ANÁLISE DE ALGUNS PENSAMENTOS (trechos musicais) DE RAUL SEIXAS

Raul Seixas, o grande cantor e compositor baiano, falecido em agosto de 1989, já dizia em uma de suas letras musicais: “Eu já passei por todas as religiões, filosofias, políticas e lutas. Aos 11 anos de idade eu já desconfiava da verdade absoluta.” Este trecho da música As Aventuras de Raul Seixas Na Cidade de Thor, de 1974, serve, antes de tudo, para mostrar a precocidade de um gênio. Alguém que, em vez de se tornar um escritor ou algum filósofo provavelmente bem sucedido, resolveu apostar na música, mais precisamente no Rock in Roll, fazendo uso de um vasto conhecimento adquirido ao longo dos anos na biblioteca de seu pai.

Nessa mesma letra, Raul afirma que “para aprender o jogo dos ratos, transou com Deus e com o lobisomem.” É o tipo da construção que sempre foi um perigo aos ouvidos e bocas de muita gente imbecil, uma vez que procuram levar tudo para o campo da literalidade. A explicação para o termo utilizado está no simples fato de se procurar conhecer, com mais profundidade, a oposição entre as duas grandes forças místicas que regem o universo, o bem e o mal, para que assim, se possa conviver melhor com ambas.

Por outro lado, ao analisarmos mais a fundo o pensamento de um ignorante cultivado, especialmente nos dias atuais, percebemos que a dificuldade maior de um indivíduo como esse está justamente na interpretação daquilo que ele ouve, lê ou simplesmente enxerga, gerando, a partir daí, suposições um tanto perigosas, baseadas no seu entendimento particular das coisas. O fato dele somente alcançar o sentido literal e referencial das coisas faz com que, na maioria absoluta das vezes, não perceba a sutileza dos detalhes empregados nas metáforas, figura de linguagem onde impera o sentido conotativo e a subjetividade, em um dado contexto.

É o que acontece quando alguém menos informado ouve o final da canção O trem das sete, também de 1974, quando Raul Seixas pronuncia em tom profético: “Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral...” Evidentemente que a expressão aqui utilizada teve, em parte, o seu sentido literal modificado, mas não completamente, uma vez que a explicação pode esbarrar em questões culturais. Para uma melhor compreensão, vamos recorrer à cultura e a algumas religiões orientais, onde sabemos que imagens de deuses e demônios figuram lado a lado no mesmo altar.

E por fim, uma música bastante emblemática desde o ano de seu lançamento, a qual ajudou na caracterização de Raul Seixas como um roqueiro maldito. Rock do Diabo, do disco Novo Aeon, de 1975, onde Raul mostra conhecimento e até uma certa “intimidade” falando acerca do Príncipe das Trevas. “Existem dois diabos, só que um parou na pista, um deles é o do toque o outro é aquele do exorcista.”

Não é muito difícil entender que a figura do diabo aqui é vista como uma alegoria, um símbolo de rebeldia, talvez, e não meramente do ponto de vista religioso. Em suas letras Raul sempre se referia ao diabo de uma maneira filosófica, histórica, quebrando qualquer tabu que pudesse envolver essa temida figura mística.

Raul Seixas era irônico por natureza, sarcástico e adorava uma polêmica, uma boa provocação. Debochava de tudo e de todos, não tendo papas na língua. Foi, sem dúvida alguma, um dos artistas mais inteligentes do meio musical, não se rendendo a modismos e padrões adotados por terceiros. Fazia o seu próprio caminho, embora nem sempre sabendo onde ia acabar. “Não sei onde eu tou indo, mas sei que tou no meu caminho.”

Não foi o alcoolismo ou mesmo as drogas que tiraram sua vida. Raul na verdade morreu de depressão, de insatisfação. Nunca chegou a um acordo com a realidade que o cercava, sendo incompreendido em praticamente tudo que fizera. Portanto, tentar definir ou estereotipar o seu pensamento e a sua obra musical, é simplesmente se perder nas próprias palavras. Alguns bem que já tentaram.

Paulo Seixas, maio/2015