificada nos versos “Fundas raízes no chão/Estende; floresce em pedra;/sobe, cresce, avulta e medra”.

Em relação à temática do poema, evidencia-se que Teófilo Dias ao inaugurar o Parnasianismo no Brasil, introduz por meio da obra da qual o poema faz parte, os prenúncios de uma produção literária distanciada da subjetivação romântica e do arrebatamento dos sentimentos que acompanham uma linguagem exacerbada, inserindo no contexto da época, a poesia que privilegia a forma, mas que não a submete em sua totalidade à rigidez, nem a torna superior a toda espécie de sentimento. Para exemplificar, é possível analisar no poema “Misticismo”, traços de inspiração do poeta, que denotam um saudosismo, tanto em relação à menção da idade medieval, quanto em relação ao tom em que sua poesia flui. Pode-se perceber até mesmo a sutil da presença da metalinguagem, no verso “E do pensamento escrito”, apesar de não referir-se especificamente à escrita de um poema, mas sim à atividade de escrita em um ambiente esmaecido do meio religioso, cenário construído pelo poeta. A expressão dos exageros românticos já substituída na prosa por temas realistas e naturalistas, é agora substituída na poesia por temas parnasianos, cuja linguagem é essencialmente preciosista, detalhista, descritiva e de alta precisão. Partindo de uma interpretação das estrofes finais, pode-se constatar um contraste entre aquilo pelo qual a poesia parnasiana preza, indicada simbolicamente em um verso pelas fundas raízes, e a descrição da liberdade de pensamentos escritos que ganham o infinito e se perdem “no céu distante”. O poema se constrói a partir do misticismo religioso e na experiência do eu-lírico em um cenário propício à evocação de Deus, resultando em uma composição em versos que traduz de certo modo a perspectiva de uma crença, mas que engendra para além disso, um fazer literário bem estruturado e contextualizado aos novos temas.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 02/01/2021
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