No elevador do filho de Deus de Elisa Lucinda( PAS UnB - 3 etapa)

"A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida

Que eu já tô ficando craque em ressurreição.

Bobeou eu tô morrendo

Na minha extrema pulsão

Na minha extrema-unção

Na minha extrema menção

de acordar viva todo dia

Há dores que sinceramente eu não resolvo

sinceramente sucumbo

Há nós que não dissolvo

e me torno moribundo de doer daquele corte

do haver sangramento e forte

que vem no mesmo malote das coisas queridas

Vem dentro dos amores

dentro das perdas de coisas antes possuídas

dentro das alegrias havidas

Há porradas que não tem saída

há um monte de "não era isso que eu queria"

Outro dia, acabei de morrer

depois de uma crise sobre o existencialismo

3º mundo, ideologia e inflação...

E quando penso que não

me vejo ressurgida no banheiro

feito punheteiro de chuveiro

Sem cor, sem fala

nem informática nem cabala

eu era uma espécie de Lázara

poeta ressucitada

passaporte sem mala

com destino de nada!

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida

ensaiar mil vezes a séria despedida

a morte real do gastamento do corpo

a coisa mal resolvida

daquela morte florida

cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos

cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos

que já to ficando especialista em renascimento

Hoje, praticamente, eu morro quando quero:

às vezes só porque não foi um bom desfecho

ou porque eu não concordo

Ou uma bela puxada no tapete

ou porque eu mesma me enrolo

Não dá outra: tiro o chinelo...

E dou uma morrida!

Não atendo telefone, campainha...

Fico aí camisolenta em estado de éter

nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!

Tô nocauteada, tô morrida!

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa

não tem aquela ansiedade para entrar em cena

É uma espécie de venda

uma espécie de encomenda que a gente faz

pra ter depois ter um produto com maior resistência

onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)

e fica feito a justiça: cega

Depois acorda bela

corta os cabelos

muda a maquiagem

reinventa modelos

reencontra os amigos que fazem a velha e merecida

pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"

E a gente com aquela cara de fantasma moderno,

de expersona falida:

- Não, tava só deprimida."

ANÁLISE :

O poema “No elevador do filho de Deus” apresenta como tema a morte, já versada por inúmeros poetas de outros tempos como Álvares de Azevedo (Ultrarromantismo), Augusto dos Anjos (Pré-Modernismo), Cecília Meireles (Modernismo). Nesse passado literário, a morte vinha sofrida, desejada, temida...E em todos os casos bem real. No poema lido por sua vez, a poeta Elisa Lucinda (Contemporânea) apresenta uma morte metafórica, estratégica e o que é mais incrível: passageira. A começar pelo título bem sugestivo: No elevador, aquele que sobe e desce, e nós os passageiros: os filhos de Deus. Na vida, somos todos passageiros.

Ademais, a morte hoje em dia pode ser adiada devido aos avanços tecnológicos que prometem longevidade, rejuvenescimento e saúde. São remédios, alimentos, cirurgias, exercícios físicos e outras parafernálias que adiam a tão temerosa morte. Não é à toa que o eu lírico do poema está “ficando craque em ressurreição. ”

Por outro lado, vivemos um tempo de descarte. Descartam-se pessoas, coisas, bichos...tudo pode ser “morto” por alguém. São “perdas de coisas antes possuídas” e que de repente tornaram-se sem valor. O descarte tem a ver com o ser superficial que nos tornamos, a massa que se deixa conduzir sem muito pensar ou diferenciar-se dos demais.

Também morremos, segundo o eu lírico, por escape... “A gente tem que morrer tantas vezes durante o dia”...Morre-se quando não há solução, quando se quer fugir da correria, “a coisa mal resolvida”. Para a voz poética “a morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa” é “uma espécie de encomenda que a gente faz”...Neste significado ,a morte é restauradora e necessária para que o indivíduo mantenha-se saudável. Saber se recolher, desligar o celular, a TV, o computador e tudo que parece deixar a cabeça a mil, tem sido recomendado por especialistas em comportamento humano.

E finalmente o eu lírico termina o poema associando a morte como depressão. Ironicamente o eu lírico afirma que sai dela quando quer. Entretanto, a doença fora da poesia é um desafio à medicina e tem acometido pessoas de diferentes idades e classes sociais. Quem adoece por depressão entra no elevador sem querer e sem saber quando vai sair.

Marcela Cristiane
Enviado por Marcela Cristiane em 20/06/2017
Reeditado em 27/10/2017
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