Análise do "Conto de escola" de Machado de Assis
Escritor negro,pobre, gago, epilético, tímido, e, pelos raros registros históricos, poucos amigos.
Machado nasceu no Morro do Livramento, Rio de Janeiro e frequentou apenas o primário.Neto de escravos e de imigrante açoriana.Nasceu em 1839 e morreu em 1908 e viveu num período de intensas mudanças sociais e políticas.
A era sociedade escravocrata e o regime político transitava da Regência à República.
Machado, enquanto criança e adolescente, perdeu a irmã quando esta tinha cinco anos e a mãe, quando ele tinha 10 anos. Sua primeira publicação foi aos 15 anos, uma poesia.
Machado, um dos criadores da Academia Brasileira de Letras, pouco falava de si e tornou-se um mestre por meio da escrita, na arte de enxergar os outros, os ambientes e as instituições e, como resultado, são notáveis os seus romances, contos e novelas.
Conto de escola, foi publicado em 1884, no jornal Gazeta de Notícias.
A história é contada por um narrador-personagem, também protagonista, tratado no texto como Pilar, que já adulto relembra um fato, que ocorreu na escola, enquanto era criança no Rio de Janeiro, quando tinha 10 anos em 1840.
São também personagens principais da história: Policarpo ( o professor), Raimundo (colega de Pilar e filho do professor), Curvelo (colega de Pilar e delator).
O narrador nos conta que preferia vadiar pelas ruas a ir para a escola e, como certa vez foi descoberto, levou uma surra de vara de marmelo dada pelo pai, resolveu, naquele dia, comparecer à escola.
O narrador se gaba de que apesar de não gostar daquele lugar, era um dos melhores alunos.
Naquele dia, chegou antes do professor por pouco e realizou a tarefa , como de costume, rapidamente.Diferentemente do seu colega Raimundo que era lento e tinha dificuldade dentro da sala de aula.
Segundo Pilar, naquele dia, o colega mostrou uma moeda antiga que o fez desejar tê-la pra si. Seria uma troca na qual o garoto receberia pelo ensino ( bem ensinado) de uma tarefa gramatical a moeda.Tudo ocorreu bem , entretanto, toda a negociação foi observada por um colega (Curvelo) que os delata ao professor.
O professor, aparentemente simpático às ideias da democracia, dá 12 bolos de palmatória em Pilar e em Raimundo pelo que fizeram e "Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio! " jogando a moeda para fora da escola pela janela.
O protagonista quer surrar o delator Curvelo, mas este foge. Como o ensino parece ser em dois turnos, também não aparece à tarde.
O narrador retorna no outro dia mais cedo para tentar achar a moeda, mas no meio do caminho ouve a "companhia do batalhão de fuzileiros", a marcha matinal dos soldados e segue-os esquecendo-se da escola.
A escola é duramente criticada neste conto em vários momentos; a preferência do narrador-personagem pela rua à escola; o professor que dá as tarefas e não se incomoda com a aprendizagem dos alunos; a correção dura por meio de castigos (naquele tempo , palmatória) sem averiguação dos fatos; o conteúdo distante dos interesses dos alunos; a insensibilidade para as dificuldades de aprendizagem dos alunos...
Outro item interessante neste conto são os nomes que como não poderiam deixar de ser, por ironia, criticidade e, por ser um período próximo ao Simbolismo, poderíamos destacar que:
Pilar: Coluna simples que sustenta uma construção; poste, estaca, esteio... Não por acaso ele é o narrador-personagem adulto, que olha para o passado e reconta os fatos segundo a sua versão. Considera-se pela maneira que conta, inteligente e perspicaz.
Policarpo: poli: vários, muitos; carpo: parte do esqueleto da mão (é o professor quem pega na palmatória, quem conduz as aulas...). Além disso, é reservado a esse personagem a dúvida sobre as suas inclinações políticas. E, uma descrição depreciativa e decadente do seu aspecto físico e vestimentas. Policarpo poderia ser uma alusão aos vários professores que possuíam posturas semelhantes daquela época?
Raimundo: aquele que protege com seus conselhos... Ironicamente no conto é o que precisa ser protegido pelos colegas.
Curvelo: de curva: aquele que se curva. Aos outros? Ao sistema?
Os aspectos físicos e psicológicos desses personagens convergem para o que representam também entrecruzando-se com os nomes :
Pilar:"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua."
Policarpo: "Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinquenta anos ou mais."
Raimundo:"Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinquenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. "
Curvelo:"Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós. "
O trecho "outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. " Mostram o quanto os nomes foram escolhidos como referências simbólicas.Todos esses citados não frequentavam a escola e remetem à liberdade/libertinagem tão requerida por Pilar.
O desfecho do texto também recai sobre o papel social da escola que motiva o protagonista a faltar às aulas "Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto." Fora da escola estavam as cores, a música, a liberdade, a razão de prazer para o personagem.
Outro aspecto bem contemporâneo está também no desfecho "Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor..." Corrupção e delação são palavras cotidianas repetidas nos principais meios de comunicação do país e que, no conto , ocorre dentro da escola. Não porque ela ensinou os conteúdos, mas porque o personagem viveu à revelia dela.
Machado, para deixar claro, mantém a crítica ferrenha às instituições educadoras da época, ao dizer que este era o primeiro conhecimento que o narrador-personagem havia adquirido. Ou seja, todo o conhecimento repassado aos alunos dentro da escola é desconsiderado. Não é visto como relevante ou que vai ficar para a vida.
Entretanto, cabe aqui , ainda sobre o desfecho, lembrar que Pilar, que acusa os personagens Raimundo e Curvelo como corrupto e delator , nesta ordem, esquece que fez parte de toda o esquema de corrupção envolvendo a moeda antiga e que ele aceitou os termos do acordo. Foi corrupto tanto quanto Raimundo e ainda, embora tivesse perdido a moeda, queria recuperá-la porque achava justo tê-la de volta, uma vez que tinha feito o serviço solicitado.
A moeda, é um símbolo do capitalismo daquela época e atravessou, no conto, os muros da escola, para dentro da escola, como venda: a tarefa possui um valor de mercado no momento em que as duas crianças acertam os termos .
Assim, a fúria do professor parece não ser descabida, pois, até então, Pilar ensinava a lição a Raimundo, de graça. A partir daquela negociação delatada por Curvelo e descoberta pelo professor Policarpo, a moeda precisou ser atirada pela janela, pois para aquele professor, não cabia no espaço escolar, dentro da sala de aula e não cabe na escola de hoje, a selvageria do capitalismo.